sábado, 17 de março de 2012

سوريا


COM A DEVIDA VÉNIA

Há uma forte corrente de opinião internacional inconformada com a situação na Síria e que se interroga sobre a dualidade de critério que o não intervir militarmente representa em relação à opção adotada no caso da Líbia. Compreende-se facilmente a indignação se tivermos em conta que o número de baixas (estimadas em 8000, precisamente ao fim de um ano de insurreição) já excedeu cinco vezes o que se verificava na Líbia, na véspera da intervenção e o facto de que cerca de 500 mortes correspondem a crianças. Há também 70000 deslocados dentro do país e mais alguns milhares de refugiados nos países vizinhos (Turquia -11000 em seis campos de refugiados -, Líbano e Jordânia). Já nada parece faltar para podermos classificar a situação como uma dramática crise humanitária.
No entanto, o único campo em que a comunidade internacional tenta movimentar-se é o político diplomático e imposição de sanções, e, mesmo assim, de forma limitada pelo veto da Rússia e China à Resolução proposta pelo Ocidente, no Conselho de Segurança, exigindo ao Presidente Assad que pare de atacar a população do seu país. Moscovo e Pequim, considerando que a autorização dada no caso da Líbia foi excedida, não se mostram dispostos a dar de novo luz verde, mesmo tratando-se de uma Resolução em que não se fala de intervenção militar. Obviamente, a situação seria diferente se estes dois membros permanentes do Conselho de Segurança se juntassem abertamente às pressões internacionais para que o regime sírio deixe de usar a força militar contra os seus dissidentes.
Resta saber se estamos num impasse. Luis Peral, do Institute for Security Studies da União Europeia[1], acha que não porque a responsabilidade que cabe ao Conselho de Segurança pela manutenção da paz e estabilidade no mundo, embora primária, não é exclusiva. Existem outras organizações internacionais que podem tomar a iniciativa, se a situação assim o exigir. É uma questão de passar a usar o argumento de que se trata de uma situação humanitária que, constituindo uma ameaça à paz e estabilidade regional, exige ação militar, sob o exclusivo propósito de criar espaço para essa intervenção. Peral defende que o uso desta argumentação facilitaria uma decisão de actuar, em vez da invocação do “direito de proteger” (“right to protect, R2P”), que implica subsequente responsabilização criminal das autoridades sírias.
Esta iniciativa caberia em princípio ao Inter-institutional Standing Committee,[2] que, para além de poder recorrer ao Conselho de Segurança a solicitar uma Resolução que crie condições de intervenção para prestação de ajuda, pode ainda (em caso de continuação do impasse), em segundo recurso, invocar a Resolução 377 A (V) Uniting for Peace. Esta Resolução permite “recomendar”[3] à Assembleia Geral das Nações Unidas, uma ação coletiva, incluindo o uso de força, sob a ideia de que a Assembleia detém uma “responsabilidade subsidiária” à do Conselho de Segurança, no que respeita à manutenção da paz e estabilidade no mundo.[4]
Perguntar-se-á porque não são usados estes mecanismos; porque decidiram as Nações Unidas deixar o assunto entregue apenas ao UN High Commissioner for Human Rights que, malgrado o excelente trabalho que tem feito para apurar a dimensão real da crise, não tem instrumentos para intervir? Porque só agora começa o secretário-geral da ONU a falar do crescente risco de uma grave situação humanitária?
Luis Peral adianta algumas explicações sobre a inação das agências humanitárias, que considera lamentável perante o contínuo agravamento da situação. A mais relevante é a que resulta do facto de a Síria ser o terceiro país do mundo que abriga refugiados estrangeiros; de momento, cerca de meio milhão de palestinianos e mais de 100000 iraquianos. É compreensível que haja preocupações quanto a uma eventual participação da Agência de Refugiados numa iniciativa a pedir ao Conselho de Segurança uma intervenção militar, o que a acontecer poderia levar o regime sírio a negar acesso aos refugiados palestinianos e iraquianos que abriga. O Comité Internacional da Cruz Vermelha também não toma qualquer iniciativa porque prefere trabalhar discretamente com o Crescente Vermelho Sírio que tem acesso livre por todo o País.
Estas circunstâncias estão certamente a contribuir para a continuada exclusão do recurso a uma intervenção militar, mas não a explicam na totalidade. Se a comunidade internacional quisesse intervir militarmente, teria encontrado formas de contornar o bloqueio em que se encontra o Conselho de Segurança, como tem acontecido em situações anteriores. Aliás, Luis Peral também reconhece essa possibilidade quando diz: «all states of the international community are entitled to undertake action preferably as a coalition in favor of the victims on purely humanitarian grounds, since international law cannot and should not be invoked by one or two countries for the only reason that they sit at the Security Council».
A questão verdadeiramente decisiva é que se os EUA não vão intervir - não interessando agora as suas razões - então não existe qualquer outra possibilidade de utilização de força, por maior vontade que possa haver, da parte dos europeus, em pôr fim à tirania e opressão do regime do Presidente Assad. Esta situação, para quem não a conhecia, ficou muito clara na intervenção na Líbia que revelou as lacunas elementares do dispositivo europeu, por falta de valências que só os EUA possuem, por exemplo, na capacidade de supressão de defesa aéreas que, no caso da Síria, constituem um desafio muito mais exigente do que o posto pelas forças de Kadhafi, na Líbia.
Nestas circunstâncias, goste-se ou não, resta apenas esperar que a pressão político diplomática internacional, as sanções e os apoios à oposição síria vão diminuindo cada vez mais a possibilidade de o regime sobreviver. O colapso pode acontecer “amanhã” mas poderá também demorar, ninguém sabe. As expectativas de resolução da crise, em qualquer caso, não deverão ser altas porque o regime, embora hediondo, não é fraco nem está tão isolado como seria desejável para cair rapidamente.
Alexandre Reis Rodrigues
V/Alm

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