sexta-feira, 15 de março de 2013

A LER


Já era tempo de a maioria dos media, sobretudo os do serviço público, perceberem que os militares que falam nos media não representam "os militares" nem "as Forças Armadas" (FA): só se representam a si próprios ou às associações de que são membros. Quem fala pelas FA são os chefes de Estado-Maior (CEM) em funções e o ministro da Defesa. Os demais têm opiniões legítimas, que podem exprimir nos termos da lei num exercício de cidadania - mas não vinculam nem representam aqueles organismos da administração pública. Assumo a hipótese saudável que as administrações dos ramos não têm um discurso para os governos, aos quais estão subordinadas; e outro para o espaço público, veiculado por oficiais na reserva ou na reforma.
Uma observação atenta permite perceber que há uma maioria silenciosa de militares de todas as categorias que não se revê nas pressões que alguns militares têm feito na rua e nos media. Apesar da corrente que repete e repete que os militares perdem benefícios porque não têm sindicatos, aqueles intuem que estas condutas são difíceis de conciliar com as restrições constitucionais aos direitos e liberdades dos militares; não procuram representação sindical ou afim, mas esperam que os CEM os representem nos termos da lei (dever de tutela). Conhecem as culturas internas, vivas nos corredores e no modo como são tratados aqueles que as põem em causa; o "caminho das pedras" passa por relativizar o conhecimento da, e o respeito pela, lei (onde ficam os deveres de lealdade e de zelo?) e não pôr em causa a diabolização de "os políticos" (tantos chamam "in"/inimigo à tutela). A que acresce o espanto com as diferenças entre as expressões públicas, e o discurso interno, nas costas dos visados, depreciativo de "os políticos", tantas vezes relativo às pessoas que decidem as respetivas carreiras. Tem de espantar que quem tanto critica "os políticos" deseje ascender ao, ou progredir no, estrelato, nível orgânico que todos sabem ser político-militar; mas são raríssimos os que têm um discurso crítico dos políticos e recusam vir a ser oficiais-generais. Por isso, muitos se interrogam sobre as causas do silêncio público e formal de alguns ex-CEM, quando estavam em funções, e se tornaram tão críticos de "os políticos" depois de deixarem os cargos (com recondução). Como é que vários ex-CEM aceitavam as restrições de recursos quando estavam em funções e agora acham-nas inaceitáveis? Ou já eram inaceitáveis antes, mas estavam "agarrados" aos cargos, quiçá tentando manter "portas abertas" para outros, a seguir? E onde ficaram os deveres de lealdade e responsabilidade?
Esta maioria silenciosa de militares compreende que algum carreirismo é saudável numa organização muito hierarquizada e regulada. Mas valoriza o profissionalismo: "fazer bem feito", consistência, frontalidade, decisões fundamentadas na lei e bem explicadas. Como muitos dos seus concidadãos, desgostam da imagem que têm de "os políticos", tal como ela lhes chega pelos media e pelas culturas internas. Mas muitos também encontram internamente jogos de poder ou condutas enviesadas, que criticam e ouvem internamente criticar a outros grupos.
Em vez da conduta de pressão adotada por alguns militares nos media, o bom senso recomenda, sobretudo a oficiais-generais, que afirmem sem ambiguidades nem "mas" que os militares se dedicam integral e permanentemente ao serviço, e à realização das reformas decididas pelo poder político legítimo - pois é essa a atitude que, como deve ser e nos termos da lei, devem aos cidadãos-contribuintes, e exigem e esperam dos seus subordinados.
J.Silva Paulo

* Capitão de mar e guerra (reserva)

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