Com o devido respeito , transcrevemos esta magnífica prosa:
O senhor doutor Pedro Lomba , no seu artigo “Os militares e povo”, peço licença, não está a ver bem a coisa.
Parte de vários pressupostos incorrectos donde a falta de visão. Os militares nunca foram, em Portugal, um braço político, nem em 1910, nem em 1926 e muito menos em 1974. Nessas datas marcantes, 5 de outubro, 28 de maio e 25 de abril, foram sim instrumento, mais ou menos consciente, da interpretação de condições socio económicas e outras que os obrigaram, em último recuso, a possibilitar uma mudança politica, necessária em consequência da incapacidade dos regimes, que nessas datas soçobraram, se auto regenerarem.
É certo que houve e há militares com “apetência política” donde os Paiva Couceiros versus Machado dos Santos, Sinel de Cordes versus Cabeçadas, Spinola versus Costa Gomes, para não nomear vivos, e dai também os pequenos golpes e contra golpes de que a época recente terá sido a mais fértil embora menos prolongada.
Obviamente que tomar ou tentar tomar o poder politico pela força das armas é um acto eminentemente politico mas isso não faz das dos militares políticos nem das Forças Armadas um braço politico. Braço de que corpo? Em 1910 do Partido Republicano, em 1926 da Acção Católica, em 25 de Abril do Partido Comunista, em 25 de Novembro do Partido Socialista? Saberá certamente que, talvez com excepção da última data, os intervenientes militares operacionais eram uma percentagem menor dos efectivos das Forças Armadas que só posteriormente, enquanto corpo, aderiram à nova ordem.
Uma coisa é a percepção que o exterior pode ter de uma instituição e outra a sua real natureza. Se o doutor Pedro Lomba acha que as Força Armada Portuguesas “há muito tempo perderam consciência da sua própria excepção e autoridade” engana-se, desde logo porque elas nunca tiveram a autoridade, no sentido politico, como um valor e por outro não deixaram de cultivar princípios que as mantem na excepcionalidade. Excepcionalidade que resulta também, como bem afirma o general Loureiro dos Santos, de terem obrigações, direitos e deveres que as diferenciam doutros corpos, máxime, o juramento solene de defender a Pátria com o sacrifício da própria vida. Não me admiraria, nem levo a mal, que o senhor doutor Pedro Lomba já se esteja a rir. Mas é assim, os militares acreditam nisto. Claro que não deveria haver pátrias nem força armadas e todos deveríamos ser filhos de uma fraterna humanidade. Mas deveremos ser nós os primeiros a acabar com as Forças Armadas e com a Pátria? Porque não começa a Holanda, por exemplo?
Mas o general Luís Araújo também tem razão e, embora não reconhecido com sumo pontífice, é dogmático e infalível para os militares quando afirma que eles também são cidadãos atentos.
O perigo de uma ruptura não vem deste “abaixamento” dos militares à condição terrena de cidadãos e de seres humanos com alma, é desta dialéctica entre naturezas que coexistem nos militares; serem cidadãos e estarem empenhados na defesa da Pátria, amarrados por um solene juramento que querem honrar, que por vezes pode resultar a interpretação que conduz a essa ruptura. Daqui também que os militares, enquanto “seres humanos com sentimentos, família e alma” se dividam sobre a existência ou não de associações profissionais.
Acredite senhor doutor que o 25 de Abril de 1974 não resultou meramente do descontentamento da tropa e nem todos receiam que a Europa retaliará a sério.
Bom será que as Forças Armadas, a Guarda Nacional Republicana e as policias respeitem a Constituição da República Portuguesa mas o poder politico tem a obrigação de também as respeitar e dignifica-las, nomeadamente não compelindo os seus membros, enquanto cidadãos, a virem para a rua ataviados ou não e muito menos, enquanto corpos, armados.
Com os melhores cumprimentos
Luís A N Paiva de Andrade
Capitão de Mar e Guerra REF.
Capitão de Mar e Guerra REF.
In: Água aberta no OCeano
Sem comentários:
Enviar um comentário