Actuação do capitão do Costa Concordia, que abandonou o navio antes da saída de todos os passageiros, é controversa. Mas especialistas dizem não haver lei que obrigue comandantes a sair por último em caso de naufrágio.
Um fato semelhante ao de agora na costa da Itália aconteceu em 3 de agosto de 1991, após uma explosão na sala de máquinas do navio de cruzeiro grego Oceanos. O navio, com centenas de pessoas a bordo, começou a se inclinar, afundando lentamente na costa sul-africana.
A maioria da tripulação, entretanto, abandonou o navio, deixando para trás cerca de 200 passageiros. Helicópteros chegaram para o resgate, e um dos primeiros a serem içados foi o capitão, Yiannis Avaranas. Dezenas de homens, mulheres e crianças permaneceram a bordo. Mais tarde, Avaranas teria dito: "Quando eu dou a ordem para abandonar o navio, não importa quando eu vou, o comando se aplica a todos, se algumas pessoas querem ficar, podem ficar."
Com isso, Yiannis violou uma velha regra náutica: numa emergência, o capitão é sempre o último a deixar o navio. Mas seria este ditado realmente uma lei ou apenas um mito? Uwe Jenisch, professor e especialista em direito marítimo internacional da Universidade de Kiel, no norte da Alemanha, diz que não há cláusulas em que essa regra esteja explícita. Mas acrescenta, porém, que essa diretriz pode ser deduzida de outras disposições.
"Em todo navio, o capitão é a instância máxima, que assume toda a responsabilidade pela embarcação. Ele tem o poder de comando, deve conduzir a retirada de passageiros. Enquanto a embarcação existir, ele é o responsável", diz Jenisch. Além disso, ele ressalta que uma boa equipe de navegação é como uma família, em que o capitão é o pai. "Podemos dizer que o ditado é parte de uma tradição. No entanto, não está escrito em lugar algum."
"A Organização Marítima Internacional (IMO, do inglês), em Londres, regula a segurança do transporte marítimo no mundo inteiro. O controle de qualidade dos regulamentos, no entanto, cabe aos países", complementa Jenisch. No caso do Costa Concordia, segundo ele, o governo italiano deve agir em conformidade com as normas internacionais.
O vice-presidente da associação alemã de capitães e oficiais, Willi Wittig, sublinha que o capitão tem a responsabilidade final sobre seu navio. Em entrevista à emissora alemã de rádio Deutschlandfunk, entretanto, Wittig, observou que esta responsabilidade não tem necessariamente que ser implementada a partir da central de comando.
"Pode haver situações em que realmente seja mais apropriado exercer esta responsabilidade de fora do navio. Onde talvez se tenha uma melhor uma visão da situação". Ele lembra, no entanto, que os recursos para fazer isso de melhor forma estão, claro, dentro no navio. O fato de o capitão abandonar seu navio não é tangível juridicamente, mas altamente "incomum", de acordo com Wittig.
Muitos especialistas apontam para o código de honra dos marinheiros. A ideia de que um capitão deve deixar o navio como o último não tem apoio legal. Ele é que deve decidir de onde ele deve exercer suas responsabilidades em relação a passageiros, tripulação e ao navio durante uma emergência.
Esse foi o argumento usado por Yiannis Avaranas, capitão do Oceanos. Ele alegou que podia dirigir melhor a operação de resgate de fora da embarcação. Ele acabou sendo absolvido por um tribunal de Londres e, mais tarde, e continuou trabalhando como capitão de navios de cruzeiro.
A indústria de seguros, no entanto, não fica muito satisfeita com um desembarque antecipada do capitão. Pois um navio que foi abandonado no mar pela tripulação passa a ser de propriedade de quem o resgata. Essa regra já foi responsável por alguns comportamentos curiosos na história da navegação marítima.
Foi devido a ela que o capitão do cargueiro norte-americano Flying Enterprise, o dinamarquês Hendrik Kurt Carlsen, passou dias em sua embarcação em 1951, como o último homem a bordo de seu navio, enquanto este afundava no Canal da Mancha, alegadamente por causa das regras do seguro. Ele queria garantir que o Flying Enterprise permanecesse propriedade da sua companhia de navegação.
Navios de cruzeiro estão grandes demais
Mas muitos especialistas duvidam que um capitão esteja em condições de comandar uma operação de evacuação em embarcações gigantescas como os atuais navios de cruzeiro. Segundo Willi Wittig, os naufrágios são tão complexos que não podem ser controlados por uma pessoa.
E Jens Peter Hoffman também acha que uma retirada ordenada de passageiros sob determinadas circunstâncias é quase possível. "Quando um navio, de repente, apresenta 30, 40 graus de inclinação, nada funciona mais", opina. Além disso, segundo ele, há centenas de funcionários a bordo, mas apenas cerca de 30 a 40 são marinheiros, profissionais bem treinados para casos de emergência.
Uwe Jenisch, da Universidade de Kiel, afirma que os navios estão ficando grandes demais. "Organizar uma evacuação repentina de quatro a cinco mil pessoas é uma tarefa hercúlea", diz. "A estrutura física dos navios impede que uma operação de evacuação seja realizada de forma razoável. Seria desejável que as embarcações fossem um pouco menores, um pouco mais humanas", lamenta Jenisch. Na avaliação do especialista, os códigos de construção de navios devem ser revistos.
Sobretudo, um problema que ele aponta é a rapidez com que o Costa Concordia se inclinou depois que uma rocha rasgou o casco do navio. "Ninguém aprendeu nada desde o Titanic? É preciso evitar que a água se espalhe por todo o navio", reclama.
O naufrágio do Titanic, em 1912, é o acidente náutico mais famoso do mundo, envolvendo um navio de passageiros. Das 2.200 mil pessoas a bordo, quase 1.500 morreram no naufrágio do transatlântico, incluindo o capitão, que ficou a bordo e afundou com a embarcação.
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