Faculdade
de Direito de Lisboa
Fico
perfeitamente siderado quando vejo constitucionalistas a dizer que não há
qualquer problema constitucional em decretar uma redução de salários na função
pública. Obviamente que o facto de muitos dos visados por essa medida ficarem
insolventes e, como se viu na Roménia, até ocorrerem suicídios, é apenas um
pormenor sem importância. De facto, nessa perspectiva a Constituição tudo
permite.
É
perfeitamente constitucional confiscar sem indemnização os rendimentos das
pessoas.
É
igualmente constitucional o Estado decretar unilateralmente a extinção das suas
obrigações apenas em relação a alguns dos seus credores, escolhendo naturalmente
os mais frágeis. E finalmente é constitucional que as necessidades financeiras
do Estado sejam cobertas aumentando os encargos apenas sobre uma categoria de
cidadãos.
Tudo
isto é de uma constitucionalidade cristalina. Resta acrescentar apenas que
provavelmente se estará a falar, não da Constituição Portuguesa, mas da
Constituição da Coreia do Norte.
É
por isso que neste momento tenho vontade de recordar Marcello Caetano, não
apenas o último Presidente do Conselho do Estado Novo, mas também o prestigiado
fundador da escola de Direito Público de Lisboa. No seu Manual de Direito
Administrativo, II, 1980, p. 759, deixou escrito que uma redução de vencimentos
“importaria para o funcionário uma degradação ou baixa de posto que só se
concebe como grave sanção penal”. Bem pode assim a Constituição de 1976
proclamar no seu preâmbulo que "o Movimento das Forças Armadas […) derrubou o
regime fascista".
Na
perspectiva de alguns constitucionalistas, acabou por consagrar um regime
constitucional que permite livremente atentar contra os direitos das pessoas de
uma forma que repugnaria até ao último Presidente do Estado
Novo.
Diz
o povo que "atrás de mim virá quem de mim bom fará".
Se
no sítio onde estiver, Marcello Caetano pudesse olhar para o estado a que
deixaram chegar o regime constitucional que o substituiu, não deixaria de rir a
bom rir com a situação.
L. Menezes Leitão
1 comentário:
Acho graça à etiqueta
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