CARTA ABERTA A SUA
EXª O MINISTRO DA DEFESA NACIONAL
Entendeu Sua Ex.ª o Sr. Ministro da
Defesa Nacional (MDN),
em
almoço/debate promovido pela Revista Segurança e Defesa no passado
dia 1 de Fevereiro, fazer afirmações que, consideramos, desprestigiam os
militares e a própria Instituição Militar.
Entretanto, em troca de impressões
com vários oficiais dos três Ramos das Forças Armadas, constatei que existe um
sentimento generalizado de desagrado pelo teor das afirmações proferidas por Sua
Ex.ª, razão que levou a que fosse incumbido de lhe dirigir esta carta aberta.
As Forças Armadas
são insustentáveis, Sr. MDN?
Não são!
Estão!
Porque entre respeitar os militares e
a Instituição que se honram de servir ou dar continuidade a muitas
desconsiderações que os seus antecessores cometeram, o Sr. Ministro escolheu
trilhar o mesmo caminho destes, como repetidamente temos vindo a afirmar:
1. Em
manifesta e aberta desconsideração pela condição de quem é militar, deu-se
seguimento ao congelamento das promoções, situação que, conjugada com a redução
de efectivos e a persistente suborçamentação, desde logo considerámos
constituírem ingredientes propositadamente aplicados e que objectivamente
contribuem para a descaracterização e desarticulação das Forças
Armadas.
Isto sim, Sr.
Ministro, é insustentável!
2. Em
nome da convergência com os restantes subsistemas de saúde públicos foi
materializado um dos maiores atentados à condição militar, em resultado da qual
os militares viram significativamente agravadas as condições sanitárias
(comparticipações, desconto obrigatório de 1,5%, pagamento de taxas moderadoras
pelos familiares, extensão aos reformados das regras aplicadas aos restantes
militares, nomeadamente no que respeita às comparticipações, com as gravosas
consequências que daí advêm para inúmeros camaradas a braços com um estado de
saúde mais e mais exigente em matéria de gastos na farmácia, frequentemente,
para os ex-combatentes, devido a sequelas da Guerra, etc.).
Isto sim, Sr.
Ministro, é insustentável!
3. Como
se tal não bastasse, o OE2012 prevê uma redução de 30% nas verbas para a saúde
no corrente ano, sabendo-se que está prevista a redução de mais 20% em 2013 e
outras reduções até 2016, visando o autofinanciamento do subsistema de saúde
militar, numa postura de manifesto desrespeito pela Lei de Bases Gerais da
Condição Militar (Lei nº 11/89, de 01 de Junho).
Isto sim, Sr.
Ministro, é insustentável.
4. As
Forças Armadas aproximam-se da paralisia por falta de recursos que lhes permitam
suportar as despesas de funcionamento e de manutenção. O nível de instrução está
abaixo do que é minimamente exigível por iguais motivos.
Isto sim, Sr.
Ministro, é insustentável!
5. A
óbvia desmotivação, insegurança e falta de confiança reinantes entre os
militares, constituem claros sinais, cuja natureza deveria ser motivo de
preocupação de qualquer responsável pela Defesa Nacional, mas que o Sr. Ministro
parece não levar em conta.
Isto, sim, Sr.
Ministro, é insustentável!
6. Mais
do que qualquer outra Instituição, as Forças Armadas são aquela que maior número
de reestruturações sofreu desde 1974, a última das quais se verificou em 2009.
Sem que, de uma vez por todas, o poder político decida e defina qual deverá ser
a estrutura que permita às Forças Armadas exercer capazmente a sua competência
constitucional de defesa militar da República.
Isto sim, Sr.
Ministro, é insustentável!
7.
Depois da redução das remunerações em 2011,
da aplicação de uma taxa extraordinária ainda em 2011, dos cortes nos subsídios
de férias e Natal em 2012 e 2013, dois anos passados sobre a transição para a
Tabela Remuneratória Única, entendeu o Sr. Ministro penalizar ainda mais a
remuneração de cerca de 4.000 militares, numa lógica que mais se assemelha a
punição colectiva.
Isto sim, Sr.
Ministro, é insustentável!
8.
Afirmar que os militares não são funcionários
públicos (pelos quais nutrimos, aliás, o maior respeito), e tecer-lhes outros
encómios mas, na prática, reduzir gradualmente a condição militar em termos de
direitos e regalias, equiparando-os, deste modo, ao funcionalismo público em
geral, continuando contudo a sujeitá-los à totalidade de especiais deveres
(incluindo a permanente disponibilidade para o serviço e o sacrifício da própria
vida), sem que existam contrapartidas morais e materiais adequadamente justas,
consubstancia uma atitude muito pouco séria.
Isto sim, Sr.
Ministro, é insustentável!
9.
Entendeu o Sr. Ministro discorrer acerca das
Associações Profissionais de Militares (APM), com uma insanável contradição
subjacente ao que disse: se, por um lado, reconhece existirem razões de
descontentamento entre os militares, depois, quando as APM, que, procuram, como
V. Exa. sabe, privilegiar o diálogo e exercer as competências estabelecidas na
Lei Orgânica nº 3/2001, de 29 de Agosto, tentando contribuir para as necessárias
soluções, vêem o Sr. Ministro ignorar esse quadro legal.
Isto sim, Sr.
Ministro, é insustentável!
10.
Confrontados com tudo o que lhes vai
acontecendo, os militares, por se fecharem as portas do diálogo e da
concertação, utilizam, com toda a dignidade, os seus direitos, nomeadamente os
de reunião e manifestação constantes na Lei da Defesa Nacional, para darem
pública conta dos problemas com que são confrontados.
As APM deveriam
ser auscultadas ou envolvidas em matérias do seu âmbito, situação que não acontece porque o Sr. Ministro não
cumpre a referida Lei.
Isto sim, Sr.
Ministro, é insustentável!
Importa, no
entanto, sermos claros Sr. Ministro. A Associação de Oficiais das Forças
Armadas, se e quando auscultada ou envolvida em matérias do seu âmbito, situação
que não acontece simplesmente porque não é atendido o quadro legal que obriga o
Sr. Ministro a fazê-lo, dará nota das suas posições de modo frontal e com toda a
lealdade. No entanto, só concordará com aquilo que merecer a sua concordância e
nunca com medidas que ponham em causa o sentir profundo dos oficiais,
contrariamente ao que parece ser o desejo do Sr.
Ministro.
11. E
diz mais, o Sr. Ministro; que as APM’s fazem política, até partidária.
Como assim, Sr.
Ministro?
Denunciar perante
a opinião pública as medidas lesivas e, consideramos nós, carregadas de falta de
respeito pela dignidade de quem jurou e serve abnegadamente (sem se servir) a Pátria, é fazer
política?
12.
Porque, na realidade, sendo verdade que os
militares estão sujeitos a severos deveres e restrições de vária ordem, nada os obriga a serem submissos, acomodados (pelos
vistos, daria jeito ao poder político que assim fosse), ignorantes e apolíticos,
alheados do que vai acontecendo no País e, concretamente, com o que
de uma forma mais directa interfere com a sua condição militar e com as Forças
Armadas.
13.
Tudo nos leva a crer que o Sr. Ministro
anda mal informado, pois senão saberia das conversas que correm em Messes, nos
corredores das U/E/O e na NET, sobre as situações que ocorrem e que provocam a
indignação da maioria dos oficiais. Conversas que têm como tema, não só as
notícias que surgem nos órgãos de comunicação social, como, até, as situações
descritas no livro “Como o Estado gasta o nosso dinheiro”, cujo autor, o
Juiz Jubilado do Tribunal de Contas, Carlos
Moreno, o ofereceu à AOFA com uma amável dedicatória, onde constam
palavras como “respeito”, “consideração” e
“estima”.
14.
Será, portanto, política alertar para
situações de que poderão decorrer a penalização dos militares e das Forças
Armadas, dando a conhecer, a título de exemplo, a forma como, nessas conversas,
os oficiais vêem o modo como tem vindo a ser tratado o “dossier” BPN, obrigando
uma significativa parcela do orçamento a ser desviada para dar cobertura, tudo
leva a crer, às consequências de criminosos desmandos?
Será que é
política ter consciência, formada nessas conversas dos oficiais (neste caso,
graças aos dados insuspeitos trazidos para a opinião pública pelo analista
económico Gomes
Ferreira, no dia 24 de Janeiro passado, no programa da SIC
Notícias iniciado às 22H00) de que o “dossier” das PPP’s, com as astronómicas
verbas envolvidas, deveria constituir-se como primeira prioridade, de modo a
fazer reverter para o interesse de todos, as milionárias verbas de que alguns
beneficiaram a coberto de leoninos contratos celebrados?
A rápida
eliminação destas situações, permitiria, por exemplo, entre outras, criar
condições para evitar onerar da forma como o estão a ser, os militares e as
Forças Armadas.
Não consideramos
política e, muito menos, política partidária, tal postura.
Trata-se, isso
sim, do uso de um direito que a própria cidadania impõe.
15.
“…se
algum destes homens não sente a vocação, está no sítio errado”; “… Se algum
destes homens não sente a vocação, antes de protestos, manifestações ou
conferências de imprensa, precisa de mudar de carreira”, disse o Sr.
Ministro.
Sr. Ministro:
nunca lhe ocorreu que falava de gente
honrada, de cidadãos que, sendo militares, aprenderam a amar a sua Pátria,
muitos deles louvados e condecorados pela forma exemplar como vêm cumprindo ou
cumpriram o seu Juramento de Honra?
Sr. Ministro:
nunca lhe ocorreu que, nessa condição, é legítimo pronunciarem-se (acerca das
questões que, em seu entender e no quadro que a Lei lhes permite), sobre
matérias que consideram colocar em causa um dos principais pilares do que sobra
da Soberania desta nossa Terra?
16. O
Sr. Ministro, bem poderia, ponderando de outra forma o pensamento, ter evitado
pronunciar o que pronunciou, respeitando quem o merece, porque, ao contrário de
outros que se servem da coisa pública e dos cargos que ocupam, para vultuosos
proveitos privados, os militares são cidadãos
de uniforme, investidos da responsabilidade maior de defender a sua
Pátria, se necessário com o
sacrifício da própria vida, e que, por esse e outros motivos que a
sua condição lhes impõe, consideram consubstanciar uma falta de consideração a
forma e os termos como se lhes dirigiu.
17.
Parafraseando Martin Luter King, um
cidadão do mundo atento às injustiças a que assistia, “O que mais preocupa, não é o jeito dos violentos,
nem dos corruptos, nem dos desonestos, nem dos sem carácter, nem dos sem ética.
O que mais preocupa, é o silêncio dos
bons!”
Sem qualquer
presunção, procuramos fazer parte do grupo daqueles para quem o silêncio, a passividade e o conformismo não são
modos de estar na vida, seja na condição de cidadãos e, por maioria
de razão, como militares que somos, na forma e com a alma, e esta, Sr. Ministro,
não há vocação, como a entende, que a substitua!
18. Bem
gostaríamos que o Sr. Ministro olhasse de outro modo para o que vai acontecendo
aos militares e à Instituição Militar.
Pode crer, Sr.
Ministro: os militares compreendem como ninguém o sentido de reformas, desde que
colocadas ao serviço da Nação a que pertencem e cuja perenidade se deve à forma
como se bateram ao longo dos séculos e não merecem, longe disso, as palavras que
proferiu.
Face ao que
precede, pela acção, mas fundamentalmente pela inacção relativamente ao que vai
acontecendo aos militares e à Instituição Militar, mas também dando voz ao
descontentamento de muitos que se sentiram humilhados com as palavras
proferidas, nos termos em que o fez, entendemos que o cargo
de que V. Ex.ª , Sr. Ministro, é responsável, bem mereceria outra clarividência
ao serviço de uma causa maior: a da Pátria a que
pertencemos.
Tudo isto, Sr.
Ministro, é insustentável!
7 de Fevereiro de
2012
Assinatura
Manuel Martins Pereira
Cracel
Coronel
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