Exmo Sr. Presidente
Não é a primeira vez que lhe dirijo
formalmente uma carta sobre as consequências para os portugueses do Programa de
Ajustamento Económico e Financeiro de Portugal.
Anteriormente fi-lo para dar
conta da posição do Partido Socialista nas reuniões com os representantes da
troika, reafirmando o nosso compromisso com os objectivos de
consolidação orçamental mas alertando para a necessidade do Programa ser
credível e ter em linha de conta com os impactos económicos e sociais da
austeridade. Recordo que na carta remetida em Setembro de 2012 chamava a atenção
para o fracasso da tese da austeridade expansionista e referia uma situação de
pré-ruptura social que aconselhava fortemente a uma reavaliação do modo de
ajustamento.
Infelizmente a situação económica e social agravou-se
fortemente.
Segundo os dados mais recentes, a taxa de desemprego atingiu
os 16,9%, isto é a maior taxa de todos os tempos em Portugal. Hoje temos 923 mil
desempregados registados e 40% dos jovens não têm emprego. A situação torna-se
ainda mais dramática quando é sabido que mais de metade destes portugueses não
tem acesso a qualquer mecanismo de protecção social, encontrando-se na miséria
ou a viver do apoio da família que, por sua vez, também é fustigada com cortes
de salários e pensões a aumento de impostos. Ainda no final da passada semana
foi publicado um relatório internacional a denunciar que mais de um quarto das
crianças portuguesas estava em situação de pobreza ou exclusão.
Por outro
lado, os dados do Eurostat da passada quinta-feira comprovam que no quarto
trimestre de 2012 a economia portuguesa retraiu-se 3,8% em termos homólogos, com
a maior queda trimestral registada em toda a União Europeia e uma recessão mais
profunda do que a esperada porque qualquer entidade nacional ou internacional. A
recessão não só persiste como está a agravar-se.
A balança externa, que
nos últimos meses era o último argumento do Governo e da troika
para tentar indiciar algum aspecto do ajustamento com impacto
positivo, dá mostras de degradação. Todos sabíamos que as importações estão a
retrair-se pela forte redução da procura interna, nomeadamente do investimento.
O que é reconhecido pelas recenes estatísticas do INE é que as exportações estão
em desaceleração há um ano e em Dezembro de 2012 caíram 3,2% em termos
homólogos.
Mais desemprego, menos economia, mais falências e
insolvências, mais pobreza, mais emigração de portugueses qualificados, em
particular os jovens. Este é o retrato trágico da política da austeridade do
custe o que custar.
Uma política – a da austeridade expansionista – que
não atingiu os objectivos propostos. O défice orçamental em 2012 ficou acima do
inicialmente previsto e com recurso a receitas extraordinárias. A dívida pública
não para de aumentar. E, mesmo com os fundos oriundos das privatizações, a
dívida pública aumentou sete pontos percentuais em 2012.
O Memorando
previa para 2012 um défice de 4,5% do PIB, uma taxa de desemprego de 13,4%, uma
recessão de 1,8%, um stock de dívida de 189 mil milões de euros. O programa não
permitiu atingir nenhum destes objectivos.
Há muitos sinais de que a
austeridade excessiva tem sido contraproducente, um fator de recessão e de
desagregação social. Só para dar três exemplos: o aumento de desemprego levou a
uma quebra de 700 milhões de euros nas contribuições para a Segurança Social e
de um aumento de 550 milhões de euros na despesa dos subsídios de desemprego;
aumentaram-se as taxas do IVA para cobrar mais 12% e afinal a receita caiu 2%; a
falência de muitas empresas, a insolvência de muitas famílias e as imparidades
obriga a um esforço acrescido na capitalização da banca.
Em síntese, os
portugueses estão a passar por enormes dificuldades, a fazer sacrifícios para
além dos limites admissíveis, sem que se vejam os resultados (défice orçamental
e dívida pública) que o Governo e a troika prometeram; com
consequências dramáticas no desemprego e na destruição do aparelho
produtivo.
Os portugueses não aguentam mais!
Estamos à beira de
uma tragédia social. Chegou o momento de dizer basta!
Chegou o momento de
procedermos, Portugal e a Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo
Monetário Internacional, a uma avaliação política do processo de ajustamento do
meu país.
Não está em causa, como nunca esteve o cumprimento das nossas
obrigações externas. Honramos os nossos compromissos e queremos
cumpri-los.
Não está em causa a necessidade do rigor e da disciplina
orçamental. O Tratado Fiscal Europeu foi aprovado pelo PS, bem como a inclusão
da regra de ouro na Lei de Enquadramento Orçamental.
O que está em causa
é a política escolhida, a da austeridade expansionista, que não atinge os
objectivos a que se propôs e está a criar problemas sociais e económicos de uma
enorme gravidade.
A avaliação política que propomos deve desenhar uma
estratégia credível de consolidação das contas públicas, dando prioridade ao
crescimento económico e à criação de emprego. Já não é só uma opção ideológica,
como o PS tem defendido, trata-se de realismo. É uma obrigação moral, olharem
para a situação de Portugal e terem, Governo e a troika, a
humildade de reconhecerem que a vossa receita falhou.
Portugal necessita,
por razões que temos vindo a apontar e que são do conhecimento da
troika desde Novembro de 2011, de mais tempo para a
consolidação das contas públicas, para o pagamento da divida, de juros mais
baixos e de um adiamento do pagamento de juros. Estas quatro condições são
essenciais para a criação de um ambiente amigo do crescimento económico e são a
melhor garantia de que os portugueses cumpriram os seus compromissos de acordo
com as suas possibilidades.
Portugal quer sair da actual situação.
Portugal quer eliminar os seus desequilíbrios estruturais e iniciar um ciclo
virtuoso de crescimento, competitividade e finanças públicas sãs. Para que tal
aconteça é necessário que se recupere o forte apoio político e social ao
programa de ajustamento, o que passa por se perspectivar um programa credível e
equitativo.
Há, em Portugal, um vasto consenso social de que é necessário
uma estratégia credível de consolidação que tenha em conta as consequências
sociais e a evolução da economia nacional.
A próxima avaliação do PAEF, a
sétima, que vai ocorrer este mês de Fevereiro não pode ser um exercício técnico
de verificação se o que está no memorando está a ser aplicado. Muito menos
propor ou aceitar novas medidas de austeridade como aconteceu em Setembro
último.
A próxima avaliação é crucial para a vida dos portugueses.
Exige-se que seja uma avaliação política tendo em conta a grave situação
económica e social. A Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo
Monetário Internacional devem enviar a Portugal responsáveis políticos com
capacidade de decisão.
Dirijo-lhe esta carta, sensibilizando-o para a
situação gravíssima que os portugueses estão a viver e para a necessidade de a
próxima delegação da troika ser constituída por responsáveis
políticos da instituição que dirige.
Com a expressão dos meus melhores
cumprimentos
António José
Seguro
Secretario Geral PS
1 comentário:
Para mim é como se diz na giria "conversa para boi dormir". O descredito nesta geração de politicos de aviário bateu no fundo.
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