A UGT
NÃO APOIA O NOVO TRATADO
(EM
DISCUSSÃO NA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA)
Nos dias 8 e 9 de Dezembro
de 2011, o Conselho Europeu decidiu dar luz verde a um acordo internacional com
o objetivo de reforçar a disciplina orçamental. Os governos estimaram que o
reforço das obrigações fiscais levaria a uma retoma da confiança nos mercados e
salvaria o Euro. Esta decisão foi seguida de negociações intensas e
semi-secretas a fim de se alcançar um acordo até ao final do mês de Janeiro de
2012. O processo de negociação ignorou o controlo democrático que, normalmente,
deveria caracterizar toda e qualquer reforma da União, em especial não
preenchendo integralmente o papel do Parlamento Europeu.
Os dirigentes europeus
enganam-se se acreditam que um novo Tratado potenciará o crescimento e
resolverá a crise da dívida soberana sem o reforço da democracia na Europa –
nomeadamente com uma participação efetiva dos parceiros sociais aos níveis
nacional e europeu – ou sem novas decisões específicas sobre as euro-obrigações
e a taxa sobre as transações financeiras. As normas em matéria de governação
económica não deveriam ser camufladas em questões técnicas.
A UGT não apoia o novo
Tratado. Embora dando o nosso apoio a regras comuns e à governação económica
não podemos defender as regras apresentadas. Estamos convictos de que as
propostas em questão enfraquecerão a Europa em vez de a fortalecer. O novo
Tratado compromete o apoio da população à integração europeia, asfixia o
crescimento e faz aumentar o desemprego:
Ø
Sem investimentos
sustentáveis para o crescimento, as medidas de austeridade não são de molde a
resolverem a crise do Euro e do emprego; nem tão pouco a devolverem a confiança
nos mercados financeiros.
Ø
Consagrar nas
constituições ou legislações nacionais o cumprimento rigoroso das regras
relativas ao défice público apenas contribuirá para o agravamento da crise.
Ø
Reequilibrar as contas
públicas exige uma solução a longo prazo que inclua políticas fiscais justas,
uma taxa sobre as transações financeiras, a luta contra a fraude e a evasão
fiscais, uma partilha parcial da dívida, uma adequada intervenção do BCE (Banco
Central Europeu) e um forte controlo do sector financeiro.
Ø
A necessidade de uma
governação económica está a ser utilizada como um meio para coartar a
negociação coletiva e os respetivos resultados, atacando os sistemas de
relações de trabalho e impondo uma pressão em baixa sobre o nível dos salários
negociados, para enfraquecer a proteção social e o direito à greve e privatizar
os serviços públicos. Estes ataques, acumulados ao longo dos anos, irão
desmantelar um modelo social que é único no mundo.
Ø
Para que a integração
europeia seja coroada de êxito, deve existir um projeto de progresso social e
de mais e melhores empregos. Esta é a razão pela qual a UGT considera
fundamental a inclusão de um protocolo social nos Tratados Europeus.
O novo Tratado estipula apenas mais do
mesmo: austeridade e disciplina orçamental; obriga os Estados Membros a prosseguirem
políticas fiscais procíclicas prejudiciais, que dão uma prioridade absoluta a
rígidas regras económicas numa fase em que a maior parte das economias estão
ainda vulneráveis e em que o desemprego é intoleravelmente alto. Trará
igualmente uma pressão em baixa sobre os salários e as condições de trabalho,
controlo e sanções. Os governos que não conseguirem cumprir o pacto orçamental
serão levados perante o Tribunal de Justiça Europeu, que poderá aplicar uma
sanção.
O novo Tratado não aborda o problema-chave
da Zona Euro: com exceção do BCE, não existe nenhuma instituição com liquidez
suficiente que consiga impedir uma obrigação de circular entre membros
individuais da Zona Euro, com uma obrigação que se espalhe e contamine o resto
da Zona Euro. Ao contrário dos bancos, os governos da Zona Euro não dispõem de
um “prestamista de último recurso” que ponha cobro a um efetivo comportamento
irracional do setor financeiro, se bem que autorrealizado.
Acresce que, a implementação prática deste
novo Tratado levanta um certo número de problemas. A forma como o défice
“estrutural” será definido não é clara, o mesmo se passando com a taxa de juro
e potencial taxa de crescimento que serão utilizadas para o cálculo da
sustentabilidade orçamental a médio prazo.
A Europa precisa de uma união económica
diferente com uma forte dimensão social assente nos seguintes princípios:
·
Um mandato claro para o
BCE. O objetivo desta instituição deveria ser o de promover a estabilidade dos
preços juntamente com o pleno emprego e a convergência das condições
financeiras em todos os Estados Membros. O BCE deveria não só ter a
possibilidade mas também a obrigação de agir como um “prestamista e um
comprador de último recurso” relativamente à dívida soberana.
·
Uma partilha parcial da
dívida por via de obrigações.
·
Uma cláusula de
salvaguarda salarial, que imponha o respeito integral pela autonomia dos
parceiros sociais em relação à negociação coletiva e que impedisse o pacto
orçamental de se intrometer em determinadas áreas, tais como, salários,
sistemas de negociação coletiva, sistemas de formação de salários, acção
coletiva e organização. Os salários não constituem um travão à economia mas sim
o seu motor.
·
Disposições que
salvaguardem o emprego: excluindo os investimentos públicos que defendam o
potencial crescimento da “regra do equilíbrio orçamental”, que protejam as
receitas públicas empenhando-se na luta contra a concorrência fiscal, fraude e
evasão, um papel estrutural para o Diálogo social Europeu que evite uma
implementação cega de rígidas regras económicas que prejudicariam a economia.
·
Um Protocolo de Progresso
Social deve ser integrado nos tratados europeus a fim de garantir o respeito
pelos direitos sociais fundamentais.
A UGT apoia o parecer de iniciativa do Conselho Económico e Social
Europeu que se anexa.
PARECER
do Comité Económico e Social Europeu sobre o Impacto social da nova legislação em matéria de governação económica (parecer de iniciativa) |
_____________
Relatora: Gabriele
Bischoff
_____________
|
|
Em 14 de julho de 2011, o
Comité Económico e Social Europeu decidiu, em conformidade com o disposto no
artigo 29.º, n.º 2, do Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre o
Impacto social da nova legislação em
matéria de governação económica
(parecer de iniciativa).
Foi incumbida da
preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Emprego,
Assuntos Sociais e Cidadania, que emitiu parecer em 25 de janeiro de 2012.
Na 478.ª reunião plenária
de 22 e 23 de fevereiro de 2012 (sessão de 22 de fevereiro), o Comité Económico
e Social Europeu adotou, por 232 votos a favor, 8 votos contra e 9 abstenções,
o seguinte parecer:
*
* *
1.
Conclusões e recomendações
1.1
A Europa deve
falar a uma só voz, agir mais rapidamente e com menos hesitação e escolher as
soluções certas, de modo a enfrentar de forma convincente a mais grave crise
financeira, económica e de confiança desde a fundação da União Europeia.
1.2
O CESE acolhe
favoravelmente a abordagem adotada pelos governos para corrigir os erros
congénitos da área do euro e introduzir elementos para uma nova arquitetura de
governação económica europeia. Tal é necessário porque os instrumentos e os
procedimentos existentes não conduziram à desejada redução da dívida e dos
desequilíbrios macroeconómicos. A nova arquitetura de governação económica
europeia deverá, contudo, garantir os direitos democráticos dos Estados‑Membros
e dos seus parlamentos eleitos livremente, assim como a autonomia dos parceiros
sociais e a sua liberdade de negociação coletiva.
1.3
A governação
económica europeia centra‑se antes de mais na política económica, mas afetará
principalmente os sistemas sociais, obrigando os Estados‑Membros a determinadas
reformas, sob ameaça de sanções (semi‑) automáticas. O CESE recomenda uma
consolidação orçamental inteligente e sustentável, que garanta os investimentos
sociais necessários a fim de evitar assimetrias sociais.
1.4
Algumas das
medidas de austeridade já aplicadas ou previstas terão um impacto negativo, por
exemplo, na vida das pessoas e das empresas se houver uma redução dos serviços
sociais e das medidas de integração das pessoas com deficiência no mercado de
trabalho ou se forem desmanteladas as infraestruturas sociais necessárias, por
exemplo, para os serviços de acolhimento de crianças ou a formação. Tal terá
repercussões negativas no acesso e na qualidade de tais serviços e traduzir‑se‑á
numa grave perda da qualidade de vida dos grupos vulneráveis.
1.5
O CESE chama
a atenção para os conflitos intrínsecos entre os objetivos da Estratégia Europa
2020 e da governação económica europeia. A aplicação do Semestre Europeu e do
pacote de seis atos legislativos (six‑pack)
não deve comprometer a consecução dos objetivos da Estratégia Europa 2020. Por
exemplo, em matéria de redução da pobreza, ter‑se‑á que analisar todas as
medidas a adotar para evitar que estas não acabem por agravá‑la.
1.6
O CESE
reitera a necessidade urgente de proceder a avaliações do impacto social da
nova legislação em matéria de governação económica e solicita em particular:
1) um «pacto de investimento social»;
2) uma participação abrangente e em tempo útil das
organizações representativas da sociedade civil, em especial os parceiros
sociais pelas suas funções e competências específicas, em todas as medidas;
3) a convocação de uma convenção para definir uma
estratégia baseada no progresso social a aplicar no âmbito das alterações
previstas do Tratado;
4) um «plano de salvamento social» através de
«governação social» equivalente;
5) a garantia e a promoção da negociação coletiva
autónoma dos parceiros sociais;
6) a exploração de novas fontes de rendimento para
consolidar os orçamentos públicos;
7) o aumento da eficiência e da adequação da despesa
pública e uma luta mais tenaz contra a evasão fiscal.
2.
Uma nova arquitetura para gerir a crise
2.1
Com o Tratado
de Lisboa, a dimensão social da Europa foi reforçada e a economia social de
mercado definida como um objetivo, os direitos sociais fundamentais tornaram‑se
juridicamente vinculativos e as avaliações do impacto social obrigatórias para
todos os projetos e iniciativas da UE. O CESE sublinha, desde há muito, que a
economia social de mercado na Europa deve alinhar os objetivos da
competitividade com os da justiça social. A dinâmica económica e o progresso
social não são incompatíveis, mas antes reforçam‑se mutuamente[1].
2.2
O CESE
congratulou‑se com o facto de a UE, na sua nova Estratégia Europa 2020, ter
chegado a acordo quanto à necessidade de gerar crescimento inteligente,
sustentável e inclusivo.
2.3
A União
Europeia está atualmente a passar pela crise mais grave desde a sua fundação. A
crise financeira evoluiu em muitos países para uma grave crise económica,
social e da dívida. Como se isso não bastasse, as instituições europeias veem‑se
confrontadas com a inação e um défice de confiança. A Europa deve falar a uma
só voz, agir mais rapidamente e com menos hesitação e escolher as soluções
certas.
2.3.1
Enquanto a
política de austeridade e os planos de salvamento chamam a si todas as
atenções, as medidas necessárias para melhorar a governação económica e
aumentar o crescimento são fragmentárias e pouco transparentes. Falta, além
disso, um debate sobre os prós e os contra de uma integração aprofundada.
2.3.2
Manifesta‑se
cada vez mais a preocupação de esta crise de confiança se transformar numa
crise da democracia, sobretudo dado o receio de sanções. O CESE sublinha que os
parlamentos nacionais eleitos por sufrágio universal direto devem poder decidir
livremente sobre os orçamentos e a composição dos governos, em conformidade com
as suas competências e responsabilidades.
2.3.3
O CESE já
destacou em vários pareceres que a crise atual estava a assumir a forma de um
verdadeiro teste de resistência para a Europa. A política de austeridade
provoca agitação social em muitos países e alimenta sentimentos antieuropeus e
nacionalistas.
2.4
A reação
política da UE e dos governos nacionais à chamada crise da dívida, originada,
designadamente, pela crise financeira dos últimos anos que, por sua vez, se
deve, em parte, à desregulamentação massiva dos mercados financeiros, foi uma
política de austeridade forçada, numa tentativa de acalmar os mercados
financeiros. O CESE regozijou‑se já várias vezes por a Comissão Europeia ter
apresentado propostas para a introdução de um imposto sobre as transações
financeiras e de obrigações de estabilidade, apesar de uma oposição renitente a
este projeto[2].
2.5
Tentou‑se
corrigir alguns dos erros congénitos da área do euro e, ao mesmo tempo,
introduzir elementos para uma nova arquitetura de governação económica
europeia. O seu objetivo é conseguir futuramente uma melhor coordenação da
política económica, um maior rigor na política e no controlo orçamentais e um
aumento da competitividade[3]. O Parlamento Europeu adotou no outono de 2011
cinco regulamentos e uma diretiva para a reforma da governação económica
europeia (six‑pack).
2.5.1
Este pacote
de seis atos legislativos baseia‑se em três pilares:
§
Reforçar o
atual pacto de estabilidade e crescimento: O procedimento relativo aos défices
excessivos (PDE) prevê regras adicionais e mais rigorosas para diminuir o
défice público e a dívida pública, exigindo aos Estados‑Membros que reduzam nos
próximos vinte anos o atual nível da dívida para o limite máximo de 60% fixado
pelo Tratado de Maastricht, independentemente do ciclo conjuntural. Isto é pró-cíclico
e potencialmente nefasto para o crescimento e o emprego.
§
Criar o
«procedimento relativo a desequilíbrios excessivos»: Trata‑se de um processo
político completamente novo a ser conduzido a nível europeu, com o objetivo de
detetar e corrigir desequilíbrios macroeconómicos que podem pôr em risco a
estabilidade da moeda única.
§
Fazer cumprir
o pacto de estabilidade e o «procedimento relativo a desequilíbrios excessivos»
com sanções «pesadas»: Já existem recomendações a nível europeu para
«racionalizar» as decisões políticas a nível nacional desde a assinatura do
Tratado de Maastricht. No entanto, o que é completamente novo é o facto de
estas recomendações serem agora acompanhadas de sanções quase «automáticas»
para os países membros da área do euro, com a introdução da «votação invertida
por maioria», que é no mínimo questionável, dado que se trata de um
procedimento completamente novo ainda não consagrado no Tratado. Simplificando,
a proposta da Comissão de aplicar sanções anuais de 0,1 ou 0,2% do PIB a
Estados‑Membros que não seguem as suas recomendações será adotada, salvo
decisão em contrário do Conselho de Ministros das Finanças, deliberando por
maioria qualificada e no prazo de dez dias. Isto introduz um alto nível de
«automatismo» no processo de sanções, forçando assim os Estados‑Membros a levar
seriamente em conta as recomendações políticas elaboradas ao nível europeu.
2.5.2
Em 23 de
novembro de 2011, a Comissão adicionou dois novos regulamentos ao six‑pack: o primeiro destina‑se a
reforçar a supervisão dos Estados‑Membros com graves dificuldades relativamente
à estabilidade financeira e o segundo visa acompanhar e corrigir os projetos de
planos orçamentais dos Estados‑Membros. O primeiro alargará, reforçará e
aprofundará as recomendações políticas de cada país destinadas a Estados‑Membros
submetidos a um programa de ajustamento macroeconómico. O incumprimento deste
programa resultará na suspensão dos pagamentos do Fundo Social Europeu e dos
Fundos Estruturais. O segundo reforça as competências da Comissão para
fiscalizar os procedimentos dos orçamentos nacionais, exigindo aos Estados‑Membros
a criação de regras vinculativas para os montantes dos défices orçamentais. Os
dois regulamentos aumentarão a pressão exercida pelos outros Estados‑Membros e
reforçarão os efeitos inerentemente pró-cíclicos com consequências bem
conhecidas.
2.5.3
O período de
revisão anual de seis meses, designado por Semestre Europeu, foi concebido para
evitar orientações contraditórias nas políticas orçamentais dos Estados‑Membros
e para dar seguimento à consecução dos objetivos da Estratégia Europa 2020.
Este procedimento visa garantir que os principais objetivos da UE serão, de
facto, incluídos atempadamente nos planos orçamentais nacionais e antes de ser
votado nos parlamentos nacionais o exercício fiscal do ano seguinte. A
governação económica europeia centra‑se antes de mais na política económica,
mas afetará principalmente os sistemas sociais, obrigando os Estados‑Membros a
reformá‑los, sob ameaça de sanções (semi‑) automáticas.
3.
Impacto social da nova legislação
3.1
No quarto ano
de crise financeira e económica, as perspetivas para a economia e o emprego na
Europa continuam a deteriorar‑se. 23 milhões de pessoas estão desempregadas. Os
últimos dados[4] sobre o desemprego mostram que, em setembro de
2011, as taxas de desemprego na UE‑27 e na área do euro eram, respetivamente,
de 9,7% e 10,2%, o que representa um acréscimo em relação ao mesmo período de 2010.
A taxa de desemprego juvenil passou de 15,5% para 21,4% entre 2008 e 2011 e a
taxa de inatividade aumentou de 55,6% para 56,9%. Na Grécia e na Espanha, quase
um em cada dois jovens está desempregado[5], o que equivale a mais de 5 milhões de jovens sem
emprego que não estão inscritos no ensino ou em ações de formação. A criação de
1,5 milhões de empregos até meados de 2011 esteve muito longe de compensar a
perda massiva dos 6 milhões de postos de trabalho suprimidos durante a crise. A
taxa de emprego aumentou devido, principalmente, ao acréscimo dos contratos a
prazo e do trabalho a tempo parcial.
3.2
Para agravar
ainda mais a situação, as previsões económicas reviram drasticamente em baixa a
taxa de crescimento e a Comissão Europeia reconheceu nas suas recentes
previsões do outono 2011‑2013 que «a recuperação da economia da UE parou» e que
não haverá melhorias previsíveis nos elevados níveis de desemprego[6].
3.3
A crise
bancária mundial de 2007‑2009 levou à atual crise da dívida soberana, visto os governos
terem injetado elevados recursos em operações de salvamento dos bancos e
garantias estatais, a fim de manterem o sistema monetário a funcionar. Por
conseguinte, os níveis médios da dívida aumentaram de 60 para 80% do PIB,
reduzindo consideravelmente o espaço de manobra para a boa aplicação dos estabilizadores
automáticos e de outras medidas anticíclicas. Tal significa que o mercado de
trabalho e as políticas sociais terão de suportar os encargos do ajustamento. O
único fio condutor das diversas iniciativas políticas europeias é que os
salários se tornarão num instrumento fundamental do ajustamento, através de
cortes e da deflação salarial.
3.4
O CESE
considera que as consequências desta evolução são potencialmente perigosas para
a saúde económica da Europa e para o seu tecido social. Como o Comité de Proteção
Social destacou no seu relatório sobre o impacto social da crise económica, as
medidas de austeridade aplicadas ou previstas terão um impacto na inclusão
social porque suprimem as prestações e os serviços previstos para os grupos
vulneráveis, como, por exemplo, as pessoas com deficiência. Tal terá
repercussões negativas no acesso e na qualidade dos serviços públicos para as
pessoas e as empresas[7]. Taxas de juro elevadas tornam praticamente
impossível aos Estados‑Membros reduzir os seus défices orçamentais e a sua
dívida soberana. A Grécia, por exemplo, regista excedentes primários no
orçamento estatal, desde a primavera de 2011, mas o défice continua a crescer
devido ao peso insustentável das taxas de juro.
3.5
As medidas de
austeridade, que põem em perigo os investimentos sociais necessários, vêm‑se
juntar àquilo que constitui uma espiral descendente. Na falta de novas fontes
de crescimento, os cortes nas despesas concomitantes implicam uma evolução
negativa das receitas orçamentais, nomeadamente a diminuição das receitas
fiscais e o aumento das prestações sociais em forma de subsídios de desemprego.
Os défices orçamentais correm o risco de se acentuarem, originando eventuais
efeitos desastrosos nos mercados financeiros, que acompanham atentamente as tendências
em todos os Estados‑Membros.
3.5.1
Além disso,
as medidas de austeridade que entravam a procura final num Estado‑Membro podem
ter repercussões significativas noutros países, criando uma espiral
descendente. Este fenómeno pode‑se produzir quer na cadeia do valor
acrescentado dentro do mercado único quer no âmbito do comércio. Enveredar por
programas de austeridade simultâneos em vários países ensombrará ainda mais as
perspetivas de crescimento e poderá desencadear um círculo vicioso de incerteza
para o investimento, nomeadamente na educação, na formação, na investigação e
na inovação, assim como para o emprego e o consumo.
3.6
Na elaboração
e aplicação de medidas de governação da UE, o Comité reputa necessário
verificar exatamente se, e em que medida, existe uma relação entre os
desenvolvimentos económicos negativos dos Estados‑Membros e das regiões e os
desequilíbrios dos mercados, os processos de concentração económica e os abusos
de mercado cometidos por grandes grupos comerciais. Na opinião do CESE, para fazer
face a este tipo de relação, haverá, por exemplo, que adotar contramedidas
fiscais eficazes e coordenadas e integrá‑las nas medidas de consolidação. Deste
modo, reforçar‑se‑á a competitividade das PME e, ao mesmo tempo, a produção
industrial destinada à exportação. Isto deve ser acompanhado pelas necessárias
medidas estruturais para garantir o crescimento e a criação de emprego.
3.7
O CESE
lamenta que todos as políticas nesta matéria sejam baseadas em assimetrias e
introduzam uma distorção estrutural. Numa carta do Comissário Olli Rehn expõe‑se
o ponto de vista da Comissão sobre os desequilíbrios da área do euro,
sublinhando que os abissais défices externos poderão causar problemas, ao passo
que os persistentes excedentes na balança de transações correntes não são
considerados como uma ameaça para a coesão da moeda única[8]. Ao redefinir as posições concorrenciais parte‑se
do princípio de que o problema reside nos países que acumulam a dívida para
financiar o seu défice externo, ao mesmo tempo que se encoraja os países com
excedentes a prosseguir nesta via.
3.8
Para a elaboração
do painel de avaliação relativo aos desequilíbrios macroeconómicos, a Comissão define
indicadores de forma tal que uma evolução dinâmica dos salários em diversos
setores económicos é imediatamente assinalada e colocada sob observação, ao
passo que os Estados‑Membros que adotem uma estratégia de congelamento dos
salários não são pura e simplesmente controlados. Estão previstas «classificações»,
para comparar a evolução dos custos salariais unitários com a dos principais
concorrentes. Este tipo de comparação pode servir para identificar uma evolução
divergente da competitividade, não pode, porém, levar automaticamente a uma
avaliação negativa do aumento dos salários e a uma avaliação positiva dos
baixos salários e da moderação salarial. Em vez disso, os aumentos salariais
devem orientar-se pela evolução da produtividade e da inflação.
3.9
O CESE
manifesta, em especial, a sua inquietação pelo facto de os governos se terem
comprometido a adotar medidas e práticas fora do seu alcance e das suas
possibilidades de influência. O Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho
sobre «A prevenção e a correção dos desequilíbrios macroeconómicos» contém um
mecanismo de alerta em cujo cerne se encontra o painel de avaliação composto
por um conjunto de indicadores (artigo 3.º). Estes indicadores descrevem
limiares inferiores e superiores de desequilíbrios macroeconómicos internos e
externos que são tidos em consideração para lançar o procedimento por desequilíbrios
excessivos (PDE). Entre estes indicadores figuram, além disso, os custos
salariais unitários, não obstante estes resultarem essencialmente da negociação
coletiva autónoma entre os parceiros sociais e não serem da competência da
política económica dos Estados.
3.10
O CESE
defende, por conseguinte, que os parceiros sociais sejam associados à
implementação do regulamento na área do euro e no nível nacional. Sublinha que
qualquer que seja a forma adotada para institucionalizar a participação dos
parceiros sociais nessa implementação, a sua autonomia não deve ser questionada
e as Convenções n.ºs 87 e 98 da OIT devem ser plenamente respeitadas. Além
disso, a observância dos objetivos gerais da União Europeia, em particular, o
progresso social e uma harmonização «em alta» da política social da UE deviam
fazer parte integrante desse processo, tal como os direitos sociais
fundamentais previstos na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia
(artigo 51.º, n.º1).
3.11
Num período
de dificuldades e de mudanças económicas e sociais, é fundamental envolver as
organizações sociais nos processos e na aplicação de medidas de governação e de
consolidação. São preciosos os seus contributos no âmbito da formação, da
prevenção, do emprego e da paz social, assente no respeito da dignidade humana
e na solidariedade social.
4.
Impacto social das medidas nos Estados‑Membros
4.1
O CESE está
muito preocupado com o impacto social desta crise bem patente na maioria dos
Estados‑Membros, recomendando, por isso, que se imprima às reformas estruturais
uma orientação favorável ao crescimento e ao emprego. Garantir e promover os
direitos sociais e laborais fundamentais reflete‑se positivamente na
produtividade da economia no seu todo. Por princípio, haverá que zelar por
assegurar a capacidade de ação dos governos, graças a receitas fiscais
suficientes e a uma luta sem tréguas conta a fraude fiscal.
4.1.1
O CESE
constata com apreensão as crescentes divergências nacionais e regionais que
ameaçam perigosamente o processo de unificação europeia. Com efeito, é a
primeira vez que se assiste a uma deterioração evidente da coesão económica e
social da União. No passado, apenas houve um agravamento temporário das
divergências sociais e económicas com o alargamento a novos Estados‑Membros.
4.2
O Comité de
Proteção Social afirma no seu relatório sobre o impacto social da crise que a
crise financeira e económica levou a uma deterioração considerável da situação
social de vastos grupos da população, especialmente jovens, pessoas com
contrato a prazo e migrantes. Em todos os Estados‑Membros, os desempregados são
um dos grupos mais expostos ao risco de pobreza[9]. Os recentes protestos e agitação social na
Grécia, em Espanha e em muitos outros Estados-Membros são o reflexo dessa
situação.
4.3
O último
inquérito Eurostat, de 2011, revela que os cidadãos da UE se sentem apreensivos
por verem a pobreza a aumentar:
Uma
larga maioria, que tende a crescer, de europeus pensa que há cada vez mais
pobreza. Quando se lhes pergunta se a pobreza aumentou ou diminuiu nos três
últimos anos, 87% respondem afirmativamente. A opinião segundo a qual a pobreza
aumentou nos três últimos anos é muito mais frequente agora do que no outono de
2010. Apenas 22 % dos europeus consideram suficientes os esforços envidados na
luta contra a pobreza[10].
4.4
O CESE está
muito apreensivo com o facto de as repercussões sociais das medidas para
ultrapassar a crise causarem uma divisão mais profunda na Europa e acabe por
perder progressivamente o apoio dos cidadãos, quando precisa de reconquistar a
sua confiança.
4.5
É de opinião
que será necessário fazer todo o possível para evitar que as medidas de
austeridade aumentem o risco de pobreza e proceder a uma avaliação eficaz do
impacto social, examinando de que modo os objetivos – resgatar pelo menos 20
milhões de pessoas da pobreza e da exclusão social nos próximos dez anos –
poderão ser alcançados no novo contexto e quais as medidas necessárias para
esse efeito. O reverso do recrudescimento da pobreza é o aumento incessante dos
ativos e dos lucros, um fenómeno favorecido em alguns Estados-Membros por
estratégias fiscais e orçamentais inadequadas. A arquitetura da governação
económica europeia e a concretização do Semestre Europeu não deverão redundar
no incumprimento do objetivo de redução da pobreza consagrado na estratégia
global Europa 2020.
5.
Necessidade de avaliações aprofundadas do impacto
social
5.1
O CESE
destacou em 2011 que a cláusula social horizontal (CSH, artigo 9.º do TFUE) é
uma inovação fundamental para a União na aplicação da sua política[11].
5.2
Neste
contexto, o CESE referiu que a cláusula social horizontal devia ser aplicada
nos domínios gerais e na estrutura global da nova governação socioeconómica ao
nível da UE no âmbito da Estratégia Europa 2020, acordada pelo Conselho Europeu
em 2010[12], incluindo o Semestre Europeu, o pacote de seis
atos legislativos (six‑pack), o Pacto
Euro Mais e os mecanismos de salvamento.
5.3
O CESE
reitera que as medidas para combater a crise não deverão em caso algum violar
os direitos inscritos na Carta dos Direitos Fundamentais. Por outro lado, há
que identificar as medidas a tomar durante um ano para garantir o respeito dos
direitos fundamentais[13].
5.4
O Comité de
Proteção Social e a Comissão Europeia criticaram, por isso, conjuntamente, o
facto de, até à data, poucos Estados‑Membros terem realizado avaliações do
impacto social sobre as medidas de consolidação orçamental[14].
5.5
O CESE
insiste em que é de toda a urgência realizar avaliações do impacto social da
nova legislação na governação económica. A UE comprometeu‑se a promover a
inclusão social, uma aspiração que não se traduz apenas em objetivos
quantitativos, mas também na sua consagração qualitativa no Tratado, em pé de
igualdade com os direitos sociais fundamentais. Está diretamente em causa a
qualidade de vida dos cidadãos, um facto que convém ter em conta e evidenciar
tanto numa ótica quantitativa como qualitativa, no âmbito das avaliações de
impacto. Apenas algumas propostas legislativas foram objeto de avaliações de
impacto, mas nestas as consequências sociais tiveram um papel incipiente e os
resultados foram quase sempre ignorados[15].
6.
A Europa necessita de um pacto de investimento
social
6.1
Dadas a
natureza e a amplitude, nunca antes vistas, dos atentados diretos e indiretos
aos direitos, estruturas e conquistas sociais, é necessário um quadro global,
com base numa avaliação detalhada e independente do impacto social, que associe
mais estreitamente os seguintes elementos:
6.1.1
Participação abrangente e em tempo útil dos
parceiros sociais em todas as medidas
6.1.1.1 Tanto as medidas existentes como as planeadas para
o futuro só deverão ser aplicadas após consulta exaustiva dos parceiros
sociais. Tal resulta do disposto no artigo 152.º do TFUE. Esta exigência aplica‑se,
sobretudo, às medidas de austeridade que são apresentadas como intervenções
puramente económicas ou orçamentais e se traduzem afinal em retrocessos no
plano social. Como exemplo da necessidade da participação dos parceiros
sociais, recomenda‑se a criação de uma task
force da UE para a Grécia. Além disso, também as associações sociais e as
organizações não governamentais devem participar de forma abrangente e em tempo
útil em todas as medidas.
6.1.2
«Pacto de investimento social»
6.1.2.1 De modo geral, o CESE é de opinião que não se
consegue sair de uma crise desta amplitude com medidas de austeridade, como as
adotadas pela Grécia e outros Estados‑Membros, mas sim e unicamente com uma
política de crescimento. Por conseguinte, o CESE propõe um pacto de
investimento social para promover, no âmbito da governação económica,
investimentos sustentados nas qualificações, nas infraestruturas e na produção
e que se promovam investimentos na economia social, nas empresas sociais[16] e na prestação de serviços sociais.
6.1.2.2 Para tal, considera necessário a adoção de um
pacto de investimento social. O CESE apoia, por isso, a reivindicação de Frank
Vandenbroucke, de Anton Hemerijk e de Bruno Palier nesse sentido. A seu ver, o
desafio principal consiste em zelar por que o investimento social a longo prazo
e a consolidação orçamental a curto prazo se reforcem mutuamente quer a nível
da UE quer dos Estados‑Membros. Considera que os objetivos da Estratégia Europa
2020 poderão criar o quadro necessário para tal, na condição de esse pacto ser
integrado na política orçamental a favor do crescimento e na regulamentação
financeira. Isto significa que as novas medidas de supervisão macroeconómica e
orçamental devem ser acompanhadas de um pacto de investimento social[17].
O
CESE sente‑se apreensivo com as repercussões sociais dos cortes nas pequenas
pensões de reforma decorrentes das medidas de austeridade adotadas em
consequência da crise. Insta novamente a Comissão a encetar diligências para a
definição, a nível da UE, de regimes de pensões adequados [18].
6.1.3
Exploração de novas fontes de rendimento para os
orçamentos públicos
6.1.3.1 Não se pode recorrer sistematicamente às finanças
públicas para acudir a todas as situações, desde operações de salvamento dos
bancos e aumento das despesas sociais até ao apoio às empresas, passando pelos
investimentos inovadores. É indispensável que o Estado encontre novas fontes de
receitas. Isto deve coincidir com o aumento da eficiência e da adequação da
despesa pública. O CESE está convicto da necessidade de reforçar a matéria
coletável dos Estados‑Membros através, designadamente, da introdução de um
imposto sobre as transações financeiras, da abolição dos paraísos fiscais, do
combate às práticas de concorrência fiscal e da adoção de medidas de combate à
evasão fiscal. Ao mesmo tempo, todos os Estados‑Membros devem centrar as suas
ações na qualidade do investimento quando se comprometem a realizar
investimentos sociais e a consolidar os orçamentos através de reformas e
crescimento. Acresce que seria conveniente repensar globalmente os regimes
fiscais, focando questões relativas ao ajustamento dos montantes em função das várias
formas de rendimento e de ativos[19].
6.1.4
Um «plano de salvamento social» através de
«governação social» equivalente (social
governance)
6.1.4.1 Sem um «plano de salvamento social» (Jean‑Claude
Juncker), a arquitetura da governação económica fica incompleta e a Europa dará
um passo atrás, convertendo‑se numa simples união económica e orçamental, longe
dos objetivos de uma economia social de mercado. O CESE alerta, com ênfase,
para esse perigo.
6.1.4.2 O CESE preconiza uma ação responsável do Estado
nos domínios económico e social (governação económica e social). Importa
relacionar ainda mais estreitamente a consolidação a curto prazo com os
objetivos da Estratégia Europa 2020, de modo a reforçar o crescimento
inteligente, a coesão e a inclusão social.
6.1.4.3 A UE deve continuar a garantir que todas as
medidas económicas e orçamentais respeitem plenamente as disposições sociais do
direito primário, assim como os direitos sociais fundamentais e, em especial, o
direito à negociação coletiva e à greve, e que estas medidas não impliquem uma
deterioração das conquistas sociais alcançadas.
6.1.5
Convocação de uma convenção para definir uma
estratégia baseada no progresso social a aplicar no âmbito das alterações
previstas do Tratado
6.1.5.1 O CESE reivindica a convocação de uma convenção.
As profundas alterações do Tratado atualmente na ordem do dia requerem não só
um amplo debate como também legitimação democrática. Tal como na última
convenção, devem participar os parlamentos nacionais, o Parlamento Europeu, os
parceiros sociais e o CESE. Há que assegurar que, tanto no relatório intercalar
como no roteiro, estas alterações do Tratado assumam uma dimensão social
equivalente e que o resultado seja integrado no relatório planeado para março
sobre a natureza e a amplitude das medidas acordadas.
6.1.6
Garantia e promoção da negociação coletiva
autónoma dos parceiros sociais
6.1.6.1 O CESE reafirma a sua posição de que as obrigações
consagradas na Carta dos Direitos Fundamentais se aplicam a todas as
instituições e organismos da UE. São, por isso, absolutamente inadmissíveis
quaisquer tentativas de atacar a autonomia da negociação coletiva dos parceiros
sociais, cabendo à Comissão Europeia fazer tudo o que estiver ao seu alcance
para impedi‑lo. Esta não deve de modo algum dirigir recomendações aos Estados‑Membros
induzindo‑os a violar a Carta. Antes pelo contrário, ela terá de multiplicar
esforços não só para proteger os direitos fundamentais como também para promovê‑los.
A crise é um teste para verificar até que ponto a cultura dos direitos
fundamentais se encontra enraizada na Europa[20].
Bruxelas, 22 de fevereiro
de 2012
O Presidente
do Comité Económico e Social Europeu Staffan Nilsson |
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1 comentário:
Manel, passaste-te ???
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