Exmo. Senhor Tenente-General Carvalho dos
Reis
Digníssimo Chefe da Casa Militar de
Sua Excelência o Presidente da República
Sou militar, Vice-Almirante na situação de
reforma, oficial das Forças
Armadas Portuguesas que servi com orgulho,
honrando o juramento que prestei,
ao serviço da Pátria que fui incumbido de
defender.
Como militar que sou e educado que fui na
adesão a Valores como a honra, a
lealdade, a ética, a servir os interesses
que jurei e não outros, acreditará
que, porventura, mais que outros cidadãos,
estou disponível para
sacrificar-me pelo bem comum desde que
esteja em causa a sua prossecução,
como o atesta a concreta sujeição que a
minha condição me impõe,
nomeadamente quando me predispus a aceitar
disponibilidade permanente para
defender a Pátria se necessário com o
sacrifício da própria vida!
Não está pois, nem poderia estar em causa,
pretender eximir-me a sacrifícios
que vão sendo impostos à generalidade dos
cidadãos.
No entanto, verifico que, aos militares,
aos funcionários públicos, aos
elementos das forças e serviços de
segurança, reformados e pensionistas,
foram impostas as medidas de austeridade
mais gravosas.
Como servidor do Estado, à semelhança de
todos os meus concidadãos que o são
também, e como cidadão fardado, sujeito à
condição militar que me impôs
particulares deveres e me restringiu
direitos de cidadania, sinto-me
injustiçado e discriminado pela forma como
tenho vindo a ser penalizado a
pretexto do saneamento da dívida e do
défice públicos.
Recuando apenas ao ano de 2005, as
condições com que os militares se vêm
confrontando, têm vindo a ser continua e
violentamente deterioradas, ao
arrepio, inclusive, do que é acautelado
pela Lei das Bases gerais do
estatuto da condição militar a qual, para
compensar os militares dos
especiais deveres e restrições a que estão
sujeitos, consagra “especiais
direitos, compensações e regalias,
designadamente nos campos da segurança
social, assistência, remunerações,
cobertura de riscos, carreiras e
formação”. Subsidiariamente o mesmo
estatuto “garante aos militares e suas
famílias, de acordo com as condições
legalmente estabelecidas, um sistema de
assistência e proteção, abrangendo,
designadamente, pensões de reforma, de
sobrevivência e de pensões de preço de
sangue e subsídios de invalidez e
outras formas de segurança, incluindo
assistência sanitária e apoio social”.
Nada disso tem sido levado na devida conta.
Bem pelo contrário! Têm vindo a
ser implementadas sucessivas medidas,
tratando por igual quem manifestamente
deve ser tratado de forma diferente porque,
diferentes, são também as
condições em que servem ou serviram, em
circunstâncias sem paralelo na
sociedade.
E, a culminar a desconsideração a que eu e
todos os militares temos sido
sujeitos, tiveram por bem os responsáveis
pela governação, proceder ao corte
dos subsídios de férias e de natal em 2012
e anos seguintes, sem
previsibilidade do seu restabelecimento, a
juntar às reduções remuneratórias
operadas a partir de 2011 para os que se
encontram nas situações de ativo e
de reserva.
Medidas eivadas de evidente falta de
justiça e equidade, com contornos que
considero aproximarem-se da imoralidade.
Porque me questiono quanto à razão ou
razões que determinam que a um
universo de cidadãos (aos que servem a
coisa pública), seja conferido um
tratamento diferenciado, desigual e
particularmente penalizador
relativamente aos restantes cidadãos!
Onde está a equidade quando, aos que
exercem atividades na esfera do Estado,
relacionadas, por conseguinte, com serviços
prestados à comunidade, perante
uma divida pública e um défice considerados
excessivos, são imputadas
particulares responsabilidades para as
quais, tal como a maioria dos
restantes cidadãos, em nada concorreram?
Trata-se de uma situação objetivamente
desprovida de qualquer sentido e
arredada de equivalente noção de senso de
justiça já que, admitindo-se a
necessidade de solucionar o problema
relacionado com o equilíbrio das contas
públicas, não é admissível que seja
imputada a uma parcela da comunidade
(aos que prestam serviço no Estado) de que
todos fazemos parte, a singular
responsabilidade de suportar os custos
decorrentes de gastos excessivos da
responsabilidade de sucessivos governos.
Cujos governantes, um dia, essa
mesma comunidade, por inteiro, encarregou
de zelar, ao que se supunha, pelo
bem público, ao serviço de todos e não
exclusivamente ao serviço dos que
agora são particularmente
responsabilizados, como a discriminação das
medidas adotadas parece fazer crer.
E, permitindo-se-me o pleonasmo, injustiça
exacerbada quando, tais medidas,
são do mesmo modo extensivas aos cidadãos
fardados, cuja condição militar
lhes impõe deveres, ao mesmo tempo que os
arreda de muitos dos direitos,
liberdades e garantias consignados na
Constituição, consagrados para a
generalidade dos cidadãos.
Injustiça e discriminação tanto maior
quando se assiste à cadenciada
dispensa do corte dos subsídios em questão
a alguns grupos de profissionais,
no contexto do universo dos que estão
subordinados à tutela do Estado,
transmitindo-se a ideia de que “se uns são
filhos outros serão enteados”.
Injustiça que sinto ainda mais
profundamente quando sou confrontado com
dúvidas, por parte da tutela, sobre a
sustentabilidade do Fundo de Pensões
dos Militares (FPM) e, para já, com a
suspensão do pagamento do respetivo
complemento de reforma, por os sucessivos
Governos não o terem atempadamente
capitalizado como legalmente estabelecido.
FPM para o qual, aliás,
escrupulosamente contribuí na esperança de
assegurar a dignidade de uma
velhice mais tranquila, como merecido por
quem deu o seu melhor na defesa
dos Superiores Interesses da Pátria.
Face ao que precede, em que relato as
razões que me levam a considerar
iníquo o corte dos subsídios de férias e
natal e inaceitável a suspensão do
pagamento do complemento da pensão de
reforma, solicito a V. Ex.ª, Sr.
General, que leve ao conhecimento de Sua
Excelência o Presidente da
República as razões que me assistem, acima
aduzidas, na esperança de que o
seu sentido de justiça e equidade já
publicamente manifestado relativamente
a opções de idêntico teor, penalizadoras
para os cidadãos, possa fazer com
que utilize o seu magistério de influência
no sentido de que seja dada
diferente orientação a medidas que,
sacrificando os cidadãos, transportam
consigo uma forte carga de injustiça,
atenta a forma discriminatória como
são aplicadas.
Com os melhores cumprimentos
Data 31 de Maio de 2012
José Manuel Botelho Leal
(Vice-Almirante Ref)
NIM 31959 Marinha
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