20º ANIVERSÁRIO DA AOFA
20 – 10 – 2012
Na qualidade de presidente da Assembleia Geral
da Associação de Oficiais das Forças Armadas, é com o maior gosto que
cumprimento todos os participantes nesta sessão comemorativa do seu 20º
aniversário.
E começo por expressar a todas as
entidades convidadas, que se dignaram honrar-nos com a sua ilustre presença, o
prazer que tivemos na sua companhia e que tomamos não só como um acto de
cortesia, mas também de consideração pelo trabalho da nossa associação em prol
da dignidade da instituição militar, um dos pilares básicos de salvaguarda da
soberania de qualquer estado-nação que se preze de o ser.
Também gostaria de referir que a
escolha da cidade de Santarém como palco desta nossa comemoração foi, em meu
entender, uma escolha muito feliz. Na verdade, esta cidade tem tradições
castrenses que remontam ao tempo da ocupação romana da península ibérica, que
se mantiveram durante todo o período da ocupação árabe e que continuaram após a
conquista da cidade, em 1147 pelo nosso primeiro rei D. Afonso Henriques, o
qual, à frente de um pequeno exército e tirando o máximo partido do factor
surpresa, corajosamente a tomou através de um audacioso ataque noturno.
Durante a terceira invasão francesa
liderada pelo General Massena, a cidade assumiu um papel estratégico-militar
fundamental após nela ter sido estabelecido o quartel-general da tropa
invasora. Sitiadas pelas forças luso-britânicas comandadas pelo General
Wellington, em 1811, as forças francesas sofreram aqui duros reveses, o que
contribuiu decisivamente para a sua derrota e definitiva expulsão do País.
Foi ainda uma cidade de primeira
linha nas lutas liberais, em que se destacaram, entre outros, os seus insignes
filhos Sá da Bandeira, Passos Manuel e Braancamp Freire.
Desde os primórdios da República
até aos anos 50 do século passado, aqui se estabeleceram e mantiveram o
Regimento de Cavalaria 4 e o Regimento de Artilharia Ligeira. A saída da cidade
destes Regimentos foi substituída, até há poucos anos, pela Escola Prática de
Cavalaria, a qual com a reestruturação do Exército levada a cabo, já no século
XXI, foi então transferida para Abrantes.
Recorde-se ainda que foi desta cidade que, na
madrugada de 25 de Abril de 1974, partiu da Escola Prática de Cavalaria uma das
colunas militares que haveria de ter um papel decisivo no sucesso do movimento
revolucionário que derrubou o anterior regime, comandada por outro dos seus
ilustres filhos – o então capitão Salgueiro Maia - que hoje justamente
homenageámos durante a presente comemoração. Homem de carácter íntegro, tinha
tanto de corajoso e determinado, como aliás muitos portugueses tiveram a
oportunidade de ver através da cobertura televisiva feita nessa altura aos
acontecimentos, como de modesto e desprendido do reconhecimento que esses seus
valorosos actos bem mereciam.
Infelizmente, quis o destino que
esta homenagem que lhe quisemos dedicar só possa ter sido concretizada por
invocação da sua saudosa memória. E nunca é demais invocá-la uma vez que, tal
como aconteceu com outras grandes figuras da História, a mesquinhez humana
impediu que lhe fosse feita, em vida, a devida justiça pelo seu importante
papel no nosso destino comum.
Não querendo fazer qualquer
paralelo com a situação que se vivia nessa altura, o facto é que, apesar de se
manter em regime democrático, o País atravessa mais uma vez uma profunda crise
política, económica, social e moral, que não nasceu espontaneamente. Podem
justificadamente atribuir-se culpas às conjunturas internacional e europeia,
mas elas de facto não explicam tudo. A crise nacional tem também culpados com
rosto, sobretudo de entre os que ocupam ou ocuparam cargos políticos: uns por
condutas eticamente reprováveis no exercício de cargos públicos, ou mesmo claramente
indiciados pela prática de crimes que resultaram em substanciais delapidações
do erário público, e que na sua maioria o sistema judicial tarda ou se mostra
incapaz de julgar; outros por manifesta incompetência, graves omissões, falta
de uma visão estratégica ou falta de coragem para enfrentar seriamente os
graves problemas que afectam a nação portuguesa.
E é curioso constatar que uma boa
parte desses políticos, com um quase total desconhecimento do que é a
administração pública, por nunca nela terem servido para além dos cargos
políticos que exercem ou exerceram, o que se traduz na sua notória incapacidade
para a reestruturar e gerir capazmente, se arroguem o direito de a julgar,
menosprezando-a e procurando passar, levianamente, para a opinião pública um
anátema de incompetência, ineficácia e privilégios injustificados lançado sobre
a generalidade do funcionalismo público, desmotivando assim muitos dos seus
melhores e mais dedicados servidores, quando afinal uma das principais causas
da sua propalada ineficácia radica nas deficiências de liderança que resultam
do assalto à administração pública desencadeado pelas máquinas partidárias de
sucessivos governos. Na verdade, desde há largos anos que tal assalto se tem
concretizado através das maciças nomeações de inexperientes e impreparados
cidadãos para cargos de chefia, sem concurso público e obedecendo quase que
exclusivamente a meros critérios de filiação ou compadrios partidários, num
total desrespeito pelos funcionários de carreira mais competentes e dedicados,
que se veem assim coartados nas suas legítimas aspirações de acesso a esses
cargos e, ainda por cima, submetidos à incompetência, arrogância e oportunismo
de muitas dessas chefias.
Felizmente no que às Forças
Armadas respeita, porque constituem um corpo especial dentro da administração
pública, com a sua hierarquia própria, como não podia deixar de ser, este tipo
de assalto só tem sido possível dentro das estruturas específicas do Ministério
da Defesa, através do aumento progressivo da ocupação de cargos de direcção e
chefia por civis em detrimento de militares. Note-se no entanto que este
processo tende presentemente a alargar-se a determinadas estruturas de apoio
social aos militares, como é, por exemplo, o caso do IASFA (Instituto de Acção
Social das Forças Armadas), da ADM (Assistência na Doença aos Militares) e da
saúde militar em geral, num claro aproveitamento oportunista da reestruturação
hospitalar em curso. São pois situações a que, pela sua relevância no contexto
do estatuto da condição militar e por envolver até património que foi total ou
parcialmente pago com as nossas quotizações (caso do IASFA), não podemos
obviamente deixar de prestar a máxima atenção numa firme defesa dos legítimos
direitos que nos assistem em tão sensível matéria.
Entretanto, a todas as
fragilidades políticas atrás descritas não são naturalmente alheias as manobras
sub-reptícias e a cruel frieza de poderosas forças e lobbies nacionais,
estrangeiros e transnacionais, cujos interesses próprios conflituam
drasticamente com os mais importantes interesses nacionais e que,
aproveitando-se da situação dramática a que o País chegou, não hesitam em
procurar comer a magra carne que ainda lhe cobre os ossos, tal como os abutres
perante as suas moribundas vítimas.
O povo português, de que os
militares naturalmente não se excluem, sente-se por isso crescentemente
inconformado e revoltado por não perceber como tanta desgraça lhe pode estar a
cair em cima. O termo “austeridade” continua a ser o termo dominante no
discurso e na acção política de quem nos governa. E em consequência, o
desemprego, a pobreza, a fome e as injustiças sociais crescem a ritmos
altamente preocupantes. A democracia conquistada em Abril de 1974 e reforçada
em Novembro de 1975, não nos esqueçamos que por interferência directa de
militares, aparenta estar em perigo. O desnorte político e o aumento da
conflitualidade social infelizmente não auguram nada de bom, por muitas que
sejam as promessas que os desacreditados poderes políticos dominantes possam
fazer. Na verdade, tem havido fortes motivos para nelas não se acreditar, tanto
mais que a apregoada justiça na repartição dos esforços por toda a sociedade,
na presente situação de emergência, continua na prática a não passar de um
mito.
Em resumo, temos um País sem um
futuro de esperança e tranquilidade que se possa vislumbrar no horizonte, o
qual antes se mostra cada vez mais carregado de nuvens negras. E isto,
sobretudo, por falta da visualização de estratégias, consensualmente
convincentes, que apontem de forma clara e realista rumos para o seu gradual
enriquecimento pela via mais consistente em que, afinal, todas as forças
políticas parecem convergir - a do crescimento económico.
Perante este panorama nada
animador, que podem fazer os militares?
Cruzar os braços, assistindo
passivamente ao trilhar de caminhos que levem à destruição da democracia?
Decididamente que não. Não nos parece, em face da extrema gravidade da
situação, uma atitude aceitável. Presentemente, as sucessivas humilhações a que
os militares têm sido sujeitos, com perigosos reflexos na sua motivação e na
capacidade operacional das próprias Forças Armadas, que já atinge níveis
incomportáveis até no cumprimento das suas responsabilidades e missões
rotineiras estabelecidas para tempo de paz, já parecem secundárias perante tão
negro panorama nacional. Não podemos assistir impavidamente nem a uma possível
destruição da democracia, nem à destruição da instituição militar pelo que ela
representa em termos de soberania e independência nacionais.
Pegar em armas para forçar uma
mudança de regime? Também não nos parece que a actual situação o justifique, se
partirmos do pressuposto de que se mantem a possibilidade de uma regeneração do
presente quadro político através das virtualidades próprias do regime democrático
em que ainda vivemos e no qual devemos continuar a acreditar, pelo menos
enquanto houver alguma esperança de que dele possam ser erradicadas as suas
mais vis e perniciosas excrescências.
Julgamos que a atitude mais
consentânea com a actual situação é a de dar exemplos de grande dignidade e
cidadania, mantendo uma vigilância activa, firme e determinada, no sentido de
exigir ao poder político, em consonância com as decisões dos competentes
tribunais, o cumprimento da Constituição e das Leis da República, conforme é
nossa obrigação moral perante o Juramento de Bandeira feito quando solenemente
assumimos a nossa condição militar. E para isso devemos usar, sem hesitação, de
todos os direitos e liberdades que a Lei nos confere no quadro das nossas
especiais responsabilidades, preferencialmente através da possível convergência
de esforços nas atitudes e nas acções que visem manter a coesão e disciplina
militares e uma imagem digna perante os nossos concidadãos. Esse será, em nossa
opinião, o melhor capital moral a preservar para o próprio futuro das Forças
Armadas e para manter intacto o seu insubstituível papel no seio da sociedade
portuguesa.
Assim o exigem as
responsabilidades constitucionais que às Forças Armadas competem como último
garante da liberdade e independência da nossa Pátria.
Vivam as Forças Armadas
Portuguesas! Viva Portugal!
José Manuel Castanho Paes
(Alm. Ref.)
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