Carta de Vasco Graça Moura ao Ministro Francês da Cultura sobre ostesouros e bens culturais do IraquePor VASCO GRAÇA MOURADomingo, 30 de Março de 2003Acabo de ter conhecimento do seu apelo, pedindo que os tesouros e os bensculturais do Iraque, ameaçados no decorrer da ofensiva norte-americana einglesa, sejam devidamente preservados e restituídos àquele país, que delesé proprietário legítimo. Tendo lido a carta que, a esse respeito, V. Exa.endereçou a 24 de Março ao Sr. Director-Geral da UNESCO, só possoregozijar-me pelo bem fundado das suas injunções e associo-me pois a umainiciativa que aplaudo cordialmente, não apenas na minha qualidade deprimeiro vice-presidente da Comissão Cultura, Educação, Juventude, Desportoe Comunicação Social do Parlamento Europeu, mas ainda como cidadão eescritor português.Parece-me oportuno recordar-lhe neste ensejo que, na época da execráveldominação militar de uma parte muito grande da Europa por MonsieurBonaparte, as tropas francesas, sob o comando do general Junot, a quando dasua partida de Portugal em 1808, após a batalha de Vimeiro, levaram consigonumerosas obras de arte e tesouros preciosos, em consequência de umapilhagem sem escrúpulo e sem freio.Esses tesouros, que nunca foram devolvidos ao meu país, embora se trate depeças muito importantes para o património cultural português, continuam afazer parte de colecções, museus e arquivos do Estado francês. Estou certo,de resto, que o seu colega dos Negócios Estrangeiros, Monsieur de Villepin,que, como historiador, é um ilustre especialista daquela época, poderádar-lhe abundantes elementos a tal respeito.Parafraseio assim a sua carta ao Sr. Director-Geral da UNESCO para afirmarque "os tesouros culturais de Portugal, em toda a sua diversidade e riqueza,devem ser devolvidos aos Portugueses".E tenha portanto a honra de convidá-lo, Senhor Ministro, a declarar que oGoverno francês está pronto a tratar dessa devolução. Sugiro que, pela viadiplomática, seja constituída uma comissão mista franco-portuguesa,incumbida de estabelecer a lista desses roubos de guerra e de organizar asua rápida devolução pela França a Portugal. Hoje mesmo, transmito oconteúdo desta carta ao Senhor Martins da Cruz, Ministro dos NegóciosEstrangeiros do Governo Português.Além disso, permito-me sublinhar que tal decisão não deixaria de ter umefeito muito importante junto das autoridades e instituições inglesas que,como sabe, continuam a ignorar o pedido, inteiramente legítimo e de há muitofeito pela Grécia, no sentido de obter a restituição dos 253 mármores doParténon de que Lord Elgin se apoderou em 1802 e que mais tarde revendeu aoMuseu Britânico.Outras restituições de tesouros pilhados por exércitos de outros países emcircunstâncias idênticas poderiam em seguida ter lugar, se a França tratassede dar o exemplo. É por isso que estou certo de que V. Exa. não deixará deagir com grande rapidez, a fim de mostrar a outros povos, e nomeadamente àopinião pública da União Europeia, que a França junta o acto à palavra, nãoadmitindo excepções culturais numa matéria em que estão em jogo apreservação da diversidade cultural e o respeito de direitos culturaisfundamentais e imprescritíveis de qualquer país.Tomarei a liberdade de dar conhecimento desta carta a todos os meuscolegas do Parlamento Europeu, ao Senhor Director-geral da UNESCO e àimprensa portuguesa.Peço-lhe creia, Senhor Ministro, na minha elevada consideração.Bruxelas, 26 de Março de 2003.
Vasco Graça Moura
quinta-feira, 8 de maio de 2014
HOMEM DE CULTURA
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