quinta-feira, 8 de maio de 2014

HOMEM DE CULTURA






Carta de Vasco Graça Moura ao Ministro Francês da Cultura sobre os
tesouros e bens culturais do Iraque 

Por VASCO GRAÇA MOURA 

Domingo, 30 de Março de 2003 

Acabo de ter conhecimento do seu apelo, pedindo que os tesouros e os bens
culturais do Iraque, ameaçados no decorrer da ofensiva norte-americana e
inglesa, sejam devidamente preservados e restituídos àquele país, que deles
é proprietário legítimo. Tendo lido a carta que, a esse respeito, V. Exa.
endereçou a 24 de Março ao Sr. Director-Geral da UNESCO, só posso
regozijar-me pelo bem fundado das suas injunções e associo-me pois a uma
iniciativa que aplaudo cordialmente, não apenas na minha qualidade de
primeiro vice-presidente da Comissão Cultura, Educação, Juventude, Desporto
e Comunicação Social do Parlamento Europeu, mas ainda como cidadão e
escritor português.

Parece-me oportuno recordar-lhe neste ensejo que, na época da execrável
dominação militar de uma parte muito grande da Europa por Monsieur
Bonaparte, as tropas francesas, sob o comando do general Junot, a quando da
sua partida de Portugal em 1808, após a batalha de Vimeiro, levaram consigo
numerosas obras de arte e tesouros preciosos, em consequência de uma
pilhagem sem escrúpulo e sem freio.
Esses tesouros, que nunca foram devolvidos ao meu país, embora se trate de
peças muito importantes para o património cultural português, continuam a
fazer parte de colecções, museus e arquivos do Estado francês. Estou certo,
de resto, que o seu colega dos Negócios Estrangeiros, Monsieur de Villepin,
que, como historiador, é um ilustre especialista daquela época, poderá
dar-lhe abundantes elementos a tal respeito.
Parafraseio assim a sua carta ao Sr. Director-Geral da UNESCO para afirmar
que "os tesouros culturais de Portugal, em toda a sua diversidade e riqueza,
devem ser devolvidos aos Portugueses".

E tenha portanto a honra de convidá-lo, Senhor Ministro, a declarar que o
Governo francês está pronto a tratar dessa devolução. Sugiro que, pela via
diplomática, seja constituída uma comissão mista franco-portuguesa,
incumbida de estabelecer a lista desses roubos de guerra e de organizar a
sua rápida devolução pela França a Portugal. Hoje mesmo, transmito o
conteúdo desta carta ao Senhor Martins da Cruz, Ministro dos Negócios
Estrangeiros do Governo Português.

Além disso, permito-me sublinhar que tal decisão não deixaria de ter um
efeito muito importante junto das autoridades e instituições inglesas que,
como sabe, continuam a ignorar o pedido, inteiramente legítimo e de há muito
feito pela Grécia, no sentido de obter a restituição dos 253 mármores do
Parténon de que Lord Elgin se apoderou em 1802 e que mais tarde revendeu ao
Museu Britânico.

Outras restituições de tesouros pilhados por exércitos de outros países em
circunstâncias idênticas poderiam em seguida ter lugar, se a França tratasse
de dar o exemplo. É por isso que estou certo de que V. Exa. não deixará de
agir com grande rapidez, a fim de mostrar a outros povos, e nomeadamente à
opinião pública da União Europeia, que a França junta o acto à palavra, não
admitindo excepções culturais numa matéria em que estão em jogo a
preservação da diversidade cultural e o respeito de direitos culturais
fundamentais e imprescritíveis de qualquer país.

Tomarei a liberdade de dar conhecimento desta carta a todos os meus
colegas do Parlamento Europeu, ao Senhor Director-geral da UNESCO e à
imprensa portuguesa.
Peço-lhe creia, Senhor Ministro, na minha elevada consideração. 
Bruxelas, 26 de Março de 2003.


Vasco Graça Moura

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