Curso de 1947-1954
Apresentação do Curso no 60º
Aniversário da Saída do Colégio
Ex.mo
Senhor Director
Por decisão da comissão
organizadora e de acordo com o princípio de rotatividade que tem vindo a ser
seguido no nosso Curso, cabe-me hoje a honra de, em nome de todos nós,
cumprimentar V.Ex.ª nesta ocasião em que comemoramos o 60º aniversário da nossa
saída do Colégio.
Assim, começo por agradecer ao
Senhor Director a oportunidade que nos proporciona de regressar, por um dia, em
nova romagem de gratidão e saudade, à querida Alma Mater que nos acolheu em criança, nos educou, soube formar e
tão bem nos preparou para a vida, como cidadãos responsáveis ao serviço da
comunidade de afectos, tradições e memórias que é a nação portuguesa.
O nosso 7º ano de 1953-1954
incluía o total considerável de cinquenta elementos, os quais subsequentemente
enveredaram pela carreira das armas e pela vida civil na exacta proporção de
metade para cada uma, num curioso e pouco vulgar equilíbrio de opções
profissionais.
Perante si, Senhor Director,
estão muitos desses 50 finalistas, que se tornaram professores universitários,
engenheiros, médicos, economistas, comandante da marinha mercante, empresários,
gestores públicos, além de almirantes e generais do Exército e da Força Aérea,
bem como oficiais superiores dos três ramos das Forças Armadas, tendo ainda
pertencido ao curso um advogado e um farmacêutico, entretanto falecidos. Este
eclectismo é mais uma prova incontroversa da sólida educação integral que nos
foi ministrada no Colégio, e que sempre recordamos com orgulho e emoção cada
vez que, como agora, aqui voltamos.
E isto porque o nosso curso,
Senhor Director, é “muito beato” em
relação ao Colégio, como disse com fino humor aquela figura inesquecível e tão
grata aos nossos corações que é o antigo e saudoso capelão colegial Pe. Braula
Reis, ao verificar que promovíamos repetidamente romagens desta natureza. De
facto lá está a atestá-lo, nos claustros, a placa comemorativa do 25º
aniversário de saída (19.5.1979), sobreposta a outra mais abrangente onde se
deixam gravadas, para a posteridade, as datas das nossas treze
sucessivas comemorações, quer de entrada como “ratas” (40, 45, 50, 55 , 60 e 65
anos) quer de saída como finalistas (30,
35, 40, 45, 50, e 55 anos), até precisamente o dia de hoje. E lá está também
reservado o espaço para a devida gravação das comemorações vindouras, a mais
próxima das quais a ocorrer, se Deus quiser, em 2017.
Temos, pois, uma evidente,
profunda, muito significativa e continuada ligação sentimental à Casa onde
crescemos e aprendemos a ser homens. A somar à saudade dos verdes tempos de
criança e de juventude, das nossas lides estudantis, dos despiques atléticos e
desportivos, dos anseios, partidas, reinações e devaneios da tenra idade, das
euforias e entusiasmos partilhados em comum, a par dos contratempos,
dificuldades e carências que tivemos de vencer individual e colectivamente,
junta-se o reconhecimento de quão valiosas foram para nós a qualidade do ensino
escolar recebido e as bases formativas de honra, pundonor, disciplina,
lealdade, frontalidade e camaradagem que o Colégio nos inculcou logo de início
e que a vivência exclusiva do internato veio a tornar crescentemente mais
arreigadas dentro de nós. Vir ao Colégio é um verdadeiro regresso às origens,
que nos retempera a alma e nos dá força acrescida para suportar os desenganos e
as ilusões perdidas e trilhar os caminhos que ainda nos resta percorrer.
Nestas seis décadas volvidas
sobre o adeus à farda cor de pinhão, o Curso regista, infelizmente, já vinte e
quatro camaradas falecidos, o primeiro dos quais logo em 1958 (aspirante
miliciano vítima duma explosão de granada quando dava instrução a recrutas). Em
seguida, como parte integrante da geração da «Guerra do Ultramar», sofreu dois mortos em campanha. É, aliás,
muito em memória de todos estes nossos mortos que hoje aqui estamos, de novo,
comovidamente a recordá-los, interiorizando com sentido e mudo respeito o seu
supremo sacrifício.
Durante a guerra, como oficiais
dos quadros permanentes e dos quadros de complemento, estivemos envolvidos nas
campanhas de Angola, Guiné e Moçambique ao serviço e em defesa da Pátria;
cumprimos o nosso dever com galhardia e vontade, suportando as privações, as
angústias e as incertezas do combate, vencendo desânimos e liderando os nossos
homens; e demos tempo bastante para que fosse possível uma solução não militar
do problema da guerra nas três frentes africanas.
Com a Revolução do 25 de Abril
e o advento do Estado de Direito democrático, surgiram algumas divergências e
clivagens ideológicas no seio do nosso Curso. Todavia, os laços de amizade
viril estreitados ao longo de tantos anos de convívio colegial foram mais
fortes do que eventuais pulsões centrífugas e por isso o clima de união
fraterna cedo voltou, e continua, a reinar frutuosamente entre nós.
Senhor
Director
O Curso de finalistas de
1953-1954 tem consciência clara da complexidade e delicadeza da missão que está
cometida a V.Ex.ª, nestes dias tumultuosos por que passa desde há cerca de dois
anos o Colégio Militar.
Além disso, os oficiais
generais e os oficiais superiores de Terra, Mar e Ar que como eu integram o
nosso curso conhecem perfeitamente os ditames do dever do cumprimento cabal das
missões que o poder político e a hierarquia castrense atribuem aos diversos
escalões de comando.
Daqui decorre que não deve nem
pode de forma alguma entender-se estar V. Ex.ª a ser posto em causa, quer no
espírito, quer no teor, das considerações que irei tecer de seguida em
representação do nosso curso.
No universo dos “Meninos da
Luz” nós, os do 7º ano de 1953-1954, estamos na linha da frente da “Velha
Guarda” colegial. A lei da vida não faz pressupor a possibilidade de haver
cursos a comemorar mais do que o 80º aniversário de saída do Colégio.
Ao longo da nossa já tão
dilatada vida, e com percursos profissionais tão diversos, adquirimos em
conjunto uma vasta experiência das coisas e do mundo, que nos permitem desaconselhar
e não aprovar tomadas de decisões precipitadas, mal fundamentadas, impostas
apressadamente, ao arrepio do diálogo e sem ponderação de argumentos válidos de
sentido contrário, no exercício de um poder de perfil autoritário e arrogante.
Acontece que o Colégio Militar
está sofrer os efeitos nefastos de uma decisão desta estirpe, tomada por uma
tutela política desacreditada e incompetente, que irá por certo descaracterizar
e conduzir à ulterior perda total de identidade da obra concebida pela visão sublime
do nosso Fundador, Marechal Teixeira Rebelo e iniciada há mais de dois séculos.
Nesta era de globalização
infrene, em que se atenuam as diferenças entre países, povos e localidades e se
vão replicando cada vez mais estilos de vida semelhantes em sociedades
dispersas pelas mais diversas latitudes, vai-se já notando um sentimento de
fadiga civilizacional, um desencanto e uma rejeição por parte das pessoas
expostas aos efeitos de uma normalização que torna os seus aglomerados urbanos
meras cópias uns dos outros. E cada vez mais se procura aquilo que é único,
aquilo que faz a diferença e dá valor acrescentado a um projecto, a um produto,
a um empreendimento ou a um desígnio.
Ora o
Colégio Militar, o nosso Colégio, é único no panorama educacional
portuguêsÉ ter mantido desde a Fundação a sua matriz estruturante, o seu modelo
de internato masculino (com pontuais admissões de alunos externos). Portugal
conhece e admira a Casa que deu origem a tantas figuras gradas da nossa
História, em tão diversificados campos, tcomo das artes, das ciências, das
tecnologias, do desporto, do direito, da economia, do ensino e, claro está, da
arte e ciências militares.
A reforma ou reconfiguração que
teimosamente se pretende impor ao Colégio é negativa por uma série de razões:
·
Não decorre de qualquer imposição externa a
Portugal nem de um compromisso vinculativo inscrito no programa eleitoral de
algum partido com assento parlamentar;
· Foi
delineada e mantida sem atender à generalizada oposição
das associações de antigos alunos e de pais, quer do Colégio, quer do Instituto
de Odivelas (IO);
· É incoerente e contraditória pois afirma visar uma racionalização
e redução de custos de funcionamento e ao mesmo tempo autoriza o dispêndio de mais
de 2 milhões de euros para a futura construção de um edifício de internato
feminino, existindo já uma alternativa perfeitamente disponível e funcional no
IO;
· Baseia-se, por fim, numa falsa questão da igualdade de género.
A questão da igualdade de género só se põe
quando se trata de adultos já feitos e imputáveis (caso dos militares femininos
das Forças Armadas); e não é aplicável no caso de crianças e adolescentes em
pleno processo de crescimento e de formação, com interesses, inclinações e
ritmos de desenvolvimento físico e intelectual naturalmente diferenciados.
O regime misto irá fracassar,
por força da própria natureza humana: colocar rapazes e raparigas dentro do
mesmo perímetro de internato (mesmo que em edifícios separados), face aos
ímpetos assomosfantasias sexuais da puberdade, é uma receita para um desastre
anunciado; não vai haver meios humanos suficientes, nem disponibilidades
financeiras bastantes, para assegurar uma vigilância eficaz e permanente após
as horas normais de serviço. As hormonas terão sempre a última palavra; e
portanto a questão que se coloca não é “se”, mas sim “quando”. Ou será que a
Igreja Católica, na sua imensa sabedoria de mais de dois milénios, iria por
alguma razão decidir criar num perímetro único instalações para seminaristas e
para noviças?
Por outro lado, mesmo que haja
primeiras indicações favoráveis, a verdade é que ainda não decorreu tempo
suficiente para se poder concluir que a entrada de alunas para o batalhão
colegial é um caso de sucesso. É sempre preciso esperar pela validação de
resultados num espectro temporal credível; e se essa validação ocorrer – o que
confio e espero não suceda – será então apenas uma vitória de Pirro e um
problema adicional para quem a tutela o quiserdepois reencaminhar.
Tudo na vida é reversível,
excepto a morte. Num quadro de alternância democrática, um despacho ministerial
proveniente de uma certa origem partidária pode muito bem ser objecto de
anulação e de reversão de efeitos vindo de um qualquer outro quadrante
político. O nosso Curso, com a autoridade moral e simbólica da “Velha Guarda”,
espera, confia e tudo fará para que assim seja.
Já vai
longa esta intervenção e cumpre-me, pois, dar-lhe termo. Permita-me, no
entanto, Senhor Director, concluir com uma citação do antigoaluno nº 114/1884,
Dr. Júlio Dantas, extraída na sua obra Páginas
de Memórias”:
«Os
rapazes do Colégio Militar podiam não aprender a ter juízo, mas todos aprendiam
a não ter medo. Para a formação da nossa personalidade concorria, não só o que
nos ensinavam os mestres, mas o que nós ensinávamos uns aos outros: a lição do
aprumo, da dignidade, da obrigação, da solidariedade moral, da disciplina sem
subserviência, da cortesia sem bajulação. Por isso o Colégio da Luz… foi sempre
uma escola de “homens” que entravam na vida de cabeça levantada, servindo o
desinteresse, falando o desassombro e, quando era preciso, lutando com
intrepidez”.
Tenho dito
Luz,
9 de Maio de 2014
Luís
Joel Alves de Azevedo Pascoal
145/1948
1 comentário:
Zacatrás!
Enviar um comentário