EXAME DE
CONSCIÊNCIA AOS CHEFES MILITARES
16/1/12
“Se você
tiver a coragem de enfrentar outras pessoas em nome dos seus homens, ou, de no
momento crítico, enfrentar os seus homens em nome das exigências da missão; se
tiver a coragem física de ser o primeiro a enfrentar o perigo ou se tiver a
coragem moral de ser coerente e defender os seus princípios, então, você
conseguirá o respeito e a confiança da sua equipa, que o seguirá lealmente.
No entanto,
se eles virem que você cede à primeira investida violenta do ataque de alguém,
e se virem que você receia vencer, ou até tentar vencer um obstáculo mental ou
físico, então, você perderá rapidamente o respeito e apoio dos seus
homens”.
Extracto de
um folheto sobre Liderança, distribuído no Royal Air Force College - Cranwell
O
que se disse no “Exame de Consciência às Tropas” aplica-se “ipsis verbis” - e
por maioria de razão - a todos os que passaram pelos postos mais elevados da
hierarquia militar.
Neste
caso, porém, é necessário ir mais além dadas as responsabilidades envolvidas e
inerentes.
A
seguir ao 25 de Novembro de 1975 a Instituição Militar estava escaqueirada,
tanto em termos materiais como, sobretudo, morais. As imagens dessa época ao
invés de terem ficado arquivadas deviam ser mostradas, anualmente, em todos os
cursos de promoção a oficial superior e relembradas no curso de promoção a
oficial general…
Deste
modo se compreende que a prioridade, na época, fosse o de reconstruir o
“edifício”, o que se fez com espantosa rapidez e eficácia. Talvez por causa da
Lei da Física da “acção e reacção”…
Indubitavelmente
as FAs recuperaram muito mais rapidamente do que o resto da Nação. Porém, a
convulsão tinha sido profunda e deixou feridas graves no âmbito da ética,
camaradagem, espírito de corpo, lealdade e … confiança mútua. O facto do
processo de “sarar feridas”e apuramento de responsabilidades, não ter ocorrido
nada bem (com culpas muito grandes, também, da classe política), não ajudou
nada. A piorar as coisas a imagem das FAs, por uma razão ou por outra - que não
vou agora especificar - saiu ferida em praticamente todo o país.
Isto
causou uma perda severa de auto - estima e uma inibição psicológica de actuação.
A evolução do sistema político e da sociedade fez o resto. Ou seja, ainda não
superámos tudo isto o que resulta, na prática que, individualmente e como
instituição, nos deixámos de dar ao respeito. Ora quem não se dá ao respeito
não pode ser respeitado.
Convenhamos
- para termos uma referência/fronteira - em que a fase de estabilização da IM
terminou em 1982, com a publicação da Lei de Defesa Nacional e das Forças
Armadas (Lei 29/82). Esta lei, todavia, nunca teve, na prática, nada a ver com
Defesa Nacional no seu todo, mas apenas com a sua componente militar, pelo que
deveria, com propriedade, ser rebaptizada como Lei para as FAs (e o próprio
ministro, como ministro das FAs). E que passou a ser entendida pelos políticos
como a Lei para pôr “ordem na tropa”, para a submeter em vez de a subordinar.
Seguindo
uma prática, que não deixa de ser ideológica, de não colocar todos “os ovos no
mesmo cesto” - que tem sido aplicada, aliás, a todo o país tornando-o uma
espécie de helicóptero em estacionário, ou seja, sem resultante - a lei prevê
um equilíbrio de poderes entre os quatro chefes militares e entres estes e o
MDN, que dificulta muito as decisões e a sua implementação.
A
partir da existência desta Lei os sucessivos governos - em progressão aritmética
a partir do 1º governo de Cavaco Silva - começaram a asfixiar progressivamente
as FAs em termos financeiros, em pessoal e legislativos. Descambou agora na
situação de exiguidade e disfuncional idade em que estamos.
Ora
perante tudo isto a hierarquia militar reagiu, por norma, tarde (e atrás dos
acontecimentos), dividida e em termos ténues.
A
primeira (e talvez única) estratégia ensaiada foi a do “facto consumado”. Isto
é, pedem-se os meios e depois da sua chegada, solicita-se dinheiro para os
manter e operar. Nunca resultou, pelo simples facto dos políticos estarem
olimpicamente desinteressados de tais coisas.
A
verdadeira grande “estratégia”, contudo, que se pode divisar e comum aos três
Ramos foi a de “encaixar danos”. Fez-se isto em nome da subordinação (que os
políticos entendem como submissão) militar; na “profundidade estratégica” -
sobretudo no Exército; na esperança de melhores dias; que o governo caísse e
viesse outro melhor; que a conjuntura internacional ou a percepção de ameaças
mudasse o modo como as FAs são encaradas, etc.
Ora
nada disto se passou e nunca se cortou capacidades com medo de nunca mais as voltar
a ter, foi-se degradando tudo até chegarmos à actual indigência e limiar da
sobrevivência em que nos encontramos.
Tudo
isto, sobretudo, pela falta de entendimento crónica entre os Ramos que roça a
irracionalidade; outro sim, por um erro de análise profundo que resulta de se
ter incluído a generalidade dos políticos, oriundos dos partidos políticos de
que somos servidos, na “Ordem de Batalha” das “Forças Amigas”! Não faz sentido
que assim não fosse, mas o que é certo é que o seu comportamento não o permite
ou aconselha.
Ora
se nós fizermos uma ordem de batalha errada está-se mesmo a ver o resultado…
Estes
dois últimos aspectos saltam à vista, por exemplo, na definição de missões e
nas Leis de Programação Militar. Resumidamente: as FAs “nunca têm dinheiro a
menos, podem ter é missão a mais”. De modo que, quando os políticos não dão os
meios para se poderem cumprir as missões, que eles definiram, que
derivam do Conceito Estratégico que eles aprovaram; que, por sua vez,
decorre da Política que eles definiram (se é que alguma), então os
chefes militares só têm uma coisa a fazer, depois de se (des)entenderem: é
apresentarem um estudo de Estado-Maior com várias opções, vantagens,
inconvenientes e consequências e forçarem, é o termo, a que haja uma
definição política sobre isto e que seja assumida publicamente (naquilo que não
for classificado).
Assim
é que não. Ainda não repararam os senhores generais e almirantes que o comum
dos políticos não tem pejos éticos na sua actuação e a única coisa que daqui
resulta é terem colaborado no seu jogo pouco limpo e porem-vos uns contra os
outros a lutarem por migalhas do orçamento?
Porque se permitiu que um grupo de
inspectores das finanças fosse vasculhar as contas dos Ramos, nos moldes em que
tudo se passou, em vez do sargento da guarda (se é que ainda há…) os mandar
fazer 180º?
No último Conselho Superior Militar o Sr.
Ministro da Defesa fez, aparentemente, um trocadilho de mau gosto, entre a
diferença entre “ilegalidade” em linguagem jurídica e uma “ilegalidade” em
linguagem militar que, pelos vistos, os outros intervenientes na reunião
engoliram sem que lhes doesse a traqueia (em que compêndio jurídico é que isto
virá?).
Ora
ponham lá a mão na consciência, já não deviam ter mudado de atitude e de
estratégia, há muito tempo?[1]
João
José Brandão Ferreira
TCor/Pilav(Ref.)
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