segunda-feira, 9 de abril de 2012

CADA UM SABE DE SI


A UGT NÃO APOIA O NOVO TRATADO
(EM DISCUSSÃO NA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA)


Nos dias 8 e 9 de Dezembro de 2011, o Conselho Europeu decidiu dar luz verde a um acordo internacional com o objetivo de reforçar a disciplina orçamental. Os governos estimaram que o reforço das obrigações fiscais levaria a uma retoma da confiança nos mercados e salvaria o Euro. Esta decisão foi seguida de negociações intensas e semi-secretas a fim de se alcançar um acordo até ao final do mês de Janeiro de 2012. O processo de negociação ignorou o controlo democrático que, normalmente, deveria caracterizar toda e qualquer reforma da União, em especial não preenchendo integralmente o papel do Parlamento Europeu.

Os dirigentes europeus enganam-se se acreditam que um novo Tratado potenciará o crescimento e resolverá a crise da dívida soberana sem o reforço da democracia na Europa – nomeadamente com uma participação efetiva dos parceiros sociais aos níveis nacional e europeu – ou sem novas decisões específicas sobre as euro-obrigações e a taxa sobre as transações financeiras. As normas em matéria de governação económica não deveriam ser camufladas em questões técnicas.

A UGT não apoia o novo Tratado. Embora dando o nosso apoio a regras comuns e à governação económica não podemos defender as regras apresentadas. Estamos convictos de que as propostas em questão enfraquecerão a Europa em vez de a fortalecer. O novo Tratado compromete o apoio da população à integração europeia, asfixia o crescimento e faz aumentar o desemprego:

Ø     Sem investimentos sustentáveis para o crescimento, as medidas de austeridade não são de molde a resolverem a crise do Euro e do emprego; nem tão pouco a devolverem a confiança nos mercados financeiros.
Ø     Consagrar nas constituições ou legislações nacionais o cumprimento rigoroso das regras relativas ao défice público apenas contribuirá para o agravamento da crise.
Ø     Reequilibrar as contas públicas exige uma solução a longo prazo que inclua políticas fiscais justas, uma taxa sobre as transações financeiras, a luta contra a fraude e a evasão fiscais, uma partilha parcial da dívida, uma adequada intervenção do BCE (Banco Central Europeu) e um forte controlo do sector financeiro.
Ø     A necessidade de uma governação económica está a ser utilizada como um meio para coartar a negociação coletiva e os respetivos resultados, atacando os sistemas de relações de trabalho e impondo uma pressão em baixa sobre o nível dos salários negociados, para enfraquecer a proteção social e o direito à greve e privatizar os serviços públicos. Estes ataques, acumulados ao longo dos anos, irão desmantelar um modelo social que é único no mundo.
Ø     Para que a integração europeia seja coroada de êxito, deve existir um projeto de progresso social e de mais e melhores empregos. Esta é a razão pela qual a UGT considera fundamental a inclusão de um protocolo social nos Tratados Europeus.

O novo Tratado estipula apenas mais do mesmo: austeridade e disciplina orçamental; obriga os Estados Membros a prosseguirem políticas fiscais procíclicas prejudiciais, que dão uma prioridade absoluta a rígidas regras económicas numa fase em que a maior parte das economias estão ainda vulneráveis e em que o desemprego é intoleravelmente alto. Trará igualmente uma pressão em baixa sobre os salários e as condições de trabalho, controlo e sanções. Os governos que não conseguirem cumprir o pacto orçamental serão levados perante o Tribunal de Justiça Europeu, que poderá aplicar uma sanção.

O novo Tratado não aborda o problema-chave da Zona Euro: com exceção do BCE, não existe nenhuma instituição com liquidez suficiente que consiga impedir uma obrigação de circular entre membros individuais da Zona Euro, com uma obrigação que se espalhe e contamine o resto da Zona Euro. Ao contrário dos bancos, os governos da Zona Euro não dispõem de um “prestamista de último recurso” que ponha cobro a um efetivo comportamento irracional do setor financeiro, se bem que autorrealizado.

Acresce que, a implementação prática deste novo Tratado levanta um certo número de problemas. A forma como o défice “estrutural” será definido não é clara, o mesmo se passando com a taxa de juro e potencial taxa de crescimento que serão utilizadas para o cálculo da sustentabilidade orçamental a médio prazo.

A Europa precisa de uma união económica diferente com uma forte dimensão social assente nos seguintes princípios:

·        Um mandato claro para o BCE. O objetivo desta instituição deveria ser o de promover a estabilidade dos preços juntamente com o pleno emprego e a convergência das condições financeiras em todos os Estados Membros. O BCE deveria não só ter a possibilidade mas também a obrigação de agir como um “prestamista e um comprador de último recurso” relativamente à dívida soberana.
·        Uma partilha parcial da dívida por via de obrigações.
·        Uma cláusula de salvaguarda salarial, que imponha o respeito integral pela autonomia dos parceiros sociais em relação à negociação coletiva e que impedisse o pacto orçamental de se intrometer em determinadas áreas, tais como, salários, sistemas de negociação coletiva, sistemas de formação de salários, acção coletiva e organização. Os salários não constituem um travão à economia mas sim o seu motor.
·        Disposições que salvaguardem o emprego: excluindo os investimentos públicos que defendam o potencial crescimento da “regra do equilíbrio orçamental”, que protejam as receitas públicas empenhando-se na luta contra a concorrência fiscal, fraude e evasão, um papel estrutural para o Diálogo social Europeu que evite uma implementação cega de rígidas regras económicas que prejudicariam a economia.
·        Um Protocolo de Progresso Social deve ser integrado nos tratados europeus a fim de garantir o respeito pelos direitos sociais fundamentais.


A UGT apoia o parecer de iniciativa do Conselho Económico e Social Europeu que se anexa.








PARECER
do Comité Económico e Social Europeu
sobre o
Impacto social da nova legislação em matéria de governação económica
(parecer de iniciativa)
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Relatora: Gabriele Bischoff
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Em 14 de julho de 2011, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, em conformidade com o disposto no artigo 29.º, n.º 2, do Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre o

Impacto social da nova legislação em matéria de governação económica
(parecer de iniciativa).

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania, que emitiu parecer em 25 de janeiro de 2012.

Na 478.ª reunião plenária de 22 e 23 de fevereiro de 2012 (sessão de 22 de fevereiro), o Comité Económico e Social Europeu adotou, por 232 votos a favor, 8 votos contra e 9 abstenções, o seguinte parecer:

*

*          *

1.                  Conclusões e recomendações


1.1              A Europa deve falar a uma só voz, agir mais rapidamente e com menos hesitação e escolher as soluções certas, de modo a enfrentar de forma convincente a mais grave crise financeira, económica e de confiança desde a fundação da União Europeia.


1.2              O CESE acolhe favoravelmente a abordagem adotada pelos governos para corrigir os erros congénitos da área do euro e introduzir elementos para uma nova arquitetura de governação económica europeia. Tal é necessário porque os instrumentos e os procedimentos existentes não conduziram à desejada redução da dívida e dos desequilíbrios macroeconómicos. A nova arquitetura de governação económica europeia deverá, contudo, garantir os direitos democráticos dos Estados‑Membros e dos seus parlamentos eleitos livremente, assim como a autonomia dos parceiros sociais e a sua liberdade de negociação coletiva.


1.3              A governação económica europeia centra‑se antes de mais na política económica, mas afetará principalmente os sistemas sociais, obrigando os Estados‑Membros a determinadas reformas, sob ameaça de sanções (semi‑) automáticas. O CESE recomenda uma consolidação orçamental inteligente e sustentável, que garanta os investimentos sociais necessários a fim de evitar assimetrias sociais.


1.4              Algumas das medidas de austeridade já aplicadas ou previstas terão um impacto negativo, por exemplo, na vida das pessoas e das empresas se houver uma redução dos serviços sociais e das medidas de integração das pessoas com deficiência no mercado de trabalho ou se forem desmanteladas as infraestruturas sociais necessárias, por exemplo, para os serviços de acolhimento de crianças ou a formação. Tal terá repercussões negativas no acesso e na qualidade de tais serviços e traduzir‑se‑á numa grave perda da qualidade de vida dos grupos vulneráveis.


1.5              O CESE chama a atenção para os conflitos intrínsecos entre os objetivos da Estratégia Europa 2020 e da governação económica europeia. A aplicação do Semestre Europeu e do pacote de seis atos legislativos (six‑pack) não deve comprometer a consecução dos objetivos da Estratégia Europa 2020. Por exemplo, em matéria de redução da pobreza, ter‑se‑á que analisar todas as medidas a adotar para evitar que estas não acabem por agravá‑la.


1.6              O CESE reitera a necessidade urgente de proceder a avaliações do impacto social da nova legislação em matéria de governação económica e solicita em particular:


1)      um «pacto de investimento social»;

2)      uma participação abrangente e em tempo útil das organizações representativas da sociedade civil, em especial os parceiros sociais pelas suas funções e competências específicas, em todas as medidas;

3)      a convocação de uma convenção para definir uma estratégia baseada no progresso social a aplicar no âmbito das alterações previstas do Tratado;

4)      um «plano de salvamento social» através de «governação social» equivalente;

5)      a garantia e a promoção da negociação coletiva autónoma dos parceiros sociais;

6)      a exploração de novas fontes de rendimento para consolidar os orçamentos públicos;

7)      o aumento da eficiência e da adequação da despesa pública e uma luta mais tenaz contra a evasão fiscal.

2.                  Uma nova arquitetura para gerir a crise


2.1              Com o Tratado de Lisboa, a dimensão social da Europa foi reforçada e a economia social de mercado definida como um objetivo, os direitos sociais fundamentais tornaram‑se juridicamente vinculativos e as avaliações do impacto social obrigatórias para todos os projetos e iniciativas da UE. O CESE sublinha, desde há muito, que a economia social de mercado na Europa deve alinhar os objetivos da competitividade com os da justiça social. A dinâmica económica e o progresso social não são incompatíveis, mas antes reforçam‑se mutuamente[1].


2.2              O CESE congratulou‑se com o facto de a UE, na sua nova Estratégia Europa 2020, ter chegado a acordo quanto à necessidade de gerar crescimento inteligente, sustentável e inclusivo.


2.3              A União Europeia está atualmente a passar pela crise mais grave desde a sua fundação. A crise financeira evoluiu em muitos países para uma grave crise económica, social e da dívida. Como se isso não bastasse, as instituições europeias veem‑se confrontadas com a inação e um défice de confiança. A Europa deve falar a uma só voz, agir mais rapidamente e com menos hesitação e escolher as soluções certas.


2.3.1        Enquanto a política de austeridade e os planos de salvamento chamam a si todas as atenções, as medidas necessárias para melhorar a governação económica e aumentar o crescimento são fragmentárias e pouco transparentes. Falta, além disso, um debate sobre os prós e os contra de uma integração aprofundada.


2.3.2        Manifesta‑se cada vez mais a preocupação de esta crise de confiança se transformar numa crise da democracia, sobretudo dado o receio de sanções. O CESE sublinha que os parlamentos nacionais eleitos por sufrágio universal direto devem poder decidir livremente sobre os orçamentos e a composição dos governos, em conformidade com as suas competências e responsabilidades.


2.3.3        O CESE já destacou em vários pareceres que a crise atual estava a assumir a forma de um verdadeiro teste de resistência para a Europa. A política de austeridade provoca agitação social em muitos países e alimenta sentimentos antieuropeus e nacionalistas.


2.4              A reação política da UE e dos governos nacionais à chamada crise da dívida, originada, designadamente, pela crise financeira dos últimos anos que, por sua vez, se deve, em parte, à desregulamentação massiva dos mercados financeiros, foi uma política de austeridade forçada, numa tentativa de acalmar os mercados financeiros. O CESE regozijou‑se já várias vezes por a Comissão Europeia ter apresentado propostas para a introdução de um imposto sobre as transações financeiras e de obrigações de estabilidade, apesar de uma oposição renitente a este projeto[2].


2.5              Tentou‑se corrigir alguns dos erros congénitos da área do euro e, ao mesmo tempo, introduzir elementos para uma nova arquitetura de governação económica europeia. O seu objetivo é conseguir futuramente uma melhor coordenação da política económica, um maior rigor na política e no controlo orçamentais e um aumento da competitividade[3]. O Parlamento Europeu adotou no outono de 2011 cinco regulamentos e uma diretiva para a reforma da governação económica europeia (six‑pack).


2.5.1        Este pacote de seis atos legislativos baseia‑se em três pilares:


§        Reforçar o atual pacto de estabilidade e crescimento: O procedimento relativo aos défices excessivos (PDE) prevê regras adicionais e mais rigorosas para diminuir o défice público e a dívida pública, exigindo aos Estados‑Membros que reduzam nos próximos vinte anos o atual nível da dívida para o limite máximo de 60% fixado pelo Tratado de Maastricht, independentemente do ciclo conjuntural. Isto é pró-cíclico e potencialmente nefasto para o crescimento e o emprego.

§         Criar o «procedimento relativo a desequilíbrios excessivos»: Trata‑se de um processo político completamente novo a ser conduzido a nível europeu, com o objetivo de detetar e corrigir desequilíbrios macroeconómicos que podem pôr em risco a estabilidade da moeda única.

§         Fazer cumprir o pacto de estabilidade e o «procedimento relativo a desequilíbrios excessivos» com sanções «pesadas»: Já existem recomendações a nível europeu para «racionalizar» as decisões políticas a nível nacional desde a assinatura do Tratado de Maastricht. No entanto, o que é completamente novo é o facto de estas recomendações serem agora acompanhadas de sanções quase «automáticas» para os países membros da área do euro, com a introdução da «votação invertida por maioria», que é no mínimo questionável, dado que se trata de um procedimento completamente novo ainda não consagrado no Tratado. Simplificando, a proposta da Comissão de aplicar sanções anuais de 0,1 ou 0,2% do PIB a Estados‑Membros que não seguem as suas recomendações será adotada, salvo decisão em contrário do Conselho de Ministros das Finanças, deliberando por maioria qualificada e no prazo de dez dias. Isto introduz um alto nível de «automatismo» no processo de sanções, forçando assim os Estados‑Membros a levar seriamente em conta as recomendações políticas elaboradas ao nível europeu.

2.5.2        Em 23 de novembro de 2011, a Comissão adicionou dois novos regulamentos ao six‑pack: o primeiro destina‑se a reforçar a supervisão dos Estados‑Membros com graves dificuldades relativamente à estabilidade financeira e o segundo visa acompanhar e corrigir os projetos de planos orçamentais dos Estados‑Membros. O primeiro alargará, reforçará e aprofundará as recomendações políticas de cada país destinadas a Estados‑Membros submetidos a um programa de ajustamento macroeconómico. O incumprimento deste programa resultará na suspensão dos pagamentos do Fundo Social Europeu e dos Fundos Estruturais. O segundo reforça as competências da Comissão para fiscalizar os procedimentos dos orçamentos nacionais, exigindo aos Estados‑Membros a criação de regras vinculativas para os montantes dos défices orçamentais. Os dois regulamentos aumentarão a pressão exercida pelos outros Estados‑Membros e reforçarão os efeitos inerentemente pró-cíclicos com consequências bem conhecidas.


2.5.3        O período de revisão anual de seis meses, designado por Semestre Europeu, foi concebido para evitar orientações contraditórias nas políticas orçamentais dos Estados‑Membros e para dar seguimento à consecução dos objetivos da Estratégia Europa 2020. Este procedimento visa garantir que os principais objetivos da UE serão, de facto, incluídos atempadamente nos planos orçamentais nacionais e antes de ser votado nos parlamentos nacionais o exercício fiscal do ano seguinte. A governação económica europeia centra‑se antes de mais na política económica, mas afetará principalmente os sistemas sociais, obrigando os Estados‑Membros a reformá‑los, sob ameaça de sanções (semi‑) automáticas.


3.                  Impacto social da nova legislação


3.1              No quarto ano de crise financeira e económica, as perspetivas para a economia e o emprego na Europa continuam a deteriorar‑se. 23 milhões de pessoas estão desempregadas. Os últimos dados[4] sobre o desemprego mostram que, em setembro de 2011, as taxas de desemprego na UE‑27 e na área do euro eram, respetivamente, de 9,7% e 10,2%, o que representa um acréscimo em relação ao mesmo período de 2010. A taxa de desemprego juvenil passou de 15,5% para 21,4% entre 2008 e 2011 e a taxa de inatividade aumentou de 55,6% para 56,9%. Na Grécia e na Espanha, quase um em cada dois jovens está desempregado[5], o que equivale a mais de 5 milhões de jovens sem emprego que não estão inscritos no ensino ou em ações de formação. A criação de 1,5 milhões de empregos até meados de 2011 esteve muito longe de compensar a perda massiva dos 6 milhões de postos de trabalho suprimidos durante a crise. A taxa de emprego aumentou devido, principalmente, ao acréscimo dos contratos a prazo e do trabalho a tempo parcial.


3.2              Para agravar ainda mais a situação, as previsões económicas reviram drasticamente em baixa a taxa de crescimento e a Comissão Europeia reconheceu nas suas recentes previsões do outono 2011‑2013 que «a recuperação da economia da UE parou» e que não haverá melhorias previsíveis nos elevados níveis de desemprego[6].


3.3              A crise bancária mundial de 2007‑2009 levou à atual crise da dívida soberana, visto os governos terem injetado elevados recursos em operações de salvamento dos bancos e garantias estatais, a fim de manterem o sistema monetário a funcionar. Por conseguinte, os níveis médios da dívida aumentaram de 60 para 80% do PIB, reduzindo consideravelmente o espaço de manobra para a boa aplicação dos estabilizadores automáticos e de outras medidas anticíclicas. Tal significa que o mercado de trabalho e as políticas sociais terão de suportar os encargos do ajustamento. O único fio condutor das diversas iniciativas políticas europeias é que os salários se tornarão num instrumento fundamental do ajustamento, através de cortes e da deflação salarial.


3.4              O CESE considera que as consequências desta evolução são potencialmente perigosas para a saúde económica da Europa e para o seu tecido social. Como o Comité de Proteção Social destacou no seu relatório sobre o impacto social da crise económica, as medidas de austeridade aplicadas ou previstas terão um impacto na inclusão social porque suprimem as prestações e os serviços previstos para os grupos vulneráveis, como, por exemplo, as pessoas com deficiência. Tal terá repercussões negativas no acesso e na qualidade dos serviços públicos para as pessoas e as empresas[7]. Taxas de juro elevadas tornam praticamente impossível aos Estados‑Membros reduzir os seus défices orçamentais e a sua dívida soberana. A Grécia, por exemplo, regista excedentes primários no orçamento estatal, desde a primavera de 2011, mas o défice continua a crescer devido ao peso insustentável das taxas de juro.


3.5              As medidas de austeridade, que põem em perigo os investimentos sociais necessários, vêm‑se juntar àquilo que constitui uma espiral descendente. Na falta de novas fontes de crescimento, os cortes nas despesas concomitantes implicam uma evolução negativa das receitas orçamentais, nomeadamente a diminuição das receitas fiscais e o aumento das prestações sociais em forma de subsídios de desemprego. Os défices orçamentais correm o risco de se acentuarem, originando eventuais efeitos desastrosos nos mercados financeiros, que acompanham atentamente as tendências em todos os Estados‑Membros.


3.5.1        Além disso, as medidas de austeridade que entravam a procura final num Estado‑Membro podem ter repercussões significativas noutros países, criando uma espiral descendente. Este fenómeno pode‑se produzir quer na cadeia do valor acrescentado dentro do mercado único quer no âmbito do comércio. Enveredar por programas de austeridade simultâneos em vários países ensombrará ainda mais as perspetivas de crescimento e poderá desencadear um círculo vicioso de incerteza para o investimento, nomeadamente na educação, na formação, na investigação e na inovação, assim como para o emprego e o consumo.


3.6              Na elaboração e aplicação de medidas de governação da UE, o Comité reputa necessário verificar exatamente se, e em que medida, existe uma relação entre os desenvolvimentos económicos negativos dos Estados‑Membros e das regiões e os desequilíbrios dos mercados, os processos de concentração económica e os abusos de mercado cometidos por grandes grupos comerciais. Na opinião do CESE, para fazer face a este tipo de relação, haverá, por exemplo, que adotar contramedidas fiscais eficazes e coordenadas e integrá‑las nas medidas de consolidação. Deste modo, reforçar‑se‑á a competitividade das PME e, ao mesmo tempo, a produção industrial destinada à exportação. Isto deve ser acompanhado pelas necessárias medidas estruturais para garantir o crescimento e a criação de emprego.


3.7              O CESE lamenta que todos as políticas nesta matéria sejam baseadas em assimetrias e introduzam uma distorção estrutural. Numa carta do Comissário Olli Rehn expõe‑se o ponto de vista da Comissão sobre os desequilíbrios da área do euro, sublinhando que os abissais défices externos poderão causar problemas, ao passo que os persistentes excedentes na balança de transações correntes não são considerados como uma ameaça para a coesão da moeda única[8]. Ao redefinir as posições concorrenciais parte‑se do princípio de que o problema reside nos países que acumulam a dívida para financiar o seu défice externo, ao mesmo tempo que se encoraja os países com excedentes a prosseguir nesta via.


3.8              Para a elaboração do painel de avaliação relativo aos desequilíbrios macroeconómicos, a Comissão define indicadores de forma tal que uma evolução dinâmica dos salários em diversos setores económicos é imediatamente assinalada e colocada sob observação, ao passo que os Estados‑Membros que adotem uma estratégia de congelamento dos salários não são pura e simplesmente controlados. Estão previstas «classificações», para comparar a evolução dos custos salariais unitários com a dos principais concorrentes. Este tipo de comparação pode servir para identificar uma evolução divergente da competitividade, não pode, porém, levar automaticamente a uma avaliação negativa do aumento dos salários e a uma avaliação positiva dos baixos salários e da moderação salarial. Em vez disso, os aumentos salariais devem orientar-se pela evolução da produtividade e da inflação.


3.9              O CESE manifesta, em especial, a sua inquietação pelo facto de os governos se terem comprometido a adotar medidas e práticas fora do seu alcance e das suas possibilidades de influência. O Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho sobre «A prevenção e a correção dos desequilíbrios macroeconómicos» contém um mecanismo de alerta em cujo cerne se encontra o painel de avaliação composto por um conjunto de indicadores (artigo 3.º). Estes indicadores descrevem limiares inferiores e superiores de desequilíbrios macroeconómicos internos e externos que são tidos em consideração para lançar o procedimento por desequilíbrios excessivos (PDE). Entre estes indicadores figuram, além disso, os custos salariais unitários, não obstante estes resultarem essencialmente da negociação coletiva autónoma entre os parceiros sociais e não serem da competência da política económica dos Estados.


3.10          O CESE defende, por conseguinte, que os parceiros sociais sejam associados à implementação do regulamento na área do euro e no nível nacional. Sublinha que qualquer que seja a forma adotada para institucionalizar a participação dos parceiros sociais nessa implementação, a sua autonomia não deve ser questionada e as Convenções n.ºs 87 e 98 da OIT devem ser plenamente respeitadas. Além disso, a observância dos objetivos gerais da União Europeia, em particular, o progresso social e uma harmonização «em alta» da política social da UE deviam fazer parte integrante desse processo, tal como os direitos sociais fundamentais previstos na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (artigo 51.º, n.º1).


3.11          Num período de dificuldades e de mudanças económicas e sociais, é fundamental envolver as organizações sociais nos processos e na aplicação de medidas de governação e de consolidação. São preciosos os seus contributos no âmbito da formação, da prevenção, do emprego e da paz social, assente no respeito da dignidade humana e na solidariedade social.


4.                  Impacto social das medidas nos Estados‑Membros


4.1              O CESE está muito preocupado com o impacto social desta crise bem patente na maioria dos Estados‑Membros, recomendando, por isso, que se imprima às reformas estruturais uma orientação favorável ao crescimento e ao emprego. Garantir e promover os direitos sociais e laborais fundamentais reflete‑se positivamente na produtividade da economia no seu todo. Por princípio, haverá que zelar por assegurar a capacidade de ação dos governos, graças a receitas fiscais suficientes e a uma luta sem tréguas conta a fraude fiscal.


4.1.1        O CESE constata com apreensão as crescentes divergências nacionais e regionais que ameaçam perigosamente o processo de unificação europeia. Com efeito, é a primeira vez que se assiste a uma deterioração evidente da coesão económica e social da União. No passado, apenas houve um agravamento temporário das divergências sociais e económicas com o alargamento a novos Estados‑Membros.


4.2              O Comité de Proteção Social afirma no seu relatório sobre o impacto social da crise que a crise financeira e económica levou a uma deterioração considerável da situação social de vastos grupos da população, especialmente jovens, pessoas com contrato a prazo e migrantes. Em todos os Estados‑Membros, os desempregados são um dos grupos mais expostos ao risco de pobreza[9]. Os recentes protestos e agitação social na Grécia, em Espanha e em muitos outros Estados-Membros são o reflexo dessa situação.


4.3              O último inquérito Eurostat, de 2011, revela que os cidadãos da UE se sentem apreensivos por verem a pobreza a aumentar:

            Uma larga maioria, que tende a crescer, de europeus pensa que há cada vez mais pobreza. Quando se lhes pergunta se a pobreza aumentou ou diminuiu nos três últimos anos, 87% respondem afirmativamente. A opinião segundo a qual a pobreza aumentou nos três últimos anos é muito mais frequente agora do que no outono de 2010. Apenas 22 % dos europeus consideram suficientes os esforços envidados na luta contra a pobreza[10].

4.4              O CESE está muito apreensivo com o facto de as repercussões sociais das medidas para ultrapassar a crise causarem uma divisão mais profunda na Europa e acabe por perder progressivamente o apoio dos cidadãos, quando precisa de reconquistar a sua confiança.


4.5              É de opinião que será necessário fazer todo o possível para evitar que as medidas de austeridade aumentem o risco de pobreza e proceder a uma avaliação eficaz do impacto social, examinando de que modo os objetivos – resgatar pelo menos 20 milhões de pessoas da pobreza e da exclusão social nos próximos dez anos – poderão ser alcançados no novo contexto e quais as medidas necessárias para esse efeito. O reverso do recrudescimento da pobreza é o aumento incessante dos ativos e dos lucros, um fenómeno favorecido em alguns Estados-Membros por estratégias fiscais e orçamentais inadequadas. A arquitetura da governação económica europeia e a concretização do Semestre Europeu não deverão redundar no incumprimento do objetivo de redução da pobreza consagrado na estratégia global Europa 2020.


5.                  Necessidade de avaliações aprofundadas do impacto social


5.1              O CESE destacou em 2011 que a cláusula social horizontal (CSH, artigo 9.º do TFUE) é uma inovação fundamental para a União na aplicação da sua política[11].


5.2              Neste contexto, o CESE referiu que a cláusula social horizontal devia ser aplicada nos domínios gerais e na estrutura global da nova governação socioeconómica ao nível da UE no âmbito da Estratégia Europa 2020, acordada pelo Conselho Europeu em 2010[12], incluindo o Semestre Europeu, o pacote de seis atos legislativos (six‑pack), o Pacto Euro Mais e os mecanismos de salvamento.


5.3              O CESE reitera que as medidas para combater a crise não deverão em caso algum violar os direitos inscritos na Carta dos Direitos Fundamentais. Por outro lado, há que identificar as medidas a tomar durante um ano para garantir o respeito dos direitos fundamentais[13].


5.4              O Comité de Proteção Social e a Comissão Europeia criticaram, por isso, conjuntamente, o facto de, até à data, poucos Estados‑Membros terem realizado avaliações do impacto social sobre as medidas de consolidação orçamental[14].


5.5              O CESE insiste em que é de toda a urgência realizar avaliações do impacto social da nova legislação na governação económica. A UE comprometeu‑se a promover a inclusão social, uma aspiração que não se traduz apenas em objetivos quantitativos, mas também na sua consagração qualitativa no Tratado, em pé de igualdade com os direitos sociais fundamentais. Está diretamente em causa a qualidade de vida dos cidadãos, um facto que convém ter em conta e evidenciar tanto numa ótica quantitativa como qualitativa, no âmbito das avaliações de impacto. Apenas algumas propostas legislativas foram objeto de avaliações de impacto, mas nestas as consequências sociais tiveram um papel incipiente e os resultados foram quase sempre ignorados[15].


6.                  A Europa necessita de um pacto de investimento social


6.1              Dadas a natureza e a amplitude, nunca antes vistas, dos atentados diretos e indiretos aos direitos, estruturas e conquistas sociais, é necessário um quadro global, com base numa avaliação detalhada e independente do impacto social, que associe mais estreitamente os seguintes elementos:


6.1.1        Participação abrangente e em tempo útil dos parceiros sociais em todas as medidas


6.1.1.1     Tanto as medidas existentes como as planeadas para o futuro só deverão ser aplicadas após consulta exaustiva dos parceiros sociais. Tal resulta do disposto no artigo 152.º do TFUE. Esta exigência aplica‑se, sobretudo, às medidas de austeridade que são apresentadas como intervenções puramente económicas ou orçamentais e se traduzem afinal em retrocessos no plano social. Como exemplo da necessidade da participação dos parceiros sociais, recomenda‑se a criação de uma task force da UE para a Grécia. Além disso, também as associações sociais e as organizações não governamentais devem participar de forma abrangente e em tempo útil em todas as medidas.


6.1.2        «Pacto de investimento social»


6.1.2.1     De modo geral, o CESE é de opinião que não se consegue sair de uma crise desta amplitude com medidas de austeridade, como as adotadas pela Grécia e outros Estados‑Membros, mas sim e unicamente com uma política de crescimento. Por conseguinte, o CESE propõe um pacto de investimento social para promover, no âmbito da governação económica, investimentos sustentados nas qualificações, nas infraestruturas e na produção e que se promovam investimentos na economia social, nas empresas sociais[16] e na prestação de serviços sociais.


6.1.2.2     Para tal, considera necessário a adoção de um pacto de investimento social. O CESE apoia, por isso, a reivindicação de Frank Vandenbroucke, de Anton Hemerijk e de Bruno Palier nesse sentido. A seu ver, o desafio principal consiste em zelar por que o investimento social a longo prazo e a consolidação orçamental a curto prazo se reforcem mutuamente quer a nível da UE quer dos Estados‑Membros. Considera que os objetivos da Estratégia Europa 2020 poderão criar o quadro necessário para tal, na condição de esse pacto ser integrado na política orçamental a favor do crescimento e na regulamentação financeira. Isto significa que as novas medidas de supervisão macroeconómica e orçamental devem ser acompanhadas de um pacto de investimento social[17].


            O CESE sente‑se apreensivo com as repercussões sociais dos cortes nas pequenas pensões de reforma decorrentes das medidas de austeridade adotadas em consequência da crise. Insta novamente a Comissão a encetar diligências para a definição, a nível da UE, de regimes de pensões adequados [18].

6.1.3        Exploração de novas fontes de rendimento para os orçamentos públicos


6.1.3.1     Não se pode recorrer sistematicamente às finanças públicas para acudir a todas as situações, desde operações de salvamento dos bancos e aumento das despesas sociais até ao apoio às empresas, passando pelos investimentos inovadores. É indispensável que o Estado encontre novas fontes de receitas. Isto deve coincidir com o aumento da eficiência e da adequação da despesa pública. O CESE está convicto da necessidade de reforçar a matéria coletável dos Estados‑Membros através, designadamente, da introdução de um imposto sobre as transações financeiras, da abolição dos paraísos fiscais, do combate às práticas de concorrência fiscal e da adoção de medidas de combate à evasão fiscal. Ao mesmo tempo, todos os Estados‑Membros devem centrar as suas ações na qualidade do investimento quando se comprometem a realizar investimentos sociais e a consolidar os orçamentos através de reformas e crescimento. Acresce que seria conveniente repensar globalmente os regimes fiscais, focando questões relativas ao ajustamento dos montantes em função das várias formas de rendimento e de ativos[19].


6.1.4        Um «plano de salvamento social» através de «governação social» equivalente (social governance)


6.1.4.1     Sem um «plano de salvamento social» (Jean‑Claude Juncker), a arquitetura da governação económica fica incompleta e a Europa dará um passo atrás, convertendo‑se numa simples união económica e orçamental, longe dos objetivos de uma economia social de mercado. O CESE alerta, com ênfase, para esse perigo.


6.1.4.2     O CESE preconiza uma ação responsável do Estado nos domínios económico e social (governação económica e social). Importa relacionar ainda mais estreitamente a consolidação a curto prazo com os objetivos da Estratégia Europa 2020, de modo a reforçar o crescimento inteligente, a coesão e a inclusão social.


6.1.4.3     A UE deve continuar a garantir que todas as medidas económicas e orçamentais respeitem plenamente as disposições sociais do direito primário, assim como os direitos sociais fundamentais e, em especial, o direito à negociação coletiva e à greve, e que estas medidas não impliquem uma deterioração das conquistas sociais alcançadas.


6.1.5        Convocação de uma convenção para definir uma estratégia baseada no progresso social a aplicar no âmbito das alterações previstas do Tratado


6.1.5.1     O CESE reivindica a convocação de uma convenção. As profundas alterações do Tratado atualmente na ordem do dia requerem não só um amplo debate como também legitimação democrática. Tal como na última convenção, devem participar os parlamentos nacionais, o Parlamento Europeu, os parceiros sociais e o CESE. Há que assegurar que, tanto no relatório intercalar como no roteiro, estas alterações do Tratado assumam uma dimensão social equivalente e que o resultado seja integrado no relatório planeado para março sobre a natureza e a amplitude das medidas acordadas.


6.1.6        Garantia e promoção da negociação coletiva autónoma dos parceiros sociais


6.1.6.1     O CESE reafirma a sua posição de que as obrigações consagradas na Carta dos Direitos Fundamentais se aplicam a todas as instituições e organismos da UE. São, por isso, absolutamente inadmissíveis quaisquer tentativas de atacar a autonomia da negociação coletiva dos parceiros sociais, cabendo à Comissão Europeia fazer tudo o que estiver ao seu alcance para impedi‑lo. Esta não deve de modo algum dirigir recomendações aos Estados‑Membros induzindo‑os a violar a Carta. Antes pelo contrário, ela terá de multiplicar esforços não só para proteger os direitos fundamentais como também para promovê‑los. A crise é um teste para verificar até que ponto a cultura dos direitos fundamentais se encontra enraizada na Europa[20].


Bruxelas, 22 de fevereiro de 2012

O Presidente
do Comité Económico e Social Europeu



Staffan Nilsson

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1 comentário:

403 d'62 disse...

Manel, passaste-te ???