Militares e polícias: competências
Proponho-me rever duas questões substantivas mas pouco atendidas. Militar e polícia têm pontos em comum: são estruturantes do Estado, assentando no monopólio do uso legítimo da força (palavra-chave: legítimo), e ambos são especialistas na gestão do uso da força; têm o dever de defender a comunidade e a ordem em que se inserem, contra ameaças, sobretudo as que usem a força; no Estado de direito, estão sujeitos à lei e dependem dos órgãos legítimos do poder político.
Com as Forças Armadas (FA) sujeitas a cortes orçamentais, ou limitadas no seu poder, as informações a que as polícias podem ter acesso (pela sua difusão no território) e os recursos que lhes são atribuídos são tentadores. Ante as aparentes economias de escala, a partilha é tentadora para as FA. Num ambiente de ínfima ameaça externa, as economias de escala recomendarão antes que as FA apoiem as polícias. Mas isso é que não, "um militar não se subordina a polícias", dizem muitos militares. Esta dualidade indicia que as economias de escala, ou outros argumentos afins, apenas visam manter a configuração das FA; é o caso da pretensão de domínio da Marinha sobre a Polícia Marítima (ou sobre o Sistema Nacional para a Busca e Salvamento Marítimo), cristalizada na expressão "duplo uso" e em economias de escala (por demonstrar), mas sem fundamento na Constituição nem na lei. E mesmo quem o defende já reconhece que a separação constitucional entre defesa nacional e segurança interna deve ser diluída para que este "duplo uso" deixe de ser inconstitucional - um, entre tantos casos de servidores do Estado que querem mudar a lei pa- ra facilitar a gestão interna ou para realizar projectos particulares.
Mas há duas razões substantivas que sustentam uma diferenciação entre FA e polícias.
Aprendi com um notável almirante que me chefiou que a diferença entre FA e polícias é "a prova": enquanto o militar pode, e por vezes deve, levar a sua acção até a destruição, o polícia está sujeito ao imperativo de preservar a prova (fundamenta a acusação e pode ter de ser presente a tribunal). O polícia orienta-se pelo mínimo uso da força; o militar apoia-se em tecnologias que disponibilizam grandes quantidades de energia aplicadas em pouco tempo, que garantem a destruição dos objectivos. Tem de ser diferente a formação e o treino de ambos, desde logo porque o polícia tem de conhecer bem a lei que faz cumprir todos os dias e é punido se não a souber ou se a aplicar mal.
E a distinta natureza das funções e da formação do militar e do polícia levam-nos a encarar a informação de modo divergente, incluindo na relação com as suas envolventes. Enquanto o militar segue o princípio de "need to know" (só se permite o acesso, mesmo interno, a informação, a quem tenha de a saber, por motivos operacionais), o polícia guia--se pelo "right to know" (obter e preservar a prova determina que a informação é pública, com excepções e interpretações restritas).
Isolando o profissionalismo dos serviços de relações públicas, mais do que na postura corporativa dos civis, a desconfiança está latente na formação e na conduta típica dos militares sobre a observação ou divulgação externa (sem controlo) das suas actividades internas; e revela-se na atitude cultural perante os media que são considerados não-simpáticos.
Militares e polícias são diferentes, e são insubstituíveis nos seus âmbitos próprios, definidos na Constituição e na lei. Ante ameaças existenciais, e justificando-se o uso de elevada força, as FA dirigem e as polícias apoiam; fora dessas excepções, as polícias dirigem e as FA devem apoiá-las.
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2 comentários:
Não concordo nada com isto.Mesmo nada
Mas que coisa!!!
LGF
Sempre que leio algo deste senhor, lembro-me do que Camões dizia: "Quem te manda a ti sapateiro tocar rabecão?..."
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