sábado, 9 de maio de 2009

OPERAÇÃO PIRATAS



PIRATARIA – UM COMBATE DIFÍCIL
Por. Com. Neves Correia(EMA)

“Na costa da Somália, o navio de guerra actuou, evitando um ataque de piratas sobre um navio
mercante, os presumíveis piratas renderam-se, foram desarmados e, após identificação, foram
colocados em liberdade”.
Esta e outras afirmações semelhantes têm sido lidas e ouvidas com muita frequência nos órgãos
de comunicação social. À perplexidade provocada pelo crescimento do fenómeno da pirataria em
pleno século XXI, juntam-se inúmeras interrogações sobre os factos e o seu enquadramento legal,
e que aqui, de uma forma necessariamente sucinta, nos propomos abordar.
Os longos 3025 Km da costa da Somália, onde se inclui o golfo de Adém, uma das mais
importantes rotas comerciais do mundo, têm sido patrulhados por cerca de 24 navios de guerra
pertencentes à União Europeia (Operação Atalanta), à NATO, a uma força internacional (CTF 151) liderada pelos EUA e a diversos países como a Rússia, a Índia, a China, a Malásia e o Japão, entre outros. Portugal comanda a força NATO, da qual a fragata N.R.P. Côrte-Real é o navio-chefe. Estes navios têm a sua actuação enquadrada, essencialmente, pelo Direito Internacional (DI), para além da legislação nacional. Com efeito, de acordo com a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), constitui pirataria todo o acto ilícito de violência ou de detenção, ou todo o acto de depredação (pilhagem) cometido, para fins privados, pela tripulação ou pelos passageiros de um navio, e dirigidos contra um navio em alto mar ou pessoas ou bens a bordo dos mesmos.
Ainda conforme esta Convenção, o comandante do navio de guerra tem legitimidade para actuar,
quando na presença de um acto de pirataria, e existe um dever de todos os Estados cooperarem
na repressão deste ilícito.
Neste contexto, pode afirmar-se que o DI concede aos Estados legitimidade para punir actos de
pirataria, considerada uma ofensa hedionda. No entanto, a Convenção não os declara criminosos,
pelo que a competência permitida pelo DI tem de ser legislada internamente. Neste sentido, é
necessário que o crime de pirataria esteja tipificado como tal na legislação penal nacional e que
seja considerado de jurisdição universal, i.e. que permita julgar estes actos, onde quer que eles
ocorram, independentemente de estar um cidadão nacional envolvido como agente ou como
vítima. Ora, em grande parte dos países europeus, incluindo Portugal, o acto de pirataria não está tipificado como crime no ordenamento jurídico interno, pelo que só podemos punir se os actos praticados pelos piratas poderem ser subsumidos a outros tipos de crime: captura ou desvio de navio, crime contra a segurança de transporte, homicídio, ofensas à integridade física, roubo, rapto, entre outros. Neste caso, com a dificuldade acrescida de nenhum dos crimes ser de
jurisdição universal, o que tem como consequência que só podemos julgar se o ilícito se
concretizar a bordo de um navio de pavilhão Português, ou se um cidadão Português for agente
ou vítima do crime.
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Como referido, não estando em causa a legitimidade para actuar que decorre, não só da
CNUDM, como da própria figura da legítima defesa, que nos permite defender quando estamos na presença de uma agressão ilícita, em execução ou iminente, contra nós ou contra terceiro, há
contudo necessidade de criar ferramentas jurídicas para que se possam julgar os piratas. As
dificuldades resultantes do escasso enquadramento penal desta matéria reflectem-se no acto da
detenção do agente. Assim, se não estiver em causa um cidadão português ou factos praticados a
bordo de um navio de pavilhão português, a detenção só se poderá efectuar se: (1) For possível
extraditar para um país que tenha legitimidade para julgar (caso tenha sido atacado um seu
nacional ou um navio com o seu pavilhão); (2) Forem utilizados shipriders - transporte a bordo de uma equipa de polícia do Estado costeiro, que aborda e detém os piratas, entregando-os ao seupaís; (3) For celebrado um Acordo Internacional para entrega dos detidos a um Estado que se
disponibilize para os julgar (caso do Quénia com o Reino Unido, EUA e União Europeia – só para
navios que integram a Operação Atalanta); (4) For criado um tribunal internacional ad hoc que
julgue os agentes deste tipo de crime. Sobra-nos ainda a hipótese de, após a actuação que evite a
concretização do crime, a detenção ser efectuada por um navio próximo, cujo país tenha jurisdição universal relativa ao crime de pirataria ou Acordo Internacional com um país da região.
Por fim, resta mencionar duas questões significativas: a actuação dos navios de guerra no mar
territorial (MT) da Somália e o uso da força. Como já foi referido, os actos de pirataria só ocorrem
em alto mar, pelo que os actos similares, designados por “assalto à mão armada contra navios”,
praticados dentro do MT de um Estado são da competência das autoridades desse Estado costeiro.
No caso da Somália, com a concordância do seu Transitional Federal Government, foram
aprovadas quatro Resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas (RCSNUs - 1816
(2JUN), 1838 (7OUT), 1846 (2DEZ) e 1851 (16DEZ), todas de 2008) que permitem a entrada no
MT da Somália para reprimir este tipo de actos.
No que diz respeito ao uso da força, esta deve ser empregue em conformidade com o DI. Os
princípios da necessidade e proporcionalidade devem ser considerados, tendo sempre em atenção que os meios usados terão de ser adequados aos fins, empregando o método disponível menos lesivo, mas eficaz, evitando-se excessos durante a intervenção. Os militares têm directivas sobre a utilização da força (regras de empenhamento), enquadradas pelo DI e pelas RCSNUs, que lhes permitem tomar todas as medidas necessárias em conformidade com o Direito Internacional Humanitário

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