Ainda sobre 14 de Marco de
1974 desejo lembrar que trabalhavam alguns oficiais da Marinha no entäo
Secretariado-Geral da Defesa Nacional e no gabinete do Ministro. Desde o inicio
da crise motivada pelo célebre decreto de Sá Viana Rebelo, a maioria sempre me
pareceu assobiar para o lado; mas dois, que respeitosamente recordo, foram
sempre iguais a eles próprios: os entäo Comandantes Martinho Comprido, atento e
empático e Nobre de Carvalho que sempre ultrapassou preocupacäo ou tristeza de
momentos difíceis com exemplar camaradagem.
Ontem foi 15 de Marco. Nada aconteceu. Ía
alta a noite (a de há 40 anos atrás, óbviamente) quando Almeida Bruno me
telefonou. Com alerta e pressa...
Cuidadoso e desconfiado, conduzi pelas ruas
silenciosas de Lisboa até próximo da casa do ex-CEMGFA. Sem demora a porta foi
aberta e chegado à entrada do apartamento o General perguntou de chofre "entäo o
que há". Quando o informei do alerta mostrou apreensäo e comentou "O Bruno anda
irrequieto; mas näo é temerário...Se nos alertou é porque viu necessidade...
Falei com o general Spinola há poucas horas estava calmo... ".
Já näo era ajudante-de-campo; mas näo demorei
a satisfazer pedido para telefonar ao ex -chefe de gabinete, coronel Ramires de
Oliveira, sugerindo que aparecesse. Entretanto a campainha tocou duas vezes,
avisando entrada sucessiva do tenente-coronel Ferreira da Cunha e do major
Batalha.
Ramires de Oliveira ,demorado na conducäo
desde a Linha, quando entrou näo escondia ânsia para dizer que o prédio estava
guardado.
Quando fui encarregado de "reconhecer o
terreno", desarmei e saí. Caminhei em direccäo ao carro estacionado a umas
centenas de metros no qual entrei simulando procurar qualquer coisa e regressei
a casa do general com escolta de gente sinistra. A situacäo näo se apresentava
brilhante e peor se mostrou quando me apercebi que no interior do edifício
também já havia curiosos.
Os nossos forcados anfitriöes, atentos aos
efeitos do tempo e das emocöes, näo hesitaram em oferecer ceia que foi animada
por troca de impressöes sobre os acontecimentos dos ultimos dias e interrompida
por telefonema do comandante Coutinho Lanhoso, adjunto militar de Marcelo
Caetano. Conversou durante breves minutos com Ferreira da Cunha que a seguir
nos informou que o Presidente do Conselho tinha sido alertado de movimentos
de uma coluna militar a caminho de Lisboa. Fez-se luz.
Ecoam ainda as palavras do General dizendo
"...o Presidente do Conselho näo deve esperar comentários meus sobre coisas que
desconheco ... Näo quiz ouvir-nos em tempo oportuno ....Agora é tarde ..."
Dirigindo-se aos presentes disse que quem estivesse comprometido com o
movimento das tropas teria que saír sem demora. Como ninguém se
acusou convidou-nos a permanecer até haver luz do dia e que eu o acordasse antes
de saírmos. Nas horas que se seguiram o ambiente serenou e houve quem
dormitasse.
O cerco ao prédio 131 da Avenida dos E.U.A.
foi levantado cerca das 0700. Posteriormente vim a saber que durante a madrugada
tinham sido dadas instrucöes para "neutralizar/eliminar" os dois generais.
Reflectindo, julgo que tal näo aconteceu devido a conjugacäo de influências de
três sócios-gerentes (Ferreira da Cunha, Coutinho Lanhoso e Batalha) de uma
pequena firma de restauracäo de móveis e de simpatias que quadros superiores da
DGS tinham por posicöes político-militares de Costa Gomes, nomeadamente a de näo
continuar uma guerra sem adequado esforco diplomático, com tropas desgastadas na
frente e retaguarda desmoralizada...
Serafim Silveira Pinheiro
Oficial superior da Armada
Ex- Ajudante de campo do CEMGFA
Voltou depois do 25 de Abril a ser Assessor militar do PR
1 comentário:
Uma vez mais magnífico. Obrigado
Alexandre
Enviar um comentário