Caro camarada e amigo,
Tal como o Ramos Gouveia te referiu, e
está transcrito na legislação por ele citada, sempre que há um
incidente/acidente, ou o Capitão do Porto tem fundadas dúvidas sob as condições
de navegabilidade de uma embarcação tem o dever de, como previsto
na lei, verificar essas condições e se for caso disso cancelar-lhe o certificado
de navegabilidade, impedindo-a pois de sair para o mar enquanto não estiverem
reunidas as necessárias condições de navegabilidade em segurança, quer das
pessoas, quer de bens.
Este é genericamente o enquadramento legal
de actuação do Capitão do Porto. A Policia Marítima não tem competências
próprias estabelecidas na lei nesta matéria, actuando sob as ordens e apoiada
nas competências do Capitão do Porto. A retenção dos documentos, só por alguma
alteração legislativa muito recente que eu desconheço, não está objectivamente
prevista na lei e muito menos na competência do agente da Policia Marítima ( ele
deve ter julgado ser da GNR, no caso (área jurídica), com muita pena minha,
muito melhor preparados que a Policia Marítima, e a movimentarem-se num quadro
legal muito mais claro).
Feita esta introdução muito resumida,
importa referir que a matéria dava para escrever um manual de boas práticas e
mais um conjunto de diplomas legais clarificando toda esta embrulhada (claro que
para o fazer seria necessário saber......... entendes?!!), vamos à situação em
concreto tal como tu a relataste.
O apoio dado pela marina tem
obrigatoriamente de ser reportado à Capitania, pois todas as atividades de
reboque de embarcações, se não forem efectuadas por embarcações especificamente
licenciadas para o efeito, carecem de autorização daquela
entidade.
É natural que a Capitania, através da Policia Marítima,
queira saber o que se passou para o Capitão do Porto definir as respectivas
linhas de actuação, em conformidade com as suas competências.
Até
aqui tudo bem. A partir daqui, seguindo o teu relato, tudo vai correr
mal.
A embarcação tinha acabado de ser socorrida por uma outra
embarcação, donde a primeira preocupação deveria ter sido a de averiguar, no
local, se estaria tudo bem com pessoas e bens.
Constatando-se que
tudo estaria bem, como parece ter sido o caso, o Patrão ou Mestre da embarcação
deveria ter sido verbalmente notificado para comparecer na Capitania (data, hora
e agente da PM a contactar) para disponibilizar as informações que deveriam
constar de um auto de noticia a ser submetido à consideração e despacho do
Senhor Capitão do Porto. Este poderia decidir uma de duas coisas, passar o auto
de noticia a um processo de averiguações (normalmente quando existem danos
materiais e estão envolvidas questões com seguradoras) para fundamentar e
confirmar ou não um eventual protesto de mar apresentado pelo armador, podendo
mesmo passar a processo de contraordenação; ou em alternativa, em situações de
menor relevância material, civil e criminal determinar o puro encerramento da
noticia objecto do referido auto.
Este é, numa descrição muito,
muito resumida, o procedimento normal para o modelo de intervenção do Estado nos
países latinos, do Sul da Europa, o qual se confronta com os modelos liberais de
raiz anglo-saxônica em que a responsabilidade se contorna pela esfera privada do
navegador, sendo que o Estado se reserva a acompanhar o evoluir da situação e só
intervir quando estritamente necessário. A título de exemplo, para não falar na
náutica de recreio, o caso mais paradigmático, desta visão neo liberal, é o caso
do mergulho desportivo que nos EUA é coordenado por uma organização privada a
PADI, reconhecida para o referido efeito pelo Estado.
Voltando ao
caso concreto. Não se fez, no meu entender mal, quase nada do acima referido, e
o pior é ter-se dado a um agente da Policia Marítima a possibilidade de assumir
as funções de Capitão de Porto tomando decisões que vão muito para além das suas
competências, esta situação poderia ter sido minimizada se o agente em questão
tivesse efectuado contacto, ao menos telefônico, com o detentor legal das
competências em causa (o Capitão do Porto) para poder, com a sua atitude, ferir
objectivamente a esfera de direitos do cidadão navegador em
causa.
Isto recorda-me o saudoso Cte. Limpo Serra e a sua definição
de Estado de Direito, no confronto entre os Princípios da Legalidade
(Administração Pública só pode fazer aquilo que a lei permite), e o da Liberdade
(em que os cidadãos se movimentam podendo fazer tudo aquilo que a lei não
proíbe). Lindo, mas sem qualquer aplicação prática num Portugal cada vez menos
de direito. Estamos a retroceder décadas, isto não é um país, e muito menos um
Estado de Direito, é sim um lugar mal, muito mal frequentado.
Já
vai longa a ladainha deste teu camarada, numa interpretação muito pessoal que
necessitaria naturalmente do contraditório (por não me considerar o detentor da
verdade) para poder ter a desejável consistência técnica e jurídica, como tal o
único conselho que te posso dar é falares com o Capitão do Porto tentando
perceber qual é a posição dele sobre as questões acima suscitadas. Não tenhas
muita fé, as "blue waters" continuam a dominar a Marinha, e as "brown waters"
são meras recompensas e pousio para os longos anos de serviço operacional árduo
na "esquadra", os nossos camaradas operacionais que me perdoem, não é nenhum
ressentimento, a Marinha a mim sempre me acarinhou e permitiu que eu fizesse as
minhas escolhas, nesse sentido fui um privilegiado e fiz o que quiz, traçando os
rumos da minha viagem.
A formação dos Capitães de Porto é muito
má, não basta conhecer a lei que na maioria das vezes está mal
elaborada/concebida, importa sim saber interpretá-la na sua aplicação prática.
Nada disto se faz com equilíbrio entre a teoria e a prática, existindo muito
pouca gente especializada na área da Autoridade Marítima.
Quanto à
atitude do Policia Marítimo, não vou perder tempo a comentar (de tão má que é),
pois ela (atitude) é o resultado de delegações de competências (particularmente
competências de autoridade) em quem não está preparado, nem tem o nível cultural
e educacional mínimo para o efeito do seu exercício.
Amigo,
remeto-te neste caso, também sem grande esperança, para uma conversa sobre o
tema com o Senhor Capitão do Porto, gente nova da geração de Abril, nós
pertencemos à geração grisalha, eles já sabem tudo, e eu (nós) temos cada vez
mais dúvidas.......rsrsrs
Se te foi útil diz........ se não te foi
útil, considera "spam"......... um abraço,
2 comentários:
Acho graça à etiqueta
ATENÇÃO O Comte. Limpo Serra está vivo e de boa saude. Ainda recentemente falei com ele aqui em Lisboa
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