terça-feira, 28 de maio de 2013

JÁ NÃO SOMOS NADA


Caro camarada e amigo,


Tal como o Ramos Gouveia te referiu, e está transcrito na legislação por ele citada, sempre que há um incidente/acidente, ou o Capitão do Porto tem fundadas dúvidas sob as condições de navegabilidade de uma embarcação tem o dever de, como previsto na lei, verificar essas condições e se for caso disso cancelar-lhe o certificado de navegabilidade, impedindo-a pois de sair para o mar enquanto não estiverem reunidas as necessárias condições de navegabilidade em segurança, quer das pessoas, quer de bens.

Este é genericamente o enquadramento legal de actuação do Capitão do Porto. A Policia Marítima não tem competências próprias estabelecidas na lei nesta matéria, actuando sob as ordens e apoiada nas competências do Capitão do Porto. A retenção dos documentos, só por alguma alteração legislativa muito recente que eu desconheço, não está objectivamente prevista na lei e muito menos na competência do agente da Policia Marítima ( ele deve ter julgado ser da GNR, no caso (área jurídica), com muita pena minha, muito melhor preparados que a Policia Marítima, e a movimentarem-se num quadro legal muito mais claro).

Feita esta introdução muito resumida, importa referir que a matéria dava para escrever um manual de boas práticas e mais um conjunto de diplomas legais clarificando toda esta embrulhada (claro que para o fazer seria necessário saber......... entendes?!!), vamos à situação em concreto tal como tu a relataste.

O apoio dado pela marina tem obrigatoriamente de ser reportado à Capitania, pois todas as atividades de reboque de embarcações, se não forem efectuadas por embarcações especificamente licenciadas para o efeito, carecem de autorização daquela entidade.

É natural que a Capitania, através da Policia Marítima, queira saber o que se passou para o Capitão do Porto definir as respectivas linhas de actuação, em conformidade com as suas competências.

Até aqui tudo bem. A partir daqui, seguindo o teu relato, tudo vai correr mal.

A embarcação tinha acabado de ser socorrida por uma outra embarcação, donde a primeira preocupação deveria ter sido a de averiguar, no local, se estaria tudo bem com pessoas e bens.

Constatando-se que tudo estaria bem, como parece ter sido o caso, o Patrão ou Mestre da embarcação deveria ter sido verbalmente notificado para comparecer na Capitania (data, hora e agente da PM a contactar) para disponibilizar as informações que deveriam constar de um auto de noticia a ser submetido à consideração e despacho do Senhor Capitão do Porto. Este poderia decidir uma de duas coisas, passar o auto de noticia a um processo de averiguações (normalmente quando existem danos materiais e estão envolvidas questões com seguradoras) para fundamentar e confirmar ou não um eventual protesto de mar apresentado pelo armador, podendo mesmo passar a processo de contraordenação; ou em alternativa, em situações de menor relevância material, civil e criminal determinar o puro encerramento da noticia objecto do referido auto. 

Este é, numa descrição muito, muito resumida, o procedimento normal para o modelo de intervenção do Estado nos países latinos, do Sul da Europa, o qual se confronta com os modelos liberais de raiz anglo-saxônica em que a responsabilidade se contorna pela esfera privada do navegador, sendo que o Estado se reserva a acompanhar o evoluir da situação e só intervir quando estritamente necessário. A título de exemplo, para não falar na náutica de recreio, o caso mais paradigmático, desta visão neo liberal, é o caso do mergulho desportivo que nos EUA é coordenado por uma organização privada a PADI, reconhecida para o referido efeito pelo Estado.

Voltando ao caso concreto. Não se fez, no meu entender mal, quase nada do acima referido, e o pior é ter-se dado a um agente da Policia Marítima a possibilidade de assumir as funções de Capitão de Porto tomando decisões que vão muito para além das suas competências, esta situação poderia ter sido minimizada se o agente em questão tivesse efectuado contacto, ao menos telefônico, com o detentor legal das competências em causa (o Capitão do Porto) para poder, com a sua atitude, ferir objectivamente a esfera de direitos do cidadão navegador em causa.

Isto recorda-me o saudoso Cte. Limpo Serra e a sua definição de Estado de Direito, no confronto entre os Princípios da Legalidade (Administração Pública só pode fazer aquilo que a lei permite), e o da Liberdade (em que os cidadãos se movimentam podendo fazer tudo aquilo que a lei não proíbe). Lindo, mas sem qualquer aplicação prática num Portugal cada vez menos de direito. Estamos a retroceder décadas, isto não é um país, e muito menos um Estado de Direito, é sim um lugar mal, muito mal frequentado.

Já vai longa a ladainha deste teu camarada, numa interpretação muito pessoal que necessitaria naturalmente do contraditório (por não me considerar o detentor da verdade) para poder ter a desejável consistência técnica e jurídica, como tal o único conselho que te posso dar é falares com o Capitão do Porto tentando perceber qual é a posição dele sobre as questões acima suscitadas. Não tenhas muita fé, as "blue waters" continuam a dominar a Marinha, e as "brown waters" são meras recompensas e pousio para os longos anos de serviço operacional árduo na "esquadra", os nossos camaradas operacionais que me perdoem, não é nenhum ressentimento, a Marinha a mim sempre me acarinhou e permitiu que eu fizesse as minhas escolhas, nesse sentido fui um privilegiado e fiz o que quiz, traçando os rumos da minha viagem. 

A formação dos Capitães de Porto é muito má, não basta conhecer a lei que na maioria das vezes está mal elaborada/concebida, importa sim saber interpretá-la na sua aplicação prática. Nada disto se faz com equilíbrio entre a teoria e a prática, existindo muito pouca gente especializada na área da Autoridade Marítima.

Quanto à atitude do Policia Marítimo, não vou perder tempo a comentar (de tão má que é), pois ela (atitude) é o resultado de delegações de competências (particularmente competências de autoridade) em quem não está preparado, nem tem o nível cultural e educacional mínimo para o efeito do seu exercício.

Amigo, remeto-te neste caso, também sem grande esperança, para uma conversa sobre o tema com o Senhor Capitão do Porto, gente nova da geração de Abril, nós pertencemos à geração grisalha, eles já sabem tudo, e eu (nós) temos cada vez mais dúvidas.......rsrsrs

Se te foi útil diz........ se não te foi útil, considera "spam"......... um abraço,

José Castro Centeno



2 comentários:

Anónimo disse...

Acho graça à etiqueta

Pedro Serradas disse...

ATENÇÃO O Comte. Limpo Serra está vivo e de boa saude. Ainda recentemente falei com ele aqui em Lisboa