sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

IN MEMÓRIA


CAP-TEN MANUEL INACIO GODINHO NOVAIS LEITE
Oh Manel , então tu vais assim embora, num repente de pressa, sem te despedires , nem dizeres nada a ninguém?

Precisamente agora  quando se aproxima a resolução, e parece que positiva, do teu último combate, o processo referente á revisão da tua carreira naval e o seu abrupto termo por razões interferentes com a situação política de então, e que te promoveria ao posto a que consideravas, e bem, a que terias direito. Tu foste um dos Homens de primeira linha nesse combate, com idas ao Parlamento, ao Ministro, aos Doutores de direito e até aos Juízes e a tua luta ía, ao fim de não sei quantos anos de impasses , finalmente ser ganha.

Oh, Manel devias ter esperado pela honra, pela justiça, pela victória.

Entramos no Colégio, este Colégio Militar que já não é bem o nosso ,no mesmo ano , tu já com 10 anos feitos e eu ainda com imberbes 9 , ambos nascidos na Invicta cidade do Porto, ambos com a família longe , ambos com um irmão mais velho, e protector, ainda no colégio .Ficamos na mesma turma e lá fomos navegando por esse rio fora , ano após ano conseguindo, sem reprovar , chegar á foz, ao nosso 7º ano, ao nosso início de vida própria. Aí ainda me lembro que te escrevi os versos , brejeirotes, para o nosso livro de curso e , com o Zé Subtil, o João Freire, o Paulo, o Barbosa, o Costa e Sousa começamos a imaginar o mar, a sua liberdade, a sua audácia e a ver os cadetes da Escola naval a perfilarem a sua linda farda na baixa de lisboa e no nosso baile de finalistas.Decidimos então que navegaríamos para sul, o Alfeite e daí construiríamos a nossa nau e nel , desfraldadas as velas da audácia começaríamos a vida.

Por sortes do destino, ou malandrices de Mestres ou, o mais natural, percalços meus , não te pude acompanhar nesse ano e vestir a farda azul do nosso sonho, mas lá te vi ingressar na Escola naval e acompanhei essa tua vida de perto , até á promoção a guarda-marinha .Aí soube, com alguma estupefação que seguiste logo para Vale de Zebro a tirar o curso de Fuzileiro Especial e mal adivinhava eu, que 2 anos depois me sucedia o mesmo e te apanhava como Instrutor. E de Educação física, imagina tu, em que nos obrigavas a fazer crosses , logo ás 7 da manhã , em jejum e abstinência, estradas de coina acima e abaixo.

Logo de seguida partiste para Angola, numa Companhia de Fuzileiros e, imagina lá tu outra vez, que te segui, um ano depois , num Destacamento de Fuzileiros Especiais, tu no norte e eu a leste.

Regressado mandaram-te para aquela escola única, e infelizmente desfeita e enterrada sem hipótese de ressurreição, dos" navios de madeira com Homens de ferro", os Draga -minas onde navegaste no Ribeira grande(o navio escola do nosso curso naval) e o S.Roque, o navio suporte dos mergulhadores. Quando eu cheguei lá .já te não encontrei e perdi-te o rasto.

Regressado ao Ultramar, e desta vez à Guiné, tiveste a honra de comandar  a LDG,  a grande lancha de desembarque. Montante, que tão empolgante , destemido, imprescindível e perigoso empenho teve na guerra de então.

Vindo desses 2 cansados e desgastantes anos, ainda sulcaste os mares nas Fragatas operacionais "americanas", embrenhaste-te na luta política do post revolução defendendo as tuas próprias ideias e guardando os valores que consideravas dever guardar, e apareceste de novo nos Fuzileiros.

Desturvadas as águas em 1976 partiste calmamente para Macau onde, em 4 anos de canícula sadia, te conservaste como Comandante dos serviços de marinha e, nas doces tardes de nirvana foste lembrando o teu passado e  pensando o teu futuro.

Acabado o banho de sol nascente entendeste sair da Armada ou, como frequentemente me disseste depois , não te quiseram lá mais e tiveste assim de enfrentar o desconhecido da vida fora do colete militar, a sociedade civil.Conheceste bem empresas privadas, incluindo terminais portuários e , uns bons anitos depois , resolves, passando por uma formação em Londres, dedicar os teus conhecimentos e a tua argúcia ao seguro marítimo de carga (aliás uma invenção portuguesa), o que te permitiu uma agitada vida de ausências e viagens e algumas preocupações.

Reformado da Marinha desde 1991, seguias a tua nova rota, por vezes com mar um pouco agitado e alguma nebulosidade.

Por fim chegou a bonança, ou alguma bonança, nomeadamente com a recuperação de parte de bens de tua família numerosa e conhecida na Estremadura lusitana que, ignobilmente, haviam sido arrebatados pelo Estado meio louco de então, e , no repensar da sonolenta esperança do fim da actividade, esperavas que te dessem a promoção devida, aprovada , aliás, pela comissão competente, mas desaprovada por um ignaro ministro.

Já no fim , quase , da luta assististe à partida de tua Mulher, companheira desde os velhos tempos de Angola , Mãe de teus Filhos e Avó de teus netos, que tanto acompanhavas.

Estivemos juntos , outra vez , nesse momento difícil, e tu, como nos tempos do Colégio, não tiveste vergonha de chorar.

Quando te fui ver, Manel , agora e pela última vez, na capela de São Roque, também eu chorei.

Um abraço grande e até sempre

Manuel Maria M. Pinto Machado (92/1953)
 
*Texto publicado na revista ZACATRAZ, da Associação dos Antigos Alunos do Colégio Militar, com a devida vénia

1 comentário:

A.R.Costa disse...

Uma bela e justa homenagem ao Manuel Novais, meu grande companheiro nas andanças fluviais da Guiné entre 1971 e 1973.