terça-feira, 28 de maio de 2013

JÁ NÃO SOMOS NADA


"Na sequência da leitura quer do episódio com o agente da Polícia Marítima, quer do comentário do Cte José Castro Centeno, recebemos do C/Almirante  António Cabral a sugestão para "postar" uma sua opinião publicada na " A Voz da Abita" em 2011, 18 de Novembro, intitulada " O Direito", o que gostosamente fazemos, com a devida vénia

O DIREITO 

Citação popular - “O que nasce torto, tarde ou nunca se endireita”.
Citação pessoal - “O verdadeiro poder é a caneta”

1. Parcialmente ultrapassada outra fase muito complicada da minha vida, vou prestando agora mais atenção ao que se passa à minha volta.
2. Na vida de cada um e na colectiva enfrenta-se sempre, o desconhecido, o entusiasmo, a aprendizagem, a natural ânsia de melhorar, o estudo aprofundado, a investigação, a experimentação, a fruição de resultados, o espanto nas dificuldades, muita desilusão a par de grandes alegrias.
3. A fotografia, meu entretém favorito e verdadeira paixão, é disso também um bom exemplo. Depois da fase de sucessivos erros infantis à mistura com o crescer de fotografias bem catitas com melhor enquadramento e luz etc, vem a fase de maior confiança. Desaparece gradualmente a equidade, começa a juntar-se mais boas que fracas fotografias. Mas já confiante, com o crescendo manipular das infindas possibilidades da máquina em modo manual, aí a porca começa a torcer o rabo e vem ao de cima a verdade verdadinha. Sim, boas fotografias, mas quando se põe de lado cada vez mais as diferentes possibilidades de ajudas electrónicas da máquina aí sim, fica à vista o muito a estudar e testar, a relativa fragilidade do fotógrafo. Fica a realidade séria. Como na vida real.
4. Lembrei-me do que acima escrevo a propósito da minha envolvente, da sociedade onde vivo e, particularmente, depois de ouvir e ler as mais diferentes coisas nas últimas semanas, dois meses. O detonador foi o que ouvi em 28 de Outubro, durante a manhã na TSF. O próprio jornalista confessou-se às tantas muito pouco convencido com a argumentação atirada para o éter e para cima dele. Pela minha parte, como ia a conduzir, quase tive que parar para vomitar.
5. A fotografia e o direito terão pouco de comum? Eventualmente. A fotografia requer técnica, tem regras de ciência feita, e regras e truques que vêm com a aprendizagem, com a experiência. O lastro da experiência, os resultados. Mas súbito deficiente enquadramento por exemplo, e lá se vai o que podia ser uma excelente fotografia. Requer intuição, sensibilidade, oportunidade, perseverança, requer ter bem presente a técnica aliada à magia. E o que conta é o resultado final, como ficou a fotografia. Nada de desculpas com a máquina, com o carro que passou, etc. Haverá parecenças com o direito?
6. O direito é um conjunto de princípios e regras legais e outras, para que vivamos em sociedade como deve ser, dirá um simplório. É um sistema de normas de conduta social, e que deve ser assistido de protecção coactiva. Deve visar sempre a solução prudente dentro da ordem, a solução justa. O direito realiza-se naturalmente através da justiça. Mas na ordem jurídica há uma questão decisiva, existe um elemento fulcral, e que é o facto jurídico. Dos factos jurídicos a modalidade talvez mais importante é a dos actos jurídicos, de que são exemplos os actos legislativo e o administrativo. Assunto que creio ser muito, mas muito melindroso em Portugal.
7. Por outro lado, um direito é como que a carapaça protectora de um dado interesse que a sociedade entende dever proteger, surgindo assim aquilo que conhecemos como os interesses individuais e os colectivos. São interesses no presente cada vez mais à luz do dia, como por exemplo o direito à liberdade, à dignidade, à saúde, ao ensino, ao trabalho e inerente retribuição pecuniária, à habitação etc.
8. Naturalmente que para a realização do direito intervêm a montante a legislação produzida e em vigor, a definição da política criminal e legislativa, os códigos (quantos haverá na Alemanha?), os funcionários judiciais, o planeamento e afectação desses mesmos funcionários, o equipamento técnico e pericial que estiver disponibilizado, a administração de bases de dados, os advogados, as polícias, os tribunais, o ministério público e os seus magistrados e, naturalmente, os juízes. Faltará porventura enumerar alguma coisa, mas creio estar a maioria dos considerandos necessários.
9. Estamos portanto perante um sistema normativo complexo, cheio de “garantismos”. A ordem jurídica tem outra característica especial, e que é a existência de garantias de eficácia dos seus preceitos. O direito é uma realidade muito vasta, um fenómeno humano e social. Não tem por objectivo certamente moralizar condutas humanas. Dos diversos ramos do direito fascina-me um particularmente, o direito constitucional.
10. Vem este arrazoado a propósito do incómodo crescente que vou sentindo enquanto cidadão e também como militar agora reformado. E que não é incómodo de hoje nem de ontem. É pelo menos do tempo em que por exemplo me disseram que não tínhamos nada que ver e ler os DR que circulavam pelos serviços, e que cada um devia olhar só à sua redoma! O meu incómodo não é de agora, mas a minha manifestação de incomodidade só podia ser e como sempre foi, muito reservada, privada, e creio que nunca desbocada, pois estava de certa maneira “capado” nos direitos, como em meu entender os militares no activo parcialmente devem estar sempre. Não é incómodo como o daqueles que não tendo estado “capados nos direitos” se moveram e movem e se mostram sempre como donos das épocas e dos momentos, e agora aparecem “muito incomodados”. Pelo menos desde 1991, desde o início da 2ª maioria absoluta, estiveram a dormir? E desde 1995, em coma profundo?
11. Já vi escrito, por exemplo quanto ás últimas alterações ao código de processo civil – “ O texto sofre de inúmeras deficiências de redacção, inadmissíveis em qualquer diploma legal (...) vírgulas omitidas ou mal colocadas (...) contracção indevida do termo "de"(...) descoordenações verbais entre orações disjuntivas." “Some-se a isso uma confusa sistematização e uma ainda pior linguagem jurídica (para não falar da bizarria das principais soluções………..”. Ora este exemplo e muitos outros, e as pouca vergonhas que aqui e acolá se vão perpetrando e perpetuando, como por exemplo a célebre história da virgula que no passado não muito longínquo terá dado a um colarinho branco muitas dezenas de milhares de “CONTOS”, ilustram o direito, no mau sentido, ao ponto de fazer cada vez mais sentido dizer - não há direito!
12. O código civil de 1966 teve muitas revisões, projectos e anteprojectos, muitos trabalhos preparatórios, revisões finais para alterações tanto na forma como para questões de redacção e gramaticais. Como tem sido o direito nos últimos 35 anos? Como tem sido o processo legislativo? Como tem sido o fartar vilanagem do “outsourcing” neste campo? Confrangedor é capaz de ser lisonjeiro. É capaz de ser, de facto, como alguns afirmam, - “ o actual modelo de governo da justiça tornou-se desastroso e paquidérmico”……uma máquina de fabricar atrasos”.
13. Sempre julguei as pessoas e as instituições apenas pelos resultados das suas acções omissões e inacções, e não pelo que propagandeiam. Os últimos 35 anos mostram-me muitos discursos das mais altas (????) instâncias nas carunchosas cerimónias de abertura disto e daquilo e nas diversas cerimónias de posse, discursos as mais das vezes camuflando e por vezes mal, a irresponsabilidade, demagogia e diletantismo político. Eu não acredito em ingenuidades ou inocências. Nos subterrâneos da política, do alto de poderes ocultos que mais recentemente se travestem de abertos, nos financiadores dos partidos, nos corruptores, nos deferimentos tácitos, estão a meu ver bons exemplos da fraqueza do direito e da justiça no meu doente País, e por mais pomposos congressos que se façam não conseguem disfarçar a vergonhosa realidade.
14. A tal fotografia concreta que ficou, que vai ficando. Um estrondoso fracasso, com muito garantismo, como se pode avaliar pela história das últimas décadas. Será de registar que os problemas que usualmente se apontam à deficiente ou mesmo não realização do direito nos remetem sobretudo para os chamados casos mediáticos. Mas a questão é que são esses casos e o que à sua volta se interliga, que deixam entrever a pouca vergonha urdida em gabinetes.
15. Uma olhada fugaz ao direito fiscal ou tributário. Relativo a este temos belos exemplos. Quanto terá batalhado pela sua melhoria o grande defensor das equidades? Tanto quanto já vi escrito – “é o dr. Medina Carreira que o diz num estudo do Ministério das Finanças -, no ano de 1989, 75 mil sociedades não pagavam IRC. Dez anos depois, em 1998, esse número já rondava as 184 mil, num universo de 242 mil sociedades. Em matéria de IRS, as estimativas de 1999 e apurado de 1998, expressam esta coisa extraordinária: 529 mil empresários em nome individual produziram uma colecta média de 47 contos; 284 mil trabalhadores independentes pagaram em média 126 contos e os restantes 2,398 milhões de contribuintes, quase todos trabalhadores dependentes ou reformados, pagaram em média 334 contos”. Estes números, de que os equivalentes até aos dias de hoje só confirmam o tortuoso caminho que andamos a trilhar, chegam para demonstrar que o actual sistema jurídico e fiscal é iníquo.
16. A meu ver, para lá das cortinas de fumo dos diferentes intervenientes, o direito está cada vez mais doente, a justiça em coma. E nem é preciso chamar à colação recentes entrevistas, ou os mais recentes e insultuosos momentos vividos em público por diferentes intervenientes na realização do direito. Processos como, FP 25 de Abril (salvo erro com indultos de Mário Soares), Portucale, Freeport, apito dourado, face oculta, casa Pia, universidade moderna, ministério da saúde, hemofílicos, UGT, fax de Macau, lembra alguma coisa?
 17. De uma forma ampla, a realização do direito deveria dar à sociedade portuguesa o nosso sossego. Os poderes políticos, melhor dito, os expoentes principais desses poderes políticos de diferentes cores e que formalmente nos têm governado, garantem cada vez menos a nossa segurança, a justiça efectiva e o nosso bem-estar. O resultado da regulação da vida colectiva a que estavam obrigados, através da aprovação de leis e da imposição do seu cumprimento, está bem à vista. Uma fotografia péssima.
18. Que tristeza. Ricos? Europeus? Desenvolvidos? Exportadores? Estamos quase outra vez como habitualmente estivemos, como no essencial sempre fomos. E os pândegos não são julgados. Pois não. Não há direito. Também por isto, “Portugal continua pequeno, mas um torrãozinho de açúcar", como diria o “Brigadeiro Chagas” do tempo do Eça de Queiroz. Eu não gosto deste torto direito.

1 comentário:

Anónimo disse...

Acho graça à etiqueta