quarta-feira, 4 de julho de 2012

ONE MORE


Exmo. Senhor Tenente-General Carvalho dos Reis

        Digníssimo Chefe da Casa Militar de

        Sua Excelência o Presidente da República



Sou militar, Vice-Almirante na situação de reforma, oficial das Forças
Armadas Portuguesas que servi com orgulho, honrando o juramento que prestei,
ao serviço da Pátria que fui incumbido de defender.

Como militar que sou e educado que fui na adesão a Valores como a honra, a
lealdade, a ética, a servir os interesses que jurei e não outros, acreditará
que, porventura, mais que outros cidadãos, estou disponível para
sacrificar-me pelo bem comum desde que esteja em causa a sua prossecução,
como o atesta a concreta sujeição que a minha condição me impõe,
nomeadamente quando me predispus a aceitar disponibilidade permanente para
defender a Pátria se necessário com o sacrifício da própria vida!

Não está pois, nem poderia estar em causa, pretender eximir-me a sacrifícios
que vão sendo impostos à generalidade dos cidadãos.

No entanto, verifico que, aos militares, aos funcionários públicos, aos
elementos das forças e serviços de segurança, reformados e pensionistas,
foram impostas as medidas de austeridade mais gravosas.

Como servidor do Estado, à semelhança de todos os meus concidadãos que o são
também, e como cidadão fardado, sujeito à condição militar que me impôs
particulares deveres e me restringiu direitos de cidadania, sinto-me
injustiçado e discriminado pela forma como tenho vindo a ser penalizado a
pretexto do saneamento da dívida e do défice públicos.

Recuando apenas ao ano de 2005, as condições com que os militares se vêm
confrontando, têm vindo a ser continua e violentamente deterioradas, ao
arrepio, inclusive, do que é acautelado pela Lei das Bases gerais do
estatuto da condição militar a qual, para compensar os militares dos
especiais deveres e restrições a que estão sujeitos, consagra “especiais
direitos, compensações e regalias, designadamente nos campos da segurança
social, assistência, remunerações, cobertura de riscos, carreiras e
formação”. Subsidiariamente o mesmo estatuto “garante aos militares e suas
famílias, de acordo com as condições legalmente estabelecidas, um sistema de
assistência e proteção, abrangendo, designadamente, pensões de reforma, de
sobrevivência e de pensões de preço de sangue e subsídios de invalidez e
outras formas de segurança, incluindo assistência sanitária e apoio social”.

Nada disso tem sido levado na devida conta. Bem pelo contrário! Têm vindo a
ser implementadas sucessivas medidas, tratando por igual quem manifestamente
deve ser tratado de forma diferente porque, diferentes, são também as
condições em que servem ou serviram, em circunstâncias sem paralelo na
sociedade.
E, a culminar a desconsideração a que eu e todos os militares temos sido
sujeitos, tiveram por bem os responsáveis pela governação, proceder ao corte
dos subsídios de férias e de natal em 2012 e anos seguintes, sem
previsibilidade do seu restabelecimento, a juntar às reduções remuneratórias
operadas a partir de 2011 para os que se encontram nas situações de ativo e
de reserva.

Medidas eivadas de evidente falta de justiça e equidade, com contornos que
considero aproximarem-se da imoralidade.

Porque me questiono quanto à razão ou razões que determinam que a um
universo de cidadãos (aos que servem a coisa pública), seja conferido um
tratamento diferenciado, desigual e particularmente penalizador
relativamente aos restantes cidadãos!

Onde está a equidade quando, aos que exercem atividades na esfera do Estado,
relacionadas, por conseguinte, com serviços prestados à comunidade, perante
uma divida pública e um défice considerados excessivos, são imputadas
particulares responsabilidades para as quais, tal como a maioria dos
restantes cidadãos, em nada concorreram?

Trata-se de uma situação objetivamente desprovida de qualquer sentido e
arredada de equivalente noção de senso de justiça já que, admitindo-se a
necessidade de solucionar o problema relacionado com o equilíbrio das contas
públicas, não é admissível que seja imputada a uma parcela da comunidade
(aos que prestam serviço no Estado) de que todos fazemos parte, a singular
responsabilidade de suportar os custos decorrentes de gastos excessivos da
responsabilidade de sucessivos governos. Cujos governantes, um dia, essa
mesma comunidade, por inteiro, encarregou de zelar, ao que se supunha, pelo
bem público, ao serviço de todos e não exclusivamente ao serviço dos que
agora são particularmente responsabilizados, como a discriminação das
medidas adotadas parece fazer crer.

E, permitindo-se-me o pleonasmo, injustiça exacerbada quando, tais medidas,
são do mesmo modo extensivas aos cidadãos fardados, cuja condição militar
lhes impõe deveres, ao mesmo tempo que os arreda de muitos dos direitos,
liberdades e garantias consignados na Constituição, consagrados para a
generalidade dos cidadãos.

Injustiça e discriminação tanto maior quando se assiste à cadenciada
dispensa do corte dos subsídios em questão a alguns grupos de profissionais,
no contexto do universo dos que estão subordinados à tutela do Estado,
transmitindo-se a ideia de que “se uns são filhos outros serão enteados”.

Injustiça que sinto ainda mais profundamente quando sou confrontado com
dúvidas, por parte da tutela, sobre a sustentabilidade do Fundo de Pensões
dos Militares (FPM) e, para já, com a suspensão do pagamento do respetivo
complemento de reforma, por os sucessivos Governos não o terem atempadamente
capitalizado como legalmente estabelecido. FPM para o qual, aliás,
escrupulosamente contribuí na esperança de assegurar a dignidade de uma
velhice mais tranquila, como merecido por quem deu o seu melhor na defesa
dos Superiores Interesses da Pátria.
Face ao que precede, em que relato as razões que me levam a considerar
iníquo o corte dos subsídios de férias e natal e inaceitável a suspensão do
pagamento do complemento da pensão de reforma, solicito a V. Ex.ª, Sr.
General, que leve ao conhecimento de Sua Excelência o Presidente da
República as razões que me assistem, acima aduzidas, na esperança de que o
seu sentido de justiça e equidade já publicamente manifestado relativamente
a opções de idêntico teor, penalizadoras para os cidadãos, possa fazer com
que utilize o seu magistério de influência no sentido de que seja dada
diferente orientação a medidas que, sacrificando os cidadãos, transportam
consigo uma forte carga de injustiça, atenta a forma discriminatória como
são aplicadas.

Com os melhores cumprimentos

Data 31 de Maio de 2012

José Manuel Botelho Leal

(Vice-Almirante Ref)

NIM 31959 Marinha

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