Já era tempo de a maioria dos media, sobretudo os do serviço público,
perceberem que os militares que falam nos media não representam "os militares"
nem "as Forças Armadas" (FA): só se representam a si próprios ou às associações
de que são membros. Quem fala pelas FA são os chefes de Estado-Maior (CEM) em
funções e o ministro da Defesa. Os demais têm opiniões legítimas, que podem
exprimir nos termos da lei num exercício de cidadania - mas não vinculam nem
representam aqueles organismos da administração pública. Assumo a hipótese
saudável que as administrações dos ramos não têm um discurso para os governos,
aos quais estão subordinadas; e outro para o espaço público, veiculado por
oficiais na reserva ou na reforma.
Uma observação atenta permite perceber que há uma maioria silenciosa de
militares de todas as categorias que não se revê nas pressões que alguns
militares têm feito na rua e nos media. Apesar da corrente que repete e repete
que os militares perdem benefícios porque não têm sindicatos, aqueles intuem que
estas condutas são difíceis de conciliar com as restrições constitucionais aos
direitos e liberdades dos militares; não procuram representação sindical ou
afim, mas esperam que os CEM os representem nos termos da lei (dever de tutela).
Conhecem as culturas internas, vivas nos corredores e no modo como são tratados
aqueles que as põem em causa; o "caminho das pedras" passa por relativizar o
conhecimento da, e o respeito pela, lei (onde ficam os deveres de lealdade e de
zelo?) e não pôr em causa a diabolização de "os políticos" (tantos chamam
"in"/inimigo à tutela). A que acresce o espanto com as diferenças entre as
expressões públicas, e o discurso interno, nas costas dos visados, depreciativo
de "os políticos", tantas vezes relativo às pessoas que decidem as respetivas
carreiras. Tem de espantar que quem tanto critica "os políticos" deseje ascender
ao, ou progredir no, estrelato, nível orgânico que todos sabem ser
político-militar; mas são raríssimos os que têm um discurso crítico dos
políticos e recusam vir a ser oficiais-generais. Por isso, muitos se interrogam
sobre as causas do silêncio público e formal de alguns ex-CEM, quando estavam em
funções, e se tornaram tão críticos de "os políticos" depois de deixarem os
cargos (com recondução). Como é que vários ex-CEM aceitavam as restrições de
recursos quando estavam em funções e agora acham-nas inaceitáveis? Ou já eram
inaceitáveis antes, mas estavam "agarrados" aos cargos, quiçá tentando manter
"portas abertas" para outros, a seguir? E onde ficaram os deveres de lealdade e
responsabilidade?
Esta maioria silenciosa de militares compreende que algum carreirismo é
saudável numa organização muito hierarquizada e regulada. Mas valoriza o
profissionalismo: "fazer bem feito", consistência, frontalidade, decisões
fundamentadas na lei e bem explicadas. Como muitos dos seus concidadãos,
desgostam da imagem que têm de "os políticos", tal como ela lhes chega pelos
media e pelas culturas internas. Mas muitos também encontram internamente jogos
de poder ou condutas enviesadas, que criticam e ouvem internamente criticar a
outros grupos.
Em vez da conduta de pressão adotada por alguns militares nos media, o bom
senso recomenda, sobretudo a oficiais-generais, que afirmem sem ambiguidades nem
"mas" que os militares se dedicam integral e permanentemente ao serviço, e à
realização das reformas decididas pelo poder político legítimo - pois é essa a
atitude que, como deve ser e nos termos da lei, devem aos
cidadãos-contribuintes, e exigem e esperam dos seus subordinados.
J.Silva Paulo
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