segunda-feira, 6 de abril de 2009

ABANDONADA

Caro amigo:
Três quilómetros de comprimento e 300 a 400 metros de largura. É isto a Ilha de Moçambique, uma língua de terra a rebentar de gente, onde as praias são as casas de banho e onde quase todos os edifícios ameaçam ruína. Não se percebe onde está o encanto. Mas está.À ilha, património mundial desde 1991, primeira capital de Moçambique (até 1898), chegou Vasco da Gama em 1498, na rota da Índia, e nove anos depois os portugueses ocuparam-na. É um pedaço de terra riquíssimo em história, a desmoronar-se, pedra a pedra, todos os dias mais um bocadinho.Hoje chega-se a ela por uma ponte, construída na década de 60, também a pedir reforma. E faz calor, pelo que me disseram sempre muito calor. E são casas e casas, ruas inteiras, de ruínas. E são restos da presença portuguesa em cada canto. E é a fortaleza de São Sebastião, agora a ser restaurada, depois de as figueiras bravas quase a terem consumido por inteiro, apesar de ser a maior da África Austral.Estive lá nem chegou a 24 horas, o suficiente para querer lá voltar, com mais tempo. Porque se está bem na ilha. Caminha-se sem medo nas ruas, mesmo de noite, onde as pessoas ficam à soleira da porta, nos bancos dos jardins, conversando, crianças brincando na praia ao fim do dia, quando as casas da ilha ficam amarelas, fazendo lembrar a luz de Lisboa.Vive-se devagar ali, sem medos. Quando há tempos um português foi questionar a polícia sobre um possível assalto foi preso. Acusado de espalhar boatos. É talvez, também, pela falta dele que as pessoas são excepcionalmente simpáticas e prestáveis, até com os estrangeiros, a troco de um sorriso e um obrigado.Vive-se devagar a olhar o mar calmo, a ilha de Goa ao fundo, o continente do outro lado, e dorme-se cedo, porque a vida começa ainda mais. Na manhã que me vim embora visitei a fortaleza às sete da manhã, o sol impiedoso por volta das oito, os alunos já com duas horas de classe.Conheci alguns, durante a tarde, o Diogo, de 12 anos, o Cláudio, de 13, que passam o tempo livre à cata de turistas, para os convencer a comprar uma visita guiada aos principais monumentos. Feita obviamente por eles, prometendo mais de 500 anos de história mas tropeçando depois nos factos, porque por 100 ou 200 meticais, cinco ou seis euros, não podes querer um José Hermano Saraiva.O Diogo e o Cláudio, de famílias pobres, são dois dos cerca de 15.000 habitantes, o triplo da capacidade, a maior parte em casas de colmo, a pesca por profissão e uma ilha que é um museu abandonado.Mas encanta. As pessoas. A arquitectura. As cores. O mar. A ilha.Um abraçoFernando Peixeiro
“Esta Ilha pequena, que habitamos,
É em toda esta terra certa escala
De todos os que as ondas navegamos,
De Quíloa, de Mombaça e de Sofala
E, por ser necessária, procuramos,
Como próprios da terra, de habitá-la;
E por que tudo enfim vos notifique,
Chama-se a pequena Ilha - Moçambique”.(Camões)

Com a devida vénia. Texto de Fernando Peixeiro




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