A
baleeira
Quem
frequentasse a Praia da Torre nos anos cinquenta do século passado, repararia
que havia sempre um grupo de miúdos de fato de banho preto com uma risca
branca, no lado esquerdo da praia, que tinham o estranho costume de, de vez em
quando, começarem a fazer pinos e flique-flaques. Eram os alunos do Colégio
Militar em férias na Feitoria. Nesse tempo o Colégio tinha duas barracas na
praia, onde se concentravam os alunos e as famílias dos professores que ficavam
de serviço na Feitoria. Estes alunos conviviam muito com outro grupo
constituído por famílias militares em férias no Lar Académico dos Filhos de
Oficiais, ali perto em Oeiras, onde se incluíam muitos outros alunos e
ex-alunos. Estas férias eram animadas com bailes à noite no Lar e, outras
vezes, na Feitoria, onde uma camarata era transformada em salão de festas. Os
convites eram extensivos a amigos que viviam na Linha ou, até, vindos de
Lisboa. Havia sempre na praia, também, uma baleeira cinzenta amarrada a uma
bóia a curta distância, alcançável a nado. Esta baleeira, cedida pela Marinha,
e que pertencera a algum navio já abatido, era a alegria da rapaziada que nela
remava o dia inteiro e servia para todo o tipo de brincadeiras e habilidades.
De palamenta, tinha somente um par de remos e um bartedouro para tirar água.
Quem superintendia vagamente no uso da baleeira era o Carranço, um fâmulo
especial, encarregado do material do ginásio, de que muitos se recordam. Só
intervinha em situações complicadas ou conflituais; de resto, andava-se à
vontade. Se bem me recordo, chegou a haver também um snipe , mas como ninguém andava à vela, desapareceu de circulação.
As
habilitações náuticas dos alunos e oficiais em férias na Feitoria eram nulas.
Aprendia-se com a prática e não consta que tenha havido algum desastre. Houve,
sim, algumas aventuras, em geral relacionadas com tentativas de ir ao Bugio ou
a Carcavelos. Ninguém percebia nada de correntes e marés, por isso essas
tentativas deram sempre para o torto, com aflição para quem ficava em terra,
que via as horas a passar e nem sombra de baleeira. Havia também a nortada rija
do fim da tarde, que causava sérios problemas para os remadores que se
deixassem levar. Era uma inconsciente liberdade em que os jovens se
desenvolviam, ganhavam e experimentavam novas capacidades.
Não consigo imaginar hoje esta situação, em que há seguranças para tudo e
vigilância apertada. Mal se põe o pé numa embarcação aparece logo a Polícia
Marítima a pedir a carta, os coletes de salvação, o seguro. Imagino que hoje em
dia, se os pais das criancinhas sonhassem que elas andavam no mar sem um
monitor qualificado, sem coletes de salvação, rádio, very-lights, etc., punham
logo o director do Colégio em tribunal…
Outros
tempos.
João Nuno Barbosa
Vice Almirante
Com a devida vénia tirado da Revista Zacatrás da AAACM
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