domingo, 16 de março de 2014

PARA A HISTORIA

Sobre a intentona das Caldas

Ainda sobre 14 de Marco de 1974 desejo lembrar que trabalhavam alguns oficiais da Marinha no entäo Secretariado-Geral da Defesa Nacional e no gabinete do Ministro. Desde o inicio da crise motivada pelo célebre decreto de Sá Viana Rebelo, a maioria sempre me pareceu assobiar para o lado; mas dois, que respeitosamente recordo, foram sempre iguais a eles próprios: os entäo Comandantes Martinho Comprido, atento e empático e Nobre de Carvalho que sempre ultrapassou preocupacäo ou tristeza de momentos difíceis com exemplar camaradagem.

Ontem foi 15 de Marco. Nada aconteceu. Ía alta a noite (a de há 40 anos atrás, óbviamente) quando Almeida Bruno me telefonou. Com alerta e pressa...

Cuidadoso e desconfiado, conduzi pelas ruas silenciosas de Lisboa até próximo da casa do ex-CEMGFA. Sem demora a porta foi aberta e chegado à entrada do apartamento o General perguntou de chofre "entäo o que há". Quando o informei do alerta mostrou apreensäo e comentou "O Bruno anda irrequieto; mas näo é temerário...Se nos alertou é porque viu necessidade... Falei com o general Spinola há poucas horas estava calmo... ".

Já näo era ajudante-de-campo; mas näo demorei a satisfazer pedido para telefonar ao ex -chefe de gabinete, coronel Ramires de Oliveira, sugerindo que aparecesse. Entretanto a campainha tocou duas vezes, avisando entrada sucessiva do tenente-coronel Ferreira da Cunha e do major Batalha.
Ramires de Oliveira ,demorado na conducäo desde a Linha, quando entrou näo escondia ânsia para dizer que o prédio estava guardado.

Quando fui encarregado de "reconhecer o terreno", desarmei e saí. Caminhei em direccäo ao carro estacionado a umas centenas de metros no qual entrei simulando procurar qualquer coisa e regressei a casa do general com escolta de gente sinistra. A situacäo näo se apresentava brilhante e peor se mostrou quando me apercebi que no interior do edifício também já havia curiosos.

Os nossos forcados anfitriöes, atentos aos efeitos do tempo e das emocöes, näo hesitaram em oferecer ceia que foi animada por troca de impressöes sobre os acontecimentos dos ultimos dias e interrompida por telefonema do comandante Coutinho Lanhoso, adjunto militar de Marcelo Caetano. Conversou durante breves minutos com Ferreira da Cunha que a seguir nos informou que o Presidente do Conselho tinha sido alertado de movimentos de uma coluna militar a caminho de Lisboa. Fez-se luz.

Ecoam ainda as palavras do General dizendo "...o Presidente do Conselho näo deve esperar comentários meus sobre coisas que desconheco ... Näo quiz ouvir-nos em tempo oportuno ....Agora é tarde ..." Dirigindo-se aos presentes disse que quem estivesse comprometido com o movimento das tropas teria que saír sem demora. Como ninguém se acusou convidou-nos a permanecer até haver luz do dia e que eu o acordasse antes de saírmos. Nas horas que se seguiram o ambiente serenou e houve quem dormitasse.

O cerco ao prédio 131 da Avenida dos E.U.A. foi levantado cerca das 0700. Posteriormente vim a saber que durante a madrugada tinham sido dadas instrucöes para "neutralizar/eliminar" os dois generais. Reflectindo, julgo que tal näo aconteceu devido a conjugacäo de influências de três sócios-gerentes (Ferreira da Cunha, Coutinho Lanhoso e Batalha) de uma pequena firma de restauracäo de móveis e de simpatias que quadros superiores da DGS tinham por posicöes político-militares de Costa Gomes, nomeadamente a de näo continuar uma guerra sem adequado esforco diplomático, com tropas desgastadas na frente e retaguarda desmoralizada...


Serafim Silveira Pinheiro

Oficial superior da Armada

Ex- Ajudante de campo do CEMGFA 

Voltou depois do 25 de Abril a ser Assessor militar do PR

1 comentário:

Anónimo disse...

Uma vez mais magnífico. Obrigado

Alexandre