domingo, 23 de novembro de 2014

UMA OPINIÃO VÁLIDA

'Independentemente do julgamento judicial, o país deve fazer um julgamento político de Sócrates'
 FOTO TIAGO MIRANDA
Nunca um ex-primeiro-ministro tinha sido detido em Portugal. Mas este ano houve outras "estreias" judiciais. As condenações dos ex-ministros Maria de Lurdes Rodrigues e Armando Vara, a detenção de Ricardo Salgado ou a prisão domiciliária do diretor de uma polícia também não tinham paralelo. A justiça está a mudar?A justiça vem mudando há anos. Digamos que agora começamos a ver alguns resultados. Há uma nova geração de magistrados muito mais sensível à opinião pública. O poder político está muito fragilizado e descredibilizado. A crise financeira tornou os operadores judiciários e a opinião pública em geral mais exigente em relação à corrupção e abusos de poder (económico e político). E, não podemos esquecer, há um contexto europeu de legislação recente e práticas judiciárias internacionais que convocam a uma maior intervenção do poder judicial em Portugal. Certamente esta mudança da justiça é independente da titular do Ministério da Justiça, que, infelizmente e de forma desastrada, reclama na comunicação social méritos que não tem neste processo. 
A detenção de um ex-primeiro-ministro deve ser igual à de qualquer outra pessoa ou tem de haver um cuidado especial das autoridades por ser um antigo chefe de Governo e poder também estar em causa a imagem do país e da democracia? Um ex-primeiro-ministro não é igual a qualquer outra pessoa, como diz o populismo justicialista. As repercussões internacionais e o dano causado à imagem do país e à credibilidade das instituições são enormes. Consequentemente,  precisamente para que a lei seja igual para todos quando esses todos não são iguais, deverá haver um cuidado especial das autoridades. 
Sócrates é detido quando estava a chegar ao país, não a sair do país. Ricardo Salgado é detido em casa quando se tinha disponibilizado a ir, por si, prestar declarações. Em vários casos mediáticos, a atuação tem sido deter para interrogar. Esta deve ser a norma?Uma coisa é o que deve ser do ponto de vista legal (e sobre isso pronunciam-se os penalistas e os processualistas), outra coisa é o que deve ser do ponto de vista social. Socialmente, estas detenções são importantes para a imagem e credibilidade da justiça, sempre e quando correspondam, mais tarde, a acusações fundamentadas e provadas em tribunal. Caso todos estes processos terminem sem condenações, seja por falta de provas, seja for tecnicismos legais como a prescrição, então a atuação das autoridades judiciárias é muito negativa. 
Muitas destas detenções são precedidas de fugas de informação para a comunicação social e filmadas em direto. A justiça está a transformar-se num circo mediático?Não. Nós é que vivemos num mundo mediático, em Portugal como em qualquer parte do mundo. Temos sido testemunhas de imensos circos mediáticos semelhantes em Espanha, França e Itália, sem que os comentadores do costume se queixem. Porque o mundo do século XXI é assim. Querer aplicar em 2014 regras e considerações processuais de há 50 anos não vai funcionar. E não funciona. 
A detenção para interrogatório e a divulgação dessas imagens pode contribuir para um julgamento popular dos envolvidos?Ainda bem. A opinião pública pode e deve fazer um julgamento político, independentemente do julgamento legal e judicial. A política e a justiça não são a mesma coisa. Assim como a justiça deve fazer o seu julgamento sem interferência da política, a política - o governo da polis - deve fazer o seu julgamento. O maior disparate que existiu em Portugal nos últimos anos, e não o ouvi nem em Espanha nem em Itália, é tentar que o julgamento político siga ou esteja sujeito aos mesmos critérios do julgamento penal. Se o julgamento político é populista e irresponsável isso revela umas instituições políticas e sociais fracas e descredibilizadas. Será certamente um problema político e social, até cultural, mas não um problema legal como se pretende em muitas análises que se fazem em Portugal. A presunção de inocência e o 'in dubio pro reo' são princípios jurídicos - não são, não devem ser e não podem ser princípios políticos. 
Passar a ideia que os poderosos afinal não estão acima da lei vai mudar a imagem da justiça em Portugal e recuperar algum prestígio perdido dos magistrados, cujo reconhecimento junto dos portugueses tem vindo a cair, como revelam os barómetros de opinião?Se derem lugar a condenações exemplares, sim. Caso não tenham efeitos práticos, não. Se as recentes condenações em primeira instância de ex-titulares de cargos políticos resultarem de um justicialismo perigoso e logo forem revogadas pelos tribunais superiores, como devem ser se assim for, então a imagem da justiça ficará ainda pior. 
Os recentes processos judiciais envolvendo altas figuras da administração do Estado, banqueiros e ex-governantes são reflexo de uma democracia forte, que trata todos por igual, independentemente do poder, ou de uma democracia minada pela corrupção e pelo tráfico de influências, generalizados na sociedade?Infelizmente são reflexo de umas elites económicas e políticas putrificadas pela corrupção e pela impunidade


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