Este comunicado, corajoso, em Setembro de 1974, provocou grandes sarilhos e quase desencadeou prisões na JC.
Conta José Ribeiro e Castro:
«O comunicado, embora saísse pelo CDS, foi feito inicialmente pela Comissão Política da JC, de que eu era Presidente. O texto condenava o saneamento arbitrário de 101 oficiais da Armada.
Freitas do Amaral, presidente do CDS, apoiou a tomada de posição, mas acho...u arriscado que o comunicado saísse pela JC e quis colocar o partido, directamente, no assunto. É por isso que o comunicado foi assumido e publicado pelo CDS.
Mal o comunicado sai na imprensa, começam a chover pressões e ameaças sobre o Largo do Caldas, vindos dos sectores militares mais radicais à esquerda. Houve, nomeadamente, telefonemas da Comissão Coordenadora do MFA, vociferando que "tem que haver prisão dos autores deste ataque à revolução".
Ao fim de algumas horas de negociações, para trás e para diante, entre as furiosas autoridades político-militares, o CDS e a JC, a direcção do partido acabou por aceitar revelar que o comunicado tinha sido inicialmente da JC e que, assim, uns dirigentes da JC iriam ser interrogados pela Marinha "para mostrarem a nossa boa fé". Eu fui dos que sugeri isso a Freitas do Amaral: “Eles estão furibundos, porque acertámos no alvo. Agora é dizer-lhes que isto foi obra de rapaziada.” E a direcção da JC estava de acordo: queríamos dar a cara. Era o nosso baptismo de fogo.
Na JC, estávamos satisfeitíssimos: o comunicado tinha acertado no alvo e os revolucionários esquerdistas reagiam como se tivéssemos tocado num ninho de vespas. Agora, havia que dar-lhes a volta.
Como tinha sido eu o autor material do comunicado, ofereci-me a Freitas do Amaral para ir eu ao interrogatório no Estado-Maior da Armada. Mas Freitas não quis. Queria-me proteger, alegando que o meu irmão era oficial de Marinha e o meu tio também era militar (Tenente-Coronel): "a Marinha ainda acha que o Zé soube dos saneamentos por eles e isso pode ser mau para si e para eles."
Acabaram por voluntariar-se para o interrogatório político-militar o Caetano da Cunha Reis e o Tó Vasques, também fundadores e dirigentes da JC, acompanhados pelo advogado Dr. José Afonso Gil, fundador do CDS. Eu mantive a opinião de que a coisa não iria funcionar: "O Caetano e o Tó Vasques não sabem como as coisas se passaram, pelo que não vão conseguir dar a volta aos revolucionários da Marinha. Agradeço a coragem e disponibilidade deles, mas não vai servir para nada. Eu é que deveria ir."
Assim foi. Feito o primeiro interrogatório, em moldes bastante intimidatórios ao que nos foi relatado, a Marinha ficou ainda mais furiosa, achando que estávamos a procurar entretê-los e ludibriá-los. Não aconteceu nada ao Caetano e ao Tó Vasques, mas era claro que tínhamos que mudar de estratégia. É assim que o meu nome foi, finalmente, revelado e indicado. E foi marcado segundo interrogatório aos jovens do CDS, já comigo – haveria ainda um terceiro.
Esse interrogatório a que já vou ocorreu poucos dias antes do que viria a ser o “28 de Setembro”.
Foi no torreão do Terreiro do Paço onde hoje é o Ministério da Defesa Nacional e, antes do 25 de Abril, tinha sido o Ministério da Marinha. O interrogador-chefe era um Comandante Vilhena de Mendonça, se a memória me não trai. O interrogatório foi duro e intimidatório, mas correu bem para o nosso lado: "dei-lhes a volta!"
Disse o que quis dizer e não disse o que não queria dizer, mas sem afrontamentos, provocações ou escapatórias. Segundo o Dr. José Afonso Gil, a coisa tinha corrido muito bem e "eles ficaram sem caso".
Mas o Comandante marcou ainda um novo interrogatório comigo para o dia 4 de Outubro.
Entretanto, aconteceu o “28 de Setembro”, que não adivinhava. Começara o PREC. Caiu Spínola. As coisas radicalizaram-se muito. E, nesse mesmo 4 de Outubro, tinha combinado que iria levar de carro o meu pai ao exílio, por causa do “28 de Setembro”. A minha mãe morrera em Julho. E começaram as prisões arbitrárias com o “28 de Setembro”. Corriam as notícias e as listas mais variadas de gente a prender. À cautela, íamos pôr o meu pai a recato em Badajoz. E iria eu a guiar o Fiat 600 que tinha sido de minha mãe.
Nessa manhã, 4 de Outubro, saí para o Estado-Maior da Armada sem saber muito bem se iria voltar ou não. Avisei a minha namorada e uns amigos - o meu pai não sabia -, a fim de levarem o meu pai para Espanha, se eu não estivesse de volta a casa pela hora de almoço.
Não foi preciso. Correu bem. Lá estava o Comandante Vilhena de Mendonça, duro e mal-encarado, mas calmo. O Dr. Afonso Gil tinha razão: "eles tinham ficado sem caso." Em menos de uma hora, estava cá fora outra vez.
Voltei para casa, peguei no meu pai e seguimos para Badajoz. À noite, jantámos na de España, em frente da Catedral, na esplanada, salvo erro, do “Colon”, que já não existe. Tínhamos ficado num hotel manhoso ali ao pé.
Fiquei aí um mês, pois o meu pai não me queria deixar voltar por razões de segurança – e também não o ia deixar sozinho. Lá arranjámos as coisas com uns primos e outros amigos e acabei por ter autorização de regresso.
Voltei a Lisboa exactamente um mês depois, a 4 de Novembro de 1974. Quando estava a entrar, ali na Rotunda do Relógio, ao princípio da noite, ouvi pela rádio do Fiat 600 (o RCP - Emissora da Liberdade), o relato em directo dos ataques da extrema-esquerda contra o Comício da JC, no S. Luiz, e do assalto à sede nacional do CDS no Largo do Caldas, nessa noite.
Ainda lá fui espreitar, mas a Rua da Madalena estava cortada pela PSP. Pela rua abaixo, via-se o magnífico parque de máquinas tipográficas do CDS, todas escavadas, assim como papéis e outros destroços do assalto. E a sede estava deserta.
No dia seguinte, 5 de Novembro, voltei ao activo. Era o PREC que tinha começado.»
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