Associação dos Antigos Alunos do Colégio Militar
A tradição tem muita
força. A campanha da Associação dos Antigos Alunos do Colégio Militar contra a
fusão dos três estabelecimentos militares de ensino mostrou a sociedade civil
reagindo contra uma decisão do poder político. A novidade — fora da tradição
portuguesa — é tê-lo feito com o poderoso auxílio de uma campanha publicitária
televisiva.
Em Julho, o Ministério da
Defesa fez um anúncio promovendo o ensino nos estabelecimentos militares que já
apresentava como facto consumado — pois a publicidade apresenta sempre factos
consumados — a fusão do Colégio Militar com o Instituto de Odivelas e o
Instituto dos Pupilos do Exército. Segundo o ministro da Defesa, a campanha
resultou num aumento das inscrições nos colégios. Pelo caminho, ficou uma
intervenção da sua secretária de Estado que mostrava ignorar a verdade
essencial dos colégios.
Um mês depois, os
intervalos publicitários televisivos começaram a passar um anúncio da
Associação dos Antigos Alunos do Colégio Militar, protagonizado por homens com
notoriedade pública que por lá passaram, como Adriano Moreira, Baião
Horta, generais Ga rcia Leandro e
Rocha Vieira. As palavras dos antigos alunos olhando para a câmara são muito
eficazes e apelam com orgulho para valores geralmente esquecidos no discurso
público: “Patriotismo, honra, coragem e solidariedade”, nas palavras de Ga rcia Leandro. O anúncio tem interesse sociológico,
pois revela que as tradições sobrevivem ao imperativo da sociedade moderna, que
é a contínua mudança. A tradição, pelo contrário, remete para o imperativo da
continuidade, pressupondo que a sobrevivência da sociedade se inscreve na
permanência das instituições, normas, crenças, ritos e maneiras de agir.
Há instituições e grupos
sociais que, pela sua natureza, fazem das tradições uma condição fundamental,
não só como valor ideológico e de diferenciação, mas também para a sua própria
vida institucional e sua permanência. É o caso das instituições religiosas,
militares, políticas (em especial as monárquicas), a que hoje se juntam
instituições desportivas e lúdicas em geral.
Uma parte da sociedade,
para quem as mudanças são valor absoluto, e portanto mais importantes do que as
continuidades, tem por vezes dificuldade em entender essas tradições que, no
caso concreto da vida militar, são fundamentais. Elas estão inculcadas nos
homens que frequentam e frequentaram o Colégio Militar, e consubstanciam-se na
própria instituição. O Ministério da Defesa não contava com a reacção forte,
militante — militar! — dos antigos alunos.
O Ministério pretende
sobrepor à tradição consubstanciada no nome Colégio Militar um valor moderno e
de mudança muito actual: as finanças. Afirma que a fusão dos três colégios
militares visa minorar o défice actual de 16 milhões de escolas em que cada
aluno custa o triplo dos outros estudantes do ensino público. Os antigos alunos
no anúncio não referem este aspecto. Depois de defenderem o colégio, sua
antiguidade, tradições e valores, perguntam, um a um: “porquê?” Conhecem,
naturalmente, a resposta financeira, mas não a querem abordar. Para eles, a
tradição e a formação de uma elite concreta, a sua, sobrepõe-se ao valor de
mudança, explicado financeiramente pelo Ministério. Deste modo, a campanha
publicitária dos antigos alunos tem essa limitação: como qualquer publicidade,
como a anterior do Ministério, não discute, apenas apresenta o ponto de vista
dos anunciantes. Todavia, proporcionou agitação nos media e colocou o
Ministério da Defesa... à defesa. Foi um bom exemplo de acção da sociedade
civil. E, curiosamente, os antigos alunos do Colégio Militar, defensores das
suas tradições de 200 anos, romperam com o tabu do uso da publicidade pela
sociedade civil e usaram este meio moderno e em perpétua mudança para agitarem
a sociedade. Se a tradição tem muita
força, a inovação também. Os Antigos Alunos recorreram à inovação para
defenderem a tradição. eduardocintratorres
Nota:A publicar dia 12 Setembro em "Jornal de negocios"
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