quarta-feira, 24 de outubro de 2012

MENSAGEM


                                                    20º ANIVERSÁRIO DA AOFA
                                                                20 – 10 – 2012

 Na qualidade de presidente da Assembleia Geral da Associação de Oficiais das Forças Armadas, é com o maior gosto que cumprimento todos os participantes nesta sessão comemorativa do seu 20º aniversário.
E começo por expressar a todas as entidades convidadas, que se dignaram honrar-nos com a sua ilustre presença, o prazer que tivemos na sua companhia e que tomamos não só como um acto de cortesia, mas também de consideração pelo trabalho da nossa associação em prol da dignidade da instituição militar, um dos pilares básicos de salvaguarda da soberania de qualquer estado-nação que se preze de o ser.
Também gostaria de referir que a escolha da cidade de Santarém como palco desta nossa comemoração foi, em meu entender, uma escolha muito feliz. Na verdade, esta cidade tem tradições castrenses que remontam ao tempo da ocupação romana da península ibérica, que se mantiveram durante todo o período da ocupação árabe e que continuaram após a conquista da cidade, em 1147 pelo nosso primeiro rei D. Afonso Henriques, o qual, à frente de um pequeno exército e tirando o máximo partido do factor surpresa, corajosamente a tomou através de um audacioso ataque noturno.
Durante a terceira invasão francesa liderada pelo General Massena, a cidade assumiu um papel estratégico-militar fundamental após nela ter sido estabelecido o quartel-general da tropa invasora. Sitiadas pelas forças luso-britânicas comandadas pelo General Wellington, em 1811, as forças francesas sofreram aqui duros reveses, o que contribuiu decisivamente para a sua derrota e definitiva expulsão do País.
Foi ainda uma cidade de primeira linha nas lutas liberais, em que se destacaram, entre outros, os seus insignes filhos Sá da Bandeira, Passos Manuel e Braancamp Freire.
Desde os primórdios da República até aos anos 50 do século passado, aqui se estabeleceram e mantiveram o Regimento de Cavalaria 4 e o Regimento de Artilharia Ligeira. A saída da cidade destes Regimentos foi substituída, até há poucos anos, pela Escola Prática de Cavalaria, a qual com a reestruturação do Exército levada a cabo, já no século XXI, foi então transferida para Abrantes. 
 Recorde-se ainda que foi desta cidade que, na madrugada de 25 de Abril de 1974, partiu da Escola Prática de Cavalaria uma das colunas militares que haveria de ter um papel decisivo no sucesso do movimento revolucionário que derrubou o anterior regime, comandada por outro dos seus ilustres filhos – o então capitão Salgueiro Maia - que hoje justamente homenageámos durante a presente comemoração. Homem de carácter íntegro, tinha tanto de corajoso e determinado, como aliás muitos portugueses tiveram a oportunidade de ver através da cobertura televisiva feita nessa altura aos acontecimentos, como de modesto e desprendido do reconhecimento que esses seus valorosos actos bem mereciam.
Infelizmente, quis o destino que esta homenagem que lhe quisemos dedicar só possa ter sido concretizada por invocação da sua saudosa memória. E nunca é demais invocá-la uma vez que, tal como aconteceu com outras grandes figuras da História, a mesquinhez humana impediu que lhe fosse feita, em vida, a devida justiça pelo seu importante papel no nosso destino comum.
Não querendo fazer qualquer paralelo com a situação que se vivia nessa altura, o facto é que, apesar de se manter em regime democrático, o País atravessa mais uma vez uma profunda crise política, económica, social e moral, que não nasceu espontaneamente. Podem justificadamente atribuir-se culpas às conjunturas internacional e europeia, mas elas de facto não explicam tudo. A crise nacional tem também culpados com rosto, sobretudo de entre os que ocupam ou ocuparam cargos políticos: uns por condutas eticamente reprováveis no exercício de cargos públicos, ou mesmo claramente indiciados pela prática de crimes que resultaram em substanciais delapidações do erário público, e que na sua maioria o sistema judicial tarda ou se mostra incapaz de julgar; outros por manifesta incompetência, graves omissões, falta de uma visão estratégica ou falta de coragem para enfrentar seriamente os graves problemas que afectam a nação portuguesa.
E é curioso constatar que uma boa parte desses políticos, com um quase total desconhecimento do que é a administração pública, por nunca nela terem servido para além dos cargos políticos que exercem ou exerceram, o que se traduz na sua notória incapacidade para a reestruturar e gerir capazmente, se arroguem o direito de a julgar, menosprezando-a e procurando passar, levianamente, para a opinião pública um anátema de incompetência, ineficácia e privilégios injustificados lançado sobre a generalidade do funcionalismo público, desmotivando assim muitos dos seus melhores e mais dedicados servidores, quando afinal uma das principais causas da sua propalada ineficácia radica nas deficiências de liderança que resultam do assalto à administração pública desencadeado pelas máquinas partidárias de sucessivos governos. Na verdade, desde há largos anos que tal assalto se tem concretizado através das maciças nomeações de inexperientes e impreparados cidadãos para cargos de chefia, sem concurso público e obedecendo quase que exclusivamente a meros critérios de filiação ou compadrios partidários, num total desrespeito pelos funcionários de carreira mais competentes e dedicados, que se veem assim coartados nas suas legítimas aspirações de acesso a esses cargos e, ainda por cima, submetidos à incompetência, arrogância e oportunismo de muitas dessas chefias.
Felizmente no que às Forças Armadas respeita, porque constituem um corpo especial dentro da administração pública, com a sua hierarquia própria, como não podia deixar de ser, este tipo de assalto só tem sido possível dentro das estruturas específicas do Ministério da Defesa, através do aumento progressivo da ocupação de cargos de direcção e chefia por civis em detrimento de militares. Note-se no entanto que este processo tende presentemente a alargar-se a determinadas estruturas de apoio social aos militares, como é, por exemplo, o caso do IASFA (Instituto de Acção Social das Forças Armadas), da ADM (Assistência na Doença aos Militares) e da saúde militar em geral, num claro aproveitamento oportunista da reestruturação hospitalar em curso. São pois situações a que, pela sua relevância no contexto do estatuto da condição militar e por envolver até património que foi total ou parcialmente pago com as nossas quotizações (caso do IASFA), não podemos obviamente deixar de prestar a máxima atenção numa firme defesa dos legítimos direitos que nos assistem em tão sensível matéria.
Entretanto, a todas as fragilidades políticas atrás descritas não são naturalmente alheias as manobras sub-reptícias e a cruel frieza de poderosas forças e lobbies nacionais, estrangeiros e transnacionais, cujos interesses próprios conflituam drasticamente com os mais importantes interesses nacionais e que, aproveitando-se da situação dramática a que o País chegou, não hesitam em procurar comer a magra carne que ainda lhe cobre os ossos, tal como os abutres perante as suas moribundas vítimas.
O povo português, de que os militares naturalmente não se excluem, sente-se por isso crescentemente inconformado e revoltado por não perceber como tanta desgraça lhe pode estar a cair em cima. O termo “austeridade” continua a ser o termo dominante no discurso e na acção política de quem nos governa. E em consequência, o desemprego, a pobreza, a fome e as injustiças sociais crescem a ritmos altamente preocupantes. A democracia conquistada em Abril de 1974 e reforçada em Novembro de 1975, não nos esqueçamos que por interferência directa de militares, aparenta estar em perigo. O desnorte político e o aumento da conflitualidade social infelizmente não auguram nada de bom, por muitas que sejam as promessas que os desacreditados poderes políticos dominantes possam fazer. Na verdade, tem havido fortes motivos para nelas não se acreditar, tanto mais que a apregoada justiça na repartição dos esforços por toda a sociedade, na presente situação de emergência, continua na prática a não passar de um mito.
Em resumo, temos um País sem um futuro de esperança e tranquilidade que se possa vislumbrar no horizonte, o qual antes se mostra cada vez mais carregado de nuvens negras. E isto, sobretudo, por falta da visualização de estratégias, consensualmente convincentes, que apontem de forma clara e realista rumos para o seu gradual enriquecimento pela via mais consistente em que, afinal, todas as forças políticas parecem convergir - a do crescimento económico.
Perante este panorama nada animador, que podem fazer os militares?
Cruzar os braços, assistindo passivamente ao trilhar de caminhos que levem à destruição da democracia? Decididamente que não. Não nos parece, em face da extrema gravidade da situação, uma atitude aceitável. Presentemente, as sucessivas humilhações a que os militares têm sido sujeitos, com perigosos reflexos na sua motivação e na capacidade operacional das próprias Forças Armadas, que já atinge níveis incomportáveis até no cumprimento das suas responsabilidades e missões rotineiras estabelecidas para tempo de paz, já parecem secundárias perante tão negro panorama nacional. Não podemos assistir impavidamente nem a uma possível destruição da democracia, nem à destruição da instituição militar pelo que ela representa em termos de soberania e independência nacionais.
Pegar em armas para forçar uma mudança de regime? Também não nos parece que a actual situação o justifique, se partirmos do pressuposto de que se mantem a possibilidade de uma regeneração do presente quadro político através das virtualidades próprias do regime democrático em que ainda vivemos e no qual devemos continuar a acreditar, pelo menos enquanto houver alguma esperança de que dele possam ser erradicadas as suas mais vis e perniciosas excrescências.
Julgamos que a atitude mais consentânea com a actual situação é a de dar exemplos de grande dignidade e cidadania, mantendo uma vigilância activa, firme e determinada, no sentido de exigir ao poder político, em consonância com as decisões dos competentes tribunais, o cumprimento da Constituição e das Leis da República, conforme é nossa obrigação moral perante o Juramento de Bandeira feito quando solenemente assumimos a nossa condição militar. E para isso devemos usar, sem hesitação, de todos os direitos e liberdades que a Lei nos confere no quadro das nossas especiais responsabilidades, preferencialmente através da possível convergência de esforços nas atitudes e nas acções que visem manter a coesão e disciplina militares e uma imagem digna perante os nossos concidadãos. Esse será, em nossa opinião, o melhor capital moral a preservar para o próprio futuro das Forças Armadas e para manter intacto o seu insubstituível papel no seio da sociedade portuguesa.
Assim o exigem as responsabilidades constitucionais que às Forças Armadas competem como último garante da liberdade e independência da nossa Pátria.
Vivam as Forças Armadas Portuguesas! Viva Portugal!        

José Manuel Castanho Paes
           (Alm. Ref.)
             

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