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COM a devida vénia , in "Jornal da defesa" 2010/09/26 |
O papel dos submarinos nas operações conjuntas e combinadas |
José Rodrigues Pedra |
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As recentes acções desenvolvidas por piratas ao largo das águas da
Somália, numa importante área de confluência de rotas marítimas, vieram
relembrar duas questões essenciais na área da segurança e defesa
internacionais.
A primeira questão diz respeito ao carácter difuso e incerto das
ameaças no século XXI e ao seu impacto na ordem internacional. A segunda
questão realça o papel secular e primacial da segurança das linhas de
comunicação marítimas e a sua importância para o desenvolvimento e
bem-estar das sociedades. O corte mais ou menos significativo das linhas
de comunicação marítimas pode constituir um sério problema
internacional caso os Estados não possuam alternativas credíveis para
garantir a segurança dos fluxos de mercadorias essenciais ao
funcionamento das economias nacionais. No passado, dominá-
-las era
uma preocupação constante e primária de cada um dos adversários, o que
levou Napoleão a afirmar ser a guerra uma questão de comunicações.
Um século após o Congresso de Viena [1] colocar um ponto final nas
ambições napoleónicas, as grandes potências europeias envolvidas na I
Guerra Mundial testemunharam mais uma vez a importância das linhas de
comunicação marítimas, porém, com uma nova variável na equação
operacional do conflito – o submarino. Com efeito, pela primeira vez na
história militar, o submarino assumia um papel decisivo nas operações
navais desenvolvidas pela potência hegemónica continental, a Alemanha,
que se empenhava a fundo em cortar as comunicações marítimas do
adversário. Desde então, como resultado óbvio das suas características,
capacidades fundamentais e princípios de emprego, o submarino tem
mantido a sua relevância operacional e estratégica nos mais
diferenciados teatros de operações e cenários do xadrez internacional.
O impulso expedicionário
A percepção política e global de que “if we do not go to the crises, the crises will come to us”
(Till, 2004: 238) impôs a mobilização dos Estados e da comunidade
internacional no desenvolvimento de uma segurança desterritorializada e
projectável [2] como o demonstrou a intervenção do ocidente no
Afeganistão em 2001, tendo em vista eliminar o apoio do regime Taliban à
Al Qaeda.
Para além da dimensão política, também a dimensão geográfica foi
determinante no desenvolvimento do impulso expedicionário. Bastará notar
que cerca de 70% da população mundial vive dentro de um raio de 320 km a
partir do mar e que aproximadamente 40% das cidades mundiais, com uma
população igual ou superior a 500.000 habitantes, se localizam no
litoral. A isto acresce o facto de uma parte importante dos recursos
energéticos e minerais circularem por via marítima, através de estreitos
e de pontos de confluência estratégicos cujo controlo constitui,
inevitavelmente, uma vantagem competitiva para aqueles que estiverem em
melhores condições para o exercer.
Deste modo, é incontornável que as marinhas de guerra assumam um
papel significativo no impulso expedicionário, não apenas pelas
características naturais dos litorais que exigem capacidade de
transporte pelo mar, mas também pela capacidade das forças navais
proporcionarem apoio às operações conduzidas em terra. O submarino,
elemento fundamental da estratégia e das operações navais, assume-se
como uma variável relevante na complexa equação das operações
expedicionárias e, consequentemente, nas operações conjuntas e
combinadas.
O papel dos submarinos nas operações conjuntas e combinadas
Características
Sem se ter a pretensão de descrever de modo exaustivo o elevado
potencial inerente à arma submarina, em particular, o seu efeito
dissuasor, evidenciam-se apenas cinco atributos, cuja relevância para
efeitos das operações conjuntas e combinadas, como de outras, é
significativa.
Discrição. A discrição é,
porventura, a característica que confere ao submarino a maior vantagem
competitiva relativamente a outros sistemas de armas. A discrição
resulta não só da possibilidade do submarino se manter em imersão, e por
isso invisível, mas também do facto de ser um meio que opera de forma
silenciosa, tornando-se virtualmente indetectável por meios passivos.
Neste contexto, os submarinos convencionais (não nucleares), com ou sem
AIP [3], são a expressão máxima dessa discrição.
Mobilidade. A manobra
contribui para a exploração dos resultados, para a conservação da
liberdade de acção e para a redução das vulnerabilidades. A mobilidade,
sendo um elemento essencial do potencial de combate, visa dispor uma
força de forma tal que o adversário fique colocado numa situação
operacionalmente ou tacticamente desvantajosa. No caso particular do
submarino, a mobilidade está directamente associada à sua velocidade, em
particular à velocidade em imersão e ao tempo durante o qual essa
velocidade pode ser sustentada.
Autonomia. Por autonomia
entende-se a capacidade para operar no mar sem apoios externos e, estão
enganados aqueles que pensam que a autonomia é apenas uma característica
dos submarinos nucleares. Na verdade, mesmo os modelos
diesel-eléctricos mais antigos detêm uma autonomia global (endurance)
notável. Note-se o caso do submarino argentino San Luis que, durante a
Guerra das Malvinas, operando isoladamente a 800 milhas do seu porto, se
manteve no mar por mais de 30 dias nas vizinhanças da Task Force
inglesa, condicionando claramente o desenvolvimento das operações [4].
Para além da autonomia global, atrás referida, é conveniente também
relevar a autonomia em imersão (submerged endurance),
que confere ao submarino a capacidade de se manter em paradeiro incerto
por um período alargado de tempo, virtualmente indetectável. Os
submarinos convencionais diesel-eléctricos, dotados de AIP, como é o
caso da 5ª esquadrilha portuguesa de submarinos da classe “Tridente”,
constituem, a par dos submarinos nucleares, uma expressão incontornável
desta autonomia, podendo manter-se em imersão profunda por períodos que
vão para lá das duas semanas, percorrendo, nesta condição, muitas
centenas de milhas.
Flexibilidade de resposta. Os
submarinos podem ter uma participação determinante nas operações
conjuntas e combinadas ao longo das diferentes fases do espectro do
conflito. Por exemplo, durante as fases iniciais de uma crise (ou mesmo
durante um conflito generalizado), o submarino, dado o carácter furtivo
que lhe é conferido pela sua discrição e autonomia, pode conduzir
operações de recolha de informações ou lançar operações especiais em
áreas muito afastadas da sua base, virtualmente em qualquer parte do
globo. Por outro lado, o facto de existir a possibilidade de um
submarino se encontrar numa dada área marítima gera um efeito dissuasor
tremendo para as forças de superfície opositoras, coaginda-as e
limitando-lhes a iniciativa, isto é, negando-lhes parcialmente ou
totalmente o uso do mar.
A flexibilidade de resposta dos submarinos não é uma característica
que se identifica somente com o espectro da conflitualidade. De facto,
há exemplos que demonstram como é que os submarinos podem ser empregues
em operações de cariz não militar. No passado, o Canadá empregou os seus
submarinos do tipo “Oberon” na vigilância e na recolha de informações
relativas ao exercício ilegal da actividade piscatória. A Colômbia e a
África do Sul, por seu turno, têm usado os seus submarinos para executar
missões de surveillance no âmbito do combate ao narcotráfico. Portugal tem empregue igualmente os seus submarinos em acções de surveillance que visam percepcionar e caracterizar eventuais alterações, não só das áreas de incidência, mas também do modus operandi dos traficantes de droga na ZEE portuguesa.
Prontidão. Uma das
potencialidades dos submarinos reside na sua imediata disponibilidade
para responder a contingências. Esta característica assume contornos
relevantes uma vez que o tempo é um dos factores de decisão mais
importantes na formulação e na operacionalização das modalidade de
acção. No actual quadro securitário, a complexidade da conflitualidade
favorece a rápida transição de cenários de baixa intensidade para
situações de crise e de combate, o que impõe aos meios navais a
capacidade de progressão célere para uma postura mais combativa. Os
submarinos, por serem um sistema de armas compacto e muito integrado,
com períodos de aprontamento relativamente baixos quando comparados com
outras unidades navais, e por responderem rapidamente a qualquer crise
sem terem de esperar pela preparação do teatro de operações, pela
logística ou pela protecção de força, garantem uma elevada prontidão na
resposta às diferentes ameaças.
Tendo em consideração as características já referenciadas e os
recursos operacionais e tecnológicos que hoje equipam os submarinos,
torna-se lícito deduzir que estas plataformas são proficientes num
conjunto específico de missões.
Uma das missões que o submarino conduz com perfeita mestria é a
recolha efectiva de informações, contribuindo decisivamente para as
operações de intelligence. Capacitados para monitorizar áreas de diversa natureza [5] e recolher informações, essencialmente através de fontes Signal Intelligence (SIGINT), que inclui Communication Intelligence (COMINT), Electronic Intelligence (ELINT) e Imagery Intelligence (IMINT), os submarinos são indubitavelmente valiosos porque suportam as funções chave da intelligence
[6], contribuindo decisivamente para desenvolver elementos essenciais à
condução das operações, nomeadamente no que se refere à disponibilidade
de força, à logística, à sobrevivência e à protecção de força.
O submarino é igualmente capaz de projectar poder que permita
influenciar os eventos em terra. Com efeito, as operações de infiltração
e de recolha furtiva de forças especiais nos litorais podem ser
executadas pelo submarino com um grau de sucesso dificilmente igualável
por qualquer outro meio. A projecção de poder em terra também se pode
materializar através do emprego de mísseis de cruzeiro, ou outros,
lançados a partir da plataforma móvel e dificilmente detectável que é um
submarino em imersão. Esta aptidão, conjugada com a de outras unidades
equipadas igualmente com esse tipo de armas, confere ao comandante de
uma força conjunta e combinada uma capacidade de projecção de poder
esmagadora contra os alvos terrestres inimigos.
Por outro lado, as operações em terra a partir do litoral requerem
habitualmente uma acção conjugada de exploração e de controlo do mar.
Neste âmbito, os submarinos podem conduzir operações anti-superfície com
um nível muito baixo de risco próprio. Não menos relevante é a
circunstância dos submarinos também possuírem capacidade para conduzir
guerra de minas, ofensiva e defensiva, e para preparar a área de
operações através da localização e mapeamento das áreas minadas,
contribuindo deste modo para as operações de “shaping” e a inserção das “follow-on-forces”.
Paralelamente, no que se refere à negação do uso do mar, o submarino
executa igualmente um conjunto de missões importantes orientadas tanto
para o nível estratégico, como para o nível operacional. Por exemplo, os
submarinos podem impor bloqueios e afectar a liberdade de circulação
nas linhas de comunicações marítimas, com inevitável impacto nas
economias dos países adversários. Ao nível operacional, a negação do uso
do mar pode ser exercida como parte da defesa avançada de uma força ou
de uma área.
Percepcionadas as características e as capacidades dos submarinos,
torna-se possível determinar os princípios de optimização do seu
emprego, em quatro domínios distintos: operações autónomas, “shaping” do teatro de operações, operações no litoral e exploração da surpresa [7].
Operações autónomas. Não
obstante a interoperabilidade crescente entre os submarinos e as forças
conjuntas e combinadas, em grande parte devido ao desenvolvimento de
tecnologia e de doutrina comum, os submarinos continuam a ser ideais
para missões que requeiram uma actuação isolada e autónoma. Conjugando a
sua discrição, mobilidade e autonomia, o submarino possui uma grande
capacidade de sobrevivência em ambiente hostil, o que lhe permite
capacidade de dissuasão e de interdição do espaço do adversário,
correndo menores riscos que outras forças menos habilitadas para o
efeito.
Operações de “Shaping”.
Considerando as vantagens de pré-posicionamento, de sobrevivência e de
flexibilidade do submarino, o comandante apoiado pode conduzir operações
de recolha de informações, ataques contra terra, guerra de minas, luta
anti-superfície, bloqueios a portos, de modo a moldar o campo de batalha
e potenciar a subsequente condução das operações. Após a chegada das “follow-on-forces”
à área de operações, o submarino pode ser empregue numa outra área que
requeira preparação do espaço de batalha ou ser empregue na protecção da
força apoiada.
Operações no litoral. As
forças conjuntas e combinadas que operam num litoral hostil deparam-se
na actualidade com uma complexidade de ameaças que podem abranger, entre
outras, submarinos inimigos, minas, mísseis guiados de elevada precisão
provenientes de terra, do ar e do mar, bem como ameaças menos
convencionais, por exemplo, lanchas e pequenos aviões controlados por
terroristas. No planeamento operacional e na avaliação do risco, o
comandante da força apoiada tem a possibilidade de explorar as
diferentes características do submarino, articulando-as com os
requisitos funcionais das forças conjuntas e combinadas, nomeadamente no
âmbito da protecção de força, intelligence e joint targeting.
Exploração da surpresa. O
último princípio optimizado de emprego do submarino é o da exploração da
surpresa. A sua aplicação assenta no factor tempo, impedindo a
antecipação objectiva e concreta de uma acção em curso, criando por esta
via uma situação para a qual o adversário não está em condições de
reagir eficazmente. Para a concretização da surpresa por parte do
submarino contribuem, entre outros factores, a sua discrição, a
aplicação de um potencial de combate inesperado e uma informação e
contra-informação eficientes.
Conclusões
O conjunto dos contributos com que os submarinos podem concorrer para
as diferentes funções das forças conjuntas e combinadas, abrangendo
áreas tão diversas como a Intelligence, a Manobra e Fogo, o Joint Targeting
e a Protecção de Força, decorrem, na sua essência, de uma adequada
articulação entre as características singulares, as capacidades
fundamentais e os princípios de emprego dos submarinos.
Note-se que estes contributos são também hoje sobejamente aplicáveis
para além do domínio das operações militares, nomeadamente, no plano do
exercício da autoridade do Estado nas águas sob sua responsabilidade
jurisdicional, sendo cada vez mais reconhecida a flexibilidade de
resposta e a eficácia do submarino em acções de cooperação inter-agência
no âmbito da segurança e defesa.
O papel do submarino ao longo da sua existência, tal como transparece
da história militar e naval, revela claramente que este meio constitui
uma variável incontornável na edificação das análises prospectivas sobre
as operações militares e, mais importante, na afirmação soberana dos
Estados. Obviamente, não é alheia a esta questão a formulação do
planeamento de defesa e de forças, matéria bem complexa, por contribuir
para as aspirações fundamentais dos Estados, como tal, sujeita ao rigor
metodológico e científico que permite mitigar, tanto quanto possível, as
vitórias do imprevisto.
A formulação estratégica de defesa e de forças deverá considerar na
sua equação, entre outros factores, o ambiente estratégico e as soluções
possíveis e adequadas, em termos de meios, conceitos e objectivos,
necessárias para a consecução da visão política. O submarino, na
qualidade de meio operacional, proporciona neste contexto um conjunto de
capacidades que podem contribuir coerentemente para o planeamento de
defesa e de forças em apoio das funções estratégicas, orientadas para a
manutenção dos fins teleológicos do Estado e consequentemente, para o
estado final desejado por qualquer potência com cultura
estratégica-operacional.
Os submarinos, longe de serem o único meio para o sucesso das
operações conjuntas e combinadas, constituem-se, todavia, como uma arma
poderosa e essencial, dotada de características e capacidades
singulares, que proporcionam múltiplas opções ao comando apoiado em
termos das funções e das capacidades das forças conjuntas e combinadas e
consequentemente na execução da arte operacional.