CAP-TEN MANUEL INACIO GODINHO NOVAIS LEITE
Oh Manel , então tu vais assim embora, num repente de
pressa, sem te despedires , nem dizeres nada a ninguém?
Precisamente agora
quando se aproxima a resolução, e parece que positiva, do teu último
combate, o processo referente á revisão da tua carreira naval e o seu abrupto
termo por razões interferentes com a situação política de então, e que te
promoveria ao posto a que consideravas, e bem, a que terias direito. Tu foste
um dos Homens de primeira linha nesse combate, com idas ao Parlamento, ao
Ministro, aos Doutores de direito e até aos Juízes e a tua luta ía, ao fim de
não sei quantos anos de impasses , finalmente ser ganha.
Oh, Manel devias ter esperado pela honra, pela justiça, pela
victória.
Entramos no Colégio, este Colégio Militar que já não é bem o
nosso ,no mesmo ano , tu já com 10 anos feitos e eu ainda com imberbes 9 ,
ambos nascidos na Invicta cidade do Porto, ambos com a família longe , ambos
com um irmão mais velho, e protector, ainda no colégio .Ficamos na mesma turma
e lá fomos navegando por esse rio fora , ano após ano conseguindo, sem reprovar
, chegar á foz, ao nosso 7º ano, ao nosso início de vida própria. Aí ainda me
lembro que te escrevi os versos , brejeirotes, para o nosso livro de curso e ,
com o Zé Subtil ,
o João Freire ,
o Paulo, o Barbosa , o Costa e Sousa começamos a
imaginar o mar, a sua liberdade, a sua audácia e a ver os cadetes da Escola
naval a perfilarem a sua linda farda na baixa de lisboa e no nosso baile de
finalistas.Decidimos então que navegaríamos para sul, o Alfeite e daí
construiríamos a nossa nau e nel , desfraldadas as velas da audácia
começaríamos a vida.
Por sortes do destino, ou malandrices de Mestres ou, o mais
natural, percalços meus , não te pude acompanhar nesse ano e vestir a farda
azul do nosso sonho, mas lá te vi ingressar na Escola naval e acompanhei essa
tua vida de perto , até á promoção a guarda-marinha .Aí soube, com alguma
estupefação que seguiste logo para Vale de Zebro a tirar o curso de Fuzileiro
Especial e mal adivinhava eu, que 2 anos depois me sucedia o mesmo e te
apanhava como Instrutor. E de Educação física, imagina tu, em que nos obrigavas
a fazer crosses , logo ás 7 da manhã , em jejum e abstinência, estradas de
coina acima e abaixo.
Logo de seguida partiste para Angola, numa Companhia de Fuzileiros
e, imagina lá tu outra vez, que te segui, um ano depois , num Destacamento de
Fuzileiros Especiais, tu no norte e eu a leste.
Regressado mandaram-te para aquela escola única, e
infelizmente desfeita e enterrada sem hipótese de ressurreição, dos" navios
de madeira com Homens de ferro", os Draga -minas onde navegaste no Ribeira
grande(o navio escola do nosso curso naval) e o S.Roque, o navio suporte dos
mergulhadores. Quando eu cheguei lá .já te não encontrei e perdi-te o rasto.
Regressado ao Ultramar, e desta vez à Guiné, tiveste a honra
de comandar a LDG, a grande lancha de desembarque. Montante, que
tão empolgante , destemido, imprescindível e perigoso empenho teve na guerra de
então.
Vindo desses 2 cansados e desgastantes anos, ainda sulcaste
os mares nas Fragatas operacionais "americanas", embrenhaste-te na
luta política do post revolução defendendo as tuas próprias ideias e guardando
os valores que consideravas dever guardar, e apareceste de novo nos Fuzileiros.
Desturvadas as águas em 1976 partiste calmamente para Macau
onde, em 4 anos de canícula sadia, te conservaste como Comandante dos serviços
de marinha e, nas doces tardes de nirvana foste lembrando o teu passado e pensando o teu futuro.
Acabado o banho de sol nascente entendeste sair da Armada
ou, como frequentemente me disseste depois , não te quiseram lá mais e tiveste
assim de enfrentar o desconhecido da vida fora do colete militar, a sociedade
civil.Conheceste bem empresas privadas, incluindo terminais portuários e , uns
bons anitos depois , resolves, passando por uma formação em Londres, dedicar os
teus conhecimentos e a tua argúcia ao seguro marítimo de carga (aliás uma
invenção portuguesa), o que te permitiu uma agitada vida de ausências e viagens
e algumas preocupações.
Reformado da Marinha desde 1991, seguias a tua nova rota,
por vezes com mar um pouco agitado e alguma nebulosidade.
Por fim chegou a bonança, ou alguma bonança, nomeadamente
com a recuperação de parte de bens de tua família numerosa e conhecida na
Estremadura lusitana que, ignobilmente, haviam sido arrebatados pelo Estado
meio louco de então, e , no repensar da sonolenta esperança do fim da
actividade, esperavas que te dessem a promoção devida, aprovada , aliás, pela
comissão competente, mas desaprovada por um ignaro ministro.
Já no fim , quase , da luta assististe à partida de tua
Mulher, companheira desde os velhos tempos de Angola , Mãe de teus Filhos e Avó
de teus netos, que tanto acompanhavas.
Estivemos juntos , outra vez , nesse momento difícil, e tu,
como nos tempos do Colégio, não tiveste vergonha de chorar.
Quando te fui ver, Manel , agora e pela última vez, na
capela de São Roque, também eu chorei.
Um abraço grande e até sempre
1 comentário:
Uma bela e justa homenagem ao Manuel Novais, meu grande companheiro nas andanças fluviais da Guiné entre 1971 e 1973.
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