terça-feira, 22 de outubro de 2013

O CONTRADITORIO

Angolanas e angolanos
Minhas senhoras e meus senhores:
Dentro de três semanas vamos celebrar 38 anos de independência, numa altura em que caminhamos céleres para o fim do décimo segundo ano consecutivo de paz militar.
Volvidos todos estes anos, vemo-nos hoje, no exercício do direito democrático de oposição, a apresentar a nossa réplica política ao discurso sobre o estado da Nação proferido pelo Senhor Presidente da República na Assembleia Nacional, no início da semana passada.
O estado da Nação que o Presidente da República descreveu, não é, certamente, o estado desta nossa Angola. É o estado em que se encontra uma outra Angola, uma Angola virtual, imaginada nos gabinetes, longe da realidade, que não dialoga com as pessoas e não conhece, por isso, o seu sofrimento.
Se por um lado, o senhor Presidente da República omitiu factos relevantes como os persistentes e tão badalados problemas do abastecimento de água e da habitação e apresentou uma imagem distorcida da dimensão da pobreza e da natureza da corrupção, por outro lado, o senhor Presidente da República confirmou que ele próprio é o principal factor da instabildiade política e social que Angola vive.
Nós vamos sustentar esta afirmação com alguns exemplos concretos da vida real dos angolanos em todo o país.
SOBRE A PAZ E A DEMOCRACIA
Concordamos com o senhor Presidente quando diz que a paz e a democracia são os fundamentos da estabilidade política.
Onze anos depois da conquista da paz militar, o Executivo utiliza novas armas para atacar os angolanos. São as armas da tirania, da exclusão social, da promoção de falsos valores, dos assassinatos selectivos e da alienação cultural. Elas são apontadas e disparadas todos os dias contra os angolanos, especialmente contra A JUVENTUDE e os mais vulneráveis.
O que vimos hoje nas aldeias do país são autênticos atentados à paz e à democracia: O Executivo segrega as pessoas na base da sua filiação político-partidária até na prestação de serviços públicos básicos. De um lado coloca os cidadãos filiados no MPLA, do outro os cidadãos fiiados nos outros partidos, com destaque para os filiados na UNITA. Até na distribuição de sementes e de fertilizantes, esta segregação é praticada. Quem é do MPLA recebe sementes e adubos do Estado. Quem é da UNITA, é excluído.
Testemunhei isso eu próprio e, recentemente, ouvi atentamente as reclamações dos anciãos, das mulheres e dos jovens no Umpulo, no Rigoma e na província do Moxico.
Uma senhora, no Município dos Bundas, na província do Moxico, cujo nome omito propositadamente, perdeu o filho por causa do apartheid que se verifica na política de saúde praticada pelo Executivo: ali no Luvuei, na Província do Moxico, quem é do MPLA, tem direito a assistência médica no Hospital público. “Quem for da UNITA e for ao Hospital, vai morrer”; diz sem pestanejar, segundo os anciãos da comuna, o Administrador comunal, Senhor Manuel Tchimboma, que é o representante do Presidente José Eduardo dos Santos na Comuna.
A senhora levou o seu filho ao Hospital. O enfermeiro recusou-se a tratar a criança, só porque a mãe é da UNITA. Vão ao Samakuva para vos tratar. Eu cumpro as ordens superiores do senhor Administrador. Segundo os anciãos com quem conversei, mesmo perante inúmeros pedidos e diligências, durante vários dias, o enfermeiro foi peremptório em afirmar que cumpria ordens superiores, do Senhor Administrador.
Infelizmente, dias depois, a criança acabou por falecer.
Os doentes daquela Comuna, sejam da UNITA ou não, ganharam aversão aos Hospitais. Na fuga desesperada da morte nos Hospitais, muitos estão a morrer em casa ou em pequenas clínicas privadas, algumas sem condições, vítimas de patologias simples que, entretanto, podiam ser tratadas nos hospitais. Dizem-nos que os hospitais se transformaram em comités de especialidade do partido, tornando-se perigosos para os que não fazem parte do partido dos que sustentam os comités de especialidade. O verdadeiro estado da Nação, é que as pessoas estão a fugir dos hospitais, porque muitos deles tornaram-se locais de mortes cuja justificação não tem sido compreendida . Dizem-nos que as pessoas vão aos Hospitais com doenças simples, depois são obrigadas a ficar internadas e saem de lá mortas. Verdade ou não, são estas as preocupações que os cidadãos nos colocam com frequência. E isto sucede um pouco por todo o lado.
Há muitos outros relatos que ilustram o estado doentio da Nação. É verdade que estão a ser construídos novos postos de saúde. Mas são mal geridos e não têm medicamentos. Os doentes morrem nos corredores dos hospitais.
Este é o real estado da Nação no que toca à saúde. Se o Representante da República não sabe, então que fique sabendo agora e tome medidas, porque este é o real estado da Nação!
Prezados compatriotas:
A paz é diálogo; é respeito ao próximo, à sua liberdade e à igualdade básica que existe entre nós. A democracia é a garantia da autenticidade e do verdadeiro respeito por essa igualdade e liberdade.
Isto significa que quem proíbe a liberdade de imprensa, quem impede a comunicação social pública de veicular o pluralismo de expressão política e tratar por igual os Partidos Políticos, está a atentar contra a democracia. E quem atenta contra a democracia, atenta contra a estabilidade.
Significa também que quem, como representante da República, nem sequer se pronuncia sobre os desaparecimentos de cidadãos como Isaías Cassule e Kamulingue, sobre prisões arbitrárias nem sobre assassinatos de políticos, está a atentar contra a estabilidade política.
Quem utiliza o poder público para ordenar a segregação das pessoas segundo a sua cor partidária para nesta base prestar-lhes ou negar-lhes serviços públicos, atenta contra a estabilidade política.
Por outro lado, os Administradores Municipais, que são pagos para governar para o povo, para cuidar dos problemas do povo, foram transformados am agentes partidários. Estão mais envolvidos em realizar acções político-partidárias do que em administrar os assuntos públicos.
No mês passado, quando passamos pelo Ringoma, Umpulo e pela Chicala, na Província do Bié, vimos os Admnistradores locais ordenar que se montassem barreiras nas aldeias para impedir as pessoas de dialogar com o Presidente da UNITA.
Era um dia de trabalho para o governante. Ao invês de estar a trabalhar, o Administrador resolveu ir fazer um Comício para dizer aos cidadãos que os angolanos da UNITA não têm direitos de cidadania. Não podiam exercer o direito de reunião no centro da cidade. “O lugar deles não é aqui, é lá, à saída...para irem às matas mais rapidamente..”, dizia o representante do Presidente da República!
Mas esta política de aprofundamento da exclusão não se limita à saúde nem às actividades políticas nas zonas rurais.
O Presidente disse que, cito, “queremos afirmar-nos como ‘País do Desporto’!
Ora, o detentor imbatível do Oitavo Título de Campeão Africano das Artes Marciais Mistas, é angolano. Venceu invicto oito combates consecutivos. Reside na África do Sul e seu talento é reconhecido internacionalmente. Já esteve em Luanda promovendo seminários para despertar nas camadas jovens angolanas o interesse pela modalidade.
Mas não encontrou da parte do Executivo nem da imprensa pública o devido apoio. E porquê? Porque não é filho do MPLA. É filho da UNITA. Chama-se Demarte Pena e é filho de Arlindo Chenda Pena “Ben Ben”, que em vida foi o Vice-Chefe do Estado Maior General das FAA, portanto, neto do Dr. Jonas Malheiro Savimbi.
Tanto na política de desporto, como na política do emprego, saúde e educação, o regime do Presidente Eduardo dos Santos decidiu aprofundar a exclusão ao invés da reconciliação. Decidiu atentar contra a paz e contra a unidade da Nação.
Este é o real estado da Nação.
Ao afirmar no seu discurso que “a paz e a democracia são os fundamentos da estabilidade política” e, pela sua prática, atentar contra a paz e contra a democracia, o Senhor Presidente da República está a afirmar-se e a constituir-se, ele próprio, no principal factor de instabilidade política em Angola.
SOBRE OS DIREITOS HUMANOS
No seu discurso, o Presidente da República não descreveu o estado da Nação no que diz respeito às violações dos direitos humanos pelos seus agentes, incluindo polícias, procuradores e juízes, envolvidos em «manipulações judiciais» contra os autores de denúncias, jornalistas que investigam casos de corrupção e activistas dos direitos humanos.
<!--[if !supportLists]-->· <!--[endif]-->Há indiscutíveis evidências de desaparecimento de dissidentes, detenções e prisões arbitrárias, desalojamentos forçados, expropriação ilegal de terras e outras violações sistémicas dos direitos humanos, praticadas pelo Executivo do Presidente José Eduardo dos Santos;
<!--[if !supportLists]-->· <!--[endif]-->Os Tribunais em geral deixaram de ser instrumentos do povo ao serviço da justiça tendo-se transformado em instrumentos da ditadura do poder político;
<!--[if !supportLists]-->· <!--[endif]-->Há violações sistémicas do direito à liberdade e ao pluralismo de informação.
Ainda assim, Angola ‘tem a cara de pau’, como se diz na gíria, de pretender afirmar-se como guardiã internacional dos direitos humanos e membro do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Ameaçando ela própria a segurança dos seus próprios cidadãos, todos os dias, sendo ela uma ameaça evidente para a paz e segurança dos povos de Angola e de África; como ousa garantir a paz e a segurança no mundo?
Não seria melhor garantir primeiro a Paz e a Segurança dos seus próprios cidadãos? Não seria melhor garantir primeiro o respeito pelos direitos e liberdades dos seus próprios cidadãos?
Defendemos a ética acima dos interesses políticos. E condenamos a prática de se pintar as ditaduras com o verniz da hipocrisia.
ARMAS QUÍMICAS
Ainda no domínio dos Direitos Humanos, há uma questão importante sobre a qual gostaríamos que o Senhor Presidente da República se pronunciasse:
<!--[if !supportLists]-->· <!--[endif]-->Angola tem ou não tem no seu arsenal armas químicas de destruição em massa, capazes de causar um número elevado de mortos numa única utilização?
Chegou ao nosso conhecimento que o Presidente Eduardo dos Santos terá adquirido armas na forma de gazes, medicamentos ou outros compostos químicos para utlizar contra os angolanos que eventualmente se manifestem contra o seu regime.
Parte do stock dessas armas teria vazado ou estaria a ser eventualmente testado em seres humanos, provocando os desmaios de crianças nas escolas e outras consequências graves que o Governo não revela.
Falei com os pais de algumas crianças afectadas e soube que alguns deles evacuaram as suas crianças para fazer testes no estrangeiro. Até hoje, seis meses depois, as crianças continuam a sentir os efeitos dos químicos nos seus corpos e os médicos não conseguem identificar a causa dos desmaios.
Se há uma ligação directa ou indirecta entre as armas químicas e os desmaios das crianças nas escolas, não sabemos. O que sabemos são três factos relacionados:
<!--[if !supportLists]-->· <!--[endif]-->o povo diz que a Polícia manda os sinistrados ficarem calados e não falar sobre o assunto.
<!--[if !supportLists]-->· <!--[endif]-->As armas que o Presidente terá adquirido para utilizar contra os manifestantes pacíficos estão proibidas pela Convenção das Nações Unidas Sobre a Produção, Desenvolvimento, Armazenamento e Uso de Armas Químicas.
<!--[if !supportLists]-->· <!--[endif]-->189 países já ractificaram ou assinaram essa Convenção, mas Angola, apesar de fortes insistências, não quer assinar a Convenção das Nações Unidas Que Proíbe o armazenamento e uso de Armas Químicas. Angola não quer comprometer-se a não utilizar tais armas.
Porquê?
Se Angola afirma-se defensora dos direitos humanos e quer contribuir para a paz e segurança do mundo, porque é que não assina a Convenção que proíbe o uso de armas químicas?
Eu convido aqui e agora o Senhor Presidente da República a informar os angolanos se Angola tem ou não tem armas de destruição massiva.
Tendo ou não, não faz sentido que Angola esteja no grupo dos poucos países déspotas, como a Síria e a Coreia do Norte, que não assinaram a Convenção. Por isso, instamos o Representante da República, no interesse da paz e da segurança internacionais, a assinar a Convenção das Nações Unidas Sobre as Armas Químicas.
SOBRE A ECONOMIA
O Senhor Presidente falou da estiagem, das taxas de juro, dos milhões de alunos matriculados. Citou muitos números mas não disse o essencial.
E o essencial, tal como afirmam os economistas e também o Relatório do Banco Mundial sobre a Competitividade em África, é que a estrutura económica de Angola continua muito desequilibrada: agricultura, pecuária, pescas e florestas com 10% do PIB, a indústria transformadora com 6%, a indústria mineral (petróleo, diamantes e outros) com 54% e os serviços com 30%.
O essencial é que, desde 2002, já foram investidos mais de 50 mil milhões de dólares na construção/reabilitação/modernização das infraestruturas. Mas isso não evitou que Angola ocupasse a última posição neste item. É uma séria deficiência, que constrange o funcionamento mais eficiente da actividade económica em qualquer país, tornando mais elevados os custos dos bens e serviços.
Das duas uma: ou as prioridades foram mal definidas, ou muito desse dinheiro foi desviado para “acumulação primitiva de capital” da elite política, como admitiu o Presidente no seu discurso.
O essencial é que no mesmo período terão sido gastos apenas cerca de 6 mil milhões de dólares na criação do capital humano (educação, saúde, pesquisa, inovação), ou seja menos de 12% do que foi investido nas infra-estruturas.
Aqui está um dos grandes desequilíbrios de que padece a nossa economia. Olhando para os pilares «Saúde e educação primária» e «Educação superior e formação profissional», a melhor posição que se consegue é a 120.ª, no atributo da taxa de escolarização primária (em quantidade e não em qualidade).
Quando nas escolas os professores apresentam-se bêbados nas aulas, os directores fazem vista grossa à “gasosa” para caucionar a fraude e nas universidades se fabricam licenciados em série incapazes de exibir pensamento crítico e escrever fluentemente, e o representante da República se orgulha em apresentar dados sobre a quantidade de matriculados, temos de admitir que o nosso sistema de ensino FALIU E NÃO SERVE AS NECESSIDADES DA ECONOMIA!
Sem investimentos sérios e massivos na criação de capital humano, não haverá crescimento sustentável e Angola não será competitiva, porque não haverá industrialização.
Se não invertermos a política actual para permitir que o petróleo financie a criação de capital humano, a auto-suficiência alimentar e a industrialização de Angola, não haverá diversificação da economia.
SOBRE A CONTA GERAL DO ESTADO
O que o Presidente submeteu ao Parlamento, pela primeira vez em 34 anos, não é ainda a Conta Geral do Estado que a Lei manda apresentar.
O Presidente não apresentou os relatórios de execução necessários à justificação de mais de 70 por cento do orçamento gasto. Nem o relatório dos seus próprios gastos.
Não identificou no seu Relatório os reais titulares dos chamados investimentos de Angola, feitos com fundos públicos, e que se encontram espalhados por Portugal, Estados Unidos, Rússia, China e inúmeros Paraísos fiscais.
O Presidente não forneceu elementos para a entidade fiscalizadora aferir da transparência, competitividade e probidade das transacções comerciais do Estado.
Além disso, não submeteu as contas a apreciação prévia do Tribunal de Contas, como manda a lei.
Deste modo, como já alguém referiu, ‘o Presidente José Eduardo dos Santos cumpriu mais um ciclo de ilusionismo político e gestão enganosa’.
SOBRE A CORRUPÇÃO
Prezados compatriotas:
A postura adoptada pelo Presidente da República em relação à corrupção transmitiu aos angolanos o real estado da nação:
A ideia com que os angolanos ficaram é que o véu que cobria o rosto da corrupção em Angola foi levantado e as pessoas agora já não têm dúvida nenhuma sobre quem é o mentor e o defensor da corrupção em Angola. Seja na forma de clientelismo, nepotismo ou peculato!
Quando alguém, nas vestes de Presidente da República, utiliza o poder público para nomear seu filho o principal gestor de um Fundo Soberano, sem qualquer fundamento, isto é corrupção!
Quando alguém, nas vestes de Presidente da República, utiliza o poder público para entregar património público à sua filha para esta investir em negócios privados, isto é corrupção!
Quando alguém, nas vestes de Presidente da República, utiliza o poder público para interferir nas investigações judiciais de indivíduos suspeitos, ou para ameaçar e chantajar governos estrangeiros, só para proteger interesses privados, isto é corrupção!
Aproveitamos esta ocasião para saudar as propostas que circulam nas instâncias da União Europeia que visam responsabilizar os indivíduos de qualquer nacionalidade, presentes no seu território, que sejam responsáveis por actos de corrupção ou peculato de fundos públicos, independentemente do local em que o crime tenha ocorrido, desde que o produto dessas actividades criminais seja detectado, ou tenha sido branqueado, no Estado-Membro em questão, ou essa pessoa mantenha uma «ligação estreita» com esse país.
Prezados compatriotas:
Os angolanos não estão distraídos. Os angolanos sabem que é bom que o país tenha grupos económicos fortes e competitivos. Os Angolanos querem a afirmação de Angola no mundo e a sua competitividade. Mas com dinheiro limpo. Dinheiro legítimo.
Os angolanos querem que haja transparência e verdade. Os angolanos exigem que se separe o trigo do joio, como disse o Presidente. Mas o que significa separar o trigo do joio?
Significa separar o dinheiro público dos dinheiros privados. Significa não desviar fundos públicos, do Estado, para entregar aos filhos, amigos ou a correligionários, para enriquecimento ilícito, chamando-os ‘investimentos angolanos’ ou ‘capital privado’!
Este é o trigo que deve ser separado do joio, Senhor Presidente! O que é de todos nós, ou seja, do Estado, de um lado! O que é privado, legítimamente privado, do outro lado!
Todas as crianças do secundário sabem que criar empresas nacionais fortes e competitivas, não constitui corrupção. Mas elas sabem também que não é por isso que Angola é considerada pelos Bancos, governos e organizações internacionais como um dos países mais corruptos do mundo.
Elas também sabem que «um estado de corrupção política desenfreada é conhecido como uma cleptocracia, o que literalmente significa «governado por ladrões». Isto se encontra em qualquer Dicionário.
Enquanto Sua Excelência não vier a público afirmar como foi possível a certos indivíduos ligados ao poder político fazer a acumulação primitiva de capital de dia para noite, dificilmente os angolanos e o mundo o lembrarão como «um patriota».
Não se faz acumulação legítima de capital nem se criam grupos empresariais fortes atravês do peculato, do nepotismo ou do clientelismo. Estes não são valores. São crimes!
Vejam apenas um exemplo:
Recentemente a imprensa noticiou que o empresário António Mosquito assumiu o controle de 66,7% da Soares da Costa Construções, tendo pago cerca de 70 milhões de Euros. Mas a questão que a Sociedade levanta è: este negócio é mesmo dele?
Metade da facturação da empresa portuguesa Soares da Costa vem de contratos em Angola adjudicados pelo Estado angolano quase sem concurso.
E quem é que adjudica ou manda ajudicar esses contratos?
Se alguém compulsar os registos dessa transacção pública, irá verificar que o comprador não é uma pessoa singular, mas sim uma empresa. A investigação poderá provar ainda que a empresa utilizada no negócio, foi comprada antes por pessoas próximas ao Presidente Eduardo dos Santos para servir de testa de ferro na compra das acções da Soares da Costa.
Aliás, esta tem sido a prática habitual da oligarquia chefiada pelo Presidente Eduardo dos Santos. Usam vários testas de ferro, para esconder o facto de que os donos reais destes negócios são os membros de umas poucas famílias que, sob o comando do Presidente, não separam o trigo do joio, ou seja, desviam o património da Nação para pertencer ao património pessoal dos integrantes da oligarquia.
Se a origem do dinheiro fosse legítima, porque colocar à frente o bom nome de um cidadão, quando tudo parece indicar que quem comprou de facto a Soares da Costa foi o grupo chefiado por José Eduardo dos Santos, o Presidente da Republica de Angola?
Isto é corrupção, senhor Presidente!
Não há aqui nenhum preconceito dos europeus em relação aos africanos, Senhor Presidente!
Ensina Calil Simão que a corrupção política corresponde:
“ao uso do poder público para proveito, promoção ou prestígio particular, ou em benefício de um grupo ou classe, de forma que constitua violação da lei ou de padrões de elevada conduta moral[1]
Na Europa e na América, por exemplo, os cidadãos sabem quanto é que as grandes companhias de petróleo, gás e minerais, pagam aos seus governos. Em Angola, o Governo diz que isto é segredo e impede as companhias de divulgar esses dados.
Na Europa e na América, por exemplo, combate-se a corrupção. Em Angola, a corrupção política não é combatida. É defendida pelo Chefe de Estado.
Os europeus mencionam a corrupção dos políticos africanos, não porque os invejam, mas porque os políticos africanos escolhem a Europa e a América para guardarem e investirem os activos da corrupção. Compram empresas e imóveis europeus, utilizando os Bancos europeus, os advogados europeus, os lobbies europeus ou os sistemas de segredo americanos. Este é o verdadeiro estado da Nação.
SOBRE A CRISE DE VALORES E PRINCÍPIOS
Falar do estado da Nação é, acima de tudo, avaliar o estado de espírito das pessoas, seus princípios e valores, pois a Nação é uma entidade de direito natural e histórico, anterior ao Estado.
Ela funda-se em valores culturais, numa história comum, em atitudes e estilos de vida, em maneiras de estar na natureza e no mundo, em instituições comuns, numa ideia de futuro a cumprir que transcende no tempo e no espaço os números enganosos da estatística e os limites do seu território original.
Não se pode falar do estado da Nação angolana ainda em construção sem se referir à grave crise de valores que ameaça tanto a sua digna inserção no mundo global como a sua integridade e o seu futuro.
O poder a todo o custo, a riqueza a qualquer preço, o prazer a todo o momento, são falsos valores que enfermam a nossa Nação!
A ostentação e o lucro fácil substituíram a integridade nos negócios e a virtude do trabalho honesto. A mentira, a traição e a fraude substituiram a honradez, a confiança e a seriedade nas relações sociais.
A solidariedade está asfixiada. A virtude do amor ao próximo foi substituida pela insensibilidade e pela endemia do amor ao dinheiro.
O Senhor Presidente só se referiu à estiagem para justificar números. Mostrou-se insensível ao sofrimento humano que ela encerra.
Ao promover o medo, a intimidação, o enriquecimento ilícito, a violência moral, a corrupção e a traição como valores supremos, o regime do Presidente José Eduardo dos Santos agride os fundamentos morais e culturais da Nação angolana com o objectivo de desintegrá-la na sua génese e, assim, subjugá-la aos seus interesses e ambições pessoais.
Nesta oportunidade em que nos encontramos, nas vêsperas do 38º aniversário da nossa independência, a UNITA declara solenemente que rejeita estes falsos valores e apela a todo o povo, em particular aos Deputados, Juízes, académicos, jornalistas, autoridades tradicionais, comerciantes, líderes religiosos e outros dignitários, para fazer o mesmo. Regeitemos todos estes falsos valores.
A UNITA reafirma por meu intermédio, a sua determinação de conduzir a Nação angolana para uma mudança pacífica, mas profunda.
Uma mudança construída sobre valores morais, sem nenhum sentimento de vingança. Mudança que incluirá todos os nossos adversários, baseada na reconciliação, na solidariedade, na justiça e na defesa intransigente da dignidade humana.
SOBRE OS ANTIGOS COMBATENTES
O senhor Presidente também está enganado quanto aos antigos combatentes. Afirmou que mais de 159.000 antigos combatentes e veteranos de guerra beneficiam do regime especial de protecção do Estado. Isto não corresponde à verdade, porque uma boa parte dos beneficiários actuais não são antigos combatentes nem veteranos de guerra.
São pessoas que foram colocadas nas listas por favoritismo ou corrupção. Quantas vezes as listas dos beneficiários foram refeitas! Muitos dos verdadeiros antigos combatentes estão a passar mal. Fomos encontrar centenas deles no Cazombo, no Lumbala Nguimbo, na Mavinga, no Cuimba, no N’zeto, no Tomboco, em Maquela do Zombo, no Uíge e noutros lugares, incluindo Luanda.
Quer sejam combatentes das ex-FAPLA, das ex-FALA ou do ELNA, Angola ainda não fez o suficiente para honrar o sacrifício consentido por todos os seus filhos.
SOBRE O ESTADO DA JUSTIÇA
O Presidente não mencionou o estado calamitoso em que se encontra a justiça angolana.
O Ministério Público demitiu-se das suas funções. Os juízes proferem sentenças por encomenda. Os Tribunais Superiores sonegam a justiça, quer por sucumbirem ao medo da ditadura, quer por não decidirem em prazo razoável e mediante processo equitativo, tal como se observa nos dois Recursos que foram submetidos ao Tribunal Supremo e ao Tribunal Constitucional, envolvendo actos praticados pelo Presidente da República, que estão proibidos pela Constituição.
SOBRE AS RELAÇÕES ANGOLA/PORTUGAL
Não há crise alguma nas relações entre Angola e Portugal. Há sim uma crise de valores em Angola, uma crise na justiça e nas instituições políticas angolanas que se repercute lá onde os angolanos pretendem branquear o capital extorquido do erário público.
Esta crise de valores, como citou um político e académico de renome, faz alguns angolanos pensarem que, cito, “‘o mundo deve girar à volta do seu umbigo”, só porque exibem maços de dólares extraídos do erário público. Faz-lhes pensar que a honra e a dignidade têm preço e que a justiça deve vergar-se aos interesses privados de uma oligarquia, que os considera prosmícuamente de ‘interesse público’.
A UNITA considera ser no interesse superior de Portugal e de Angola que os processos judiciais envolvendo actos privados, não soberanos, de governantes angolanos, não sejam arquivados. As investigações devem continuar para que se apurem os factos e se realize a justiça.
Acreditamos ser também no interesse do próprio senhor Presidente da República de Angola e demais entidades visadas, que as investigações cheguem ao fim, porque só assim, o bom nome das entidades angolanas visadas, ficará limpo.
Estamos interessados em ver vindicados o bom nome do nosso Presidente, do Vice-Presidente e seus Ministros, quer na justiça angolana – onde também decorrem processos de corrupção - quer na justiça portuguesa.
A UNITA considera que as relações entre Portugal e Angola são perenes e não se deterioram com um discurso, com as declarações de um Ministro, nem com a postura de um Governo ou mesmo de um Presidente que surja deste ou daquele lado da costa atlântica.
O passado, o presente e o futuro de Angola e de Portugal continuarão ligados por muitos séculos. Aproxima-se rapidamente o dia em que Angola será uma democracia madura. Também se aproxima o dia em que Portugal terá em Angola os interlocutores certos para a construção de uma parceria certa. Quando as duas coisas acontecerem, os dois Estados terão as parcerias que os seus povos merecem.
Como alguém afirmou recentemente, cito, “bem ou mal, Portugal, pobre, falido e com muitos problemas, continua na lista da honradez e da seriedade, muitos lugares acima do corrupto regime de Luanda (33º no ranking da Transparency International, contra 157º de Angola)”.
Se Portugal tiver a coragem de se apegar sempre aos grandes princípios, terá a moral suficiente para lidar com qualquer ditadura que tentar minar a perenidade das suas relações com Angola.
A UNITA encoraja o povo português, em particular os empresários, os jovens empreendedores, os reformados e também a classe política a pautar a sua conduta para com Angola com base nos princípios da legalidade, do estado de direito, da transparência, da separação de poderes e da probidade pública.
Prezados compatriotas:
A Nação angolana está gravemente doente e todos queremos mudar esta situação. O regime do Presidente Eduardo dos Santos, persiste em não mudar.
Muda a constituição, mudam os nomes da oligarquia partidária, mas nem o Presidente concebido como monarca absoluto muda, nem tampouco a deliberada e intencional confusão entre o patrimônio da nação e o patrimônio privado dos integrantes da oligarquia.
É nossa convicção que o sucesso de Angola como nação, depende da nossa coragem e patriotismo para repudiarmos A CULTURA DOS FALSOS VALORES, erradicarmos juntos o ESTIGMA DA EXCLUSÃO, e reencontrarmo-nos, como irmãos, na construção de uma autêntica democracia, de uma sociedade aberta e pluralista, que promova o desenvolvimento, a justiça social e a solidariedade nacional.
Desta tribuna, nas vésperas do 38º aniversário da nossa independência, a UNITA reafirma, por meu intermédio, para todo o povo angolano, o seu compromisso irreversível e incondicional com a reconciliação nacional.
Paz, reconciliação nacional e democracia, são objectivos nacionais permanentes, com os quais estamos comprometidos.
Para alcançarmos estes grandes objectivos nacionais, é imperativo que, como Nação, concordemos todos em dois aspectos:
Primeiro: o estado da Nação apresentado pelo Senhor Presidente da República, está distorcido, porque não reflecte a realidade.
Segundo: precisamos de identificar as causas reais do estado actual da Nação e encontrar uma saída para que Angola resgate os seus valores e sobreviva ao regime de quem a quer subjugar, o seu actual Presidente!
SÍNTESE DO ESTADO DA NAÇÃO
A Nação angolana está mutilada e gravemente doente, porque os seus fundamentos foram atacados por quem os devia proteger. A paz foi revogada, a liberdade foi sufocada, os valores foram pisoteados, a democracia foi deformada e a exclusão está sendo aprofundada.
O petróleo não está a financiar a diversificação da economia nem a constituição dum estruturante capital humano nacional. O regime transformou Angola num país povoado por uma população pobre que é subjugada por uma das elites mais ricas e insensíveis do mundo.
Os angolanos querem mudança, mas o regime continua fixado no passado, esticando a crise social e institucional ao limite da ruptura, na sua tentativa de subjugar Angola e comandar o futuro. A intensidade do conflito entre estes dois polos - o do regime e o de Angola -, cresceu de tal forma que um terá de sobreviver ao outro.
Esta é, do nosso ponto de vista, a síntese do estado real da Nação!
Muito obrigado.


[1] SIMÃO, Calil. Improbidade Administrativa - Teoria e Prática. Leme: J.H. Mizuno, 2011, p. 35.

4 comentários:

Manuel Leonardo disse...

Com o meu pedido de desculpas por ser uma informacao fora do contexto .Agradecia que para efeitos de servicos de informacao local gostaria de tentar saber o Nome do Dignissimo Sr. Comandante na Capitania do Porto de Peniche se possivel email de entrada de internet , ja que somente tem fax por intermedio da pagina da Camara Municipal de Peniche . Como Homem do Mar que tenho sido pensei que o Cacine seria o meio ideal para me ser fornecida esta informacao.Com os meus desejos de boa navegacao nestas vagas cada vez mais altas ,sou o
Manuel Joaquim Leonardo
Peniche Vancouver Canada
fielamigodepeniche.blogspot.com

Manel disse...

Capitão-tenente
Pedro Daniel Vinhas Silva
Capitão do Porto de Peniche
Comandante Local da Polícia Marítima
Capitania
Morada: Baluarte da Misericórdia, 2520-239 Peniche
Tel: 262 790 330
Fax: 211 938 446
E-mail: capitania.peniche@marinha.pt

Manuel Leonardo disse...

Os meus melhores agradecimentos pela vossa colaboracao
PS.

Ate ha cerca de cinco meses tinha as minhas comunicacoes abertas pela internet para todas a entidades que pelo mundo precisava de contactar em favor dos nossos emigrantes ,sem nada receber em troca e desde ha dez anos que comecei a aprender a trabanhar com este "Animal Bondoso " tinha o meu contacto tambem com a Capitania de Penice e estes Meus amigos de peniche que parece que os tenho em todo o Mundo cortaram -me de os contactar mas depois disso ainda recebia emails do consulado em Vancouver para eu dar informacoes uteis e necessarias aos nossos compatriotas espalhados por todo o Mundo. Historias das Nossas vidas.
Sao os meus submarinos que ainda me poem ao fundo,mas desejava de ter "boas companhias para lhes bater a pala no momento final"As melhores felicidades possiveis
Manuel Joaquim Leonardo
Peniche Vancouver Canada
fielamigodepeniche.blogspot.com

José Sousa e Silva disse...

Ia escrever um comentário sobre o post mas acabei de ler este "diálogo" que me encantou.
Destaque para o Comando da CACINE... Gente civilizada é outra coisa !!!