sexta-feira, 23 de outubro de 2009

CÁ NÃO HÁ DISTO


Os acordos entre Brasil e França possibilitaram contratos para a construção de quatro submarinos de propulsão convencional e o desenvolvimento do projeto de um submarino de propulsão nuclear. A Marinha do Brasil deve receber 16 novos helicópteros, e dois dos três finalistas na seleção para o novo caça da Força Aérea Brasileira (FAB) têm versões navais.
Se tivesse sido elaborada por militares, a Estratégia Nacional de Defesa (END) seria um documento mais conservador. Há muito habituadas a "racionalizar a penúria", as Forças Armadas brasileiras costumam elaborar estimativas austeras, com relação às suas necessidades materiais e aos recursos que deveriam ser disponibilizados para atendê-las.
O modesto Programa de Reaparelhamento da Marinha (PRM) incluía metas e projetos para obtenção de meios flutuantes, aéreos e de fuzileiros navais até 2014. O novo e ambicioso Plano de Equipamento e Articulação da Marinha (PEAMB) cobre o período 2010-30 e divide-se em três fases, visando a metas de curto (2010-14), médio (2015-22) e longo prazo (2023-30).
Para que os projetos previstos no PEAMB sejam efetivamente executados, será necessário um fluxo contínuo de recursos financeiros. Recentemente, o ministro da Defesa estimou o custo anual dos planos decorrentes da END em 0,7% do Produto Interno Bruto (PIB), até 2030. Resistirão tais planos a uma possível onda de "austeridade fiscal"?
Devemos considerar também as oscilações da política internacional. Os acordos assinados resultam de uma parceria estratégica entre o Estado brasileiro e o Estado francês? Serão executados integralmente, mesmo após mudanças de governo? Poderão ser prejudicados por pressões de outros países?
Entre as inovações propostas pela END, está o fortalecimento do ministro da Defesa, o qual passaria a nomear os comandantes das três forças singulares e a promover seus oficiais-generais - atribuições até hoje privativas do comandante supremo das Forças Armadas, que é o presidente da República.
É aconselhável que o ministro da Defesa e os comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, assim como o chefe do Estado-Maior de Defesa, sejam todos da inteira confiança do presidente. Na opinião de constitucionalistas, o exercício do comando supremo, assim como a nomeação dos chefes militares, são atribuições privativas e indelegáveis.
As propostas de reformulação do Estado-Maior de Defesa (EMD) e de criação de estados-maiores regionais ou núcleos de comandos conjuntos aparentemente resultam da leitura apressada do modelo de estrutura militar adotado nos países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).
Em tal modelo, o comandante de cada uma das forças singulares - qualquer que seja a denominação deste cargo - é o chefe do respectivo Estado-Maior. A nomeação de ministros ou secretários civis para pastas militares sempre foi prática comum nesses países, mesmo antes da criação de um ministério ou departamento unificado para a Defesa.
Com relação ao desenvolvimento do Poder Naval, a END não diverge muito da visão defendida pela Marinha. A prioridade conferida inicialmente à tarefa de negação do uso do mar, em relação às de projeção de poder e controle de áreas marítimas, pode ser atribuída à necessidade de justificar a construção de submarinos com propulsão nuclear.
A ênfase na Amazônia e no Atlântico Sul, como áreas prioritárias para a defesa nacional, foi mantida. Duas áreas marítimas consideradas essenciais, a faixa litorânea de Santos a Vitória (onde se localizam enormes reservas petrolíferas) e a área em torno da foz do Amazonas, constituem "chokepoints" (áreas focais) de grande importância estratégica.
O desenvolvimento seqüencial visaria à constituição de uma Marinha oceânica polivalente, com capacidade expedicionária, constituída por duas Esquadras e dois núcleos anfíbios, operando ao sul e ao norte da cintura Natal-Dacar - além dos meios que constituem as forças distritais e os serviços de hidrografia, navegação e segurança do tráfego aquaviário.
Além da obtenção de novos meios flutuantes, está prevista a modernização dos existentes, inclusive o navio-aeródromo São Paulo. Este poderá ser substituído, depois de 2025, por um NAe capaz de operar com aeronaves modernas - possivelmente produzidas pela indústria aeronáutica nacional.
Algum tipo de navio-aeródromo de helicópteros de assalto (NAeHA) também poderá ser construído para a Marinha do Brasil. A capacidade anfíbia deve ser ampliada, assim como a de apoio logístico móvel. A guerra de minas é um setor especializado e pouco mencionado, cujos meios também necessitam de renovação e modernização.
Poderá ser construída uma centena de navios até 2030. No período até 2014, devem ser feitas encomendas de diversas unidades baseadas em projetos já em uso em outros países. Entre 2015 e 2030, acredita-se que sejam construídos meios projetados no Brasil, com tecnologia e experiência obtidas na fase anterior.
A Marinha deve incrementar sua capacidade de comando e controle, pela ampliação do Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul (SisGAAz), com sensores fixos e móveis, e pela modernização das comunicações via satélite. A ampliação da base industrial de defesa, com ênfase nos setores nuclear, cibernético e espacial, é uma prioridade da END.
Esta estratégia resulta de iniciativa do próprio presidente da República. É a primeira vez desde o século passado, que tal coisa ocorre em nosso país. Em 2030, o Brasil terá maior destaque no mundo e será mais forte e próspero do que hoje. Suas Forças Armadas devem preparar-se desde já, a fim de enfrentar os desafios do futuro.
Eduardo Italo Pesce
Especialista em Relações Internacionais, professor no Centro de Produção de Uerj e colaborador permanente do Cepe/EGN. (Centro estudos estratágicos-Escola de guerra naval)
Uerj-Univ.Estado do Rio Janeiro

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