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O século XXI tem trazido em Portugal uma motivação crescente para o debate acerca do papel das Forças Armadas, considerando uma perspetiva de legitimidade e de utilidade, tendo em conta as alterações da conjuntura político-estratégica internacional.
Portugal terminou a sua guerra colonial, a URSS e ao Pacto de Varsóvia desfizeram-se, a NATO ajustou os seus conceitos estratégicos para outras realidades que não de guerra-fria possibilitando parcerias alargadas e atuações fora da área transatlântica. Enquanto isto, os EUA fizeram deslizar o centro de gravidade dos seus interesses estratégicos para a Ásia e para o Pacífico, assim como a Europa tenta conduzir uma política de segurança e defesa desejavelmente comum, sendo-lhe difícil falar a uma só voz.
Neste cenário questiona-se o propósito da estrutura militar portuguesa e o nível de apoio que o poder político e a sociedade têm dispensado às Forças Armadas. Provas desta propensão interrogativa acerca da situação da defesa militar nacional que tem ocorrido em Portugal nestes tempos de crise são, entre outros eventos, o lançamento recente do livro do Gen Loureiro dos Santos, Forças Armadas em Portugal, bem como o programa do XIX Encontro Nacional de Combatentes que incluiu um painel de palestras subordinadas ao tema Combates em Portugal. Na atividade até agora realizada, na tentativa de explicar ao poder político, e talvez à sociedade civil, a justeza e a imprescindibilidade da existência das Forças Armadas, tem-se constatado um discurso apoiado fundamentalmente na perspetiva da necessidade de se dispor de umas Forças Armadas capazes de fazer face a qualquer ameaça externa que ponha em causa a segurança e o bem-estar da população portuguesa e que possam assegurar o livre funcionamento das instituições democráticas. Pelo lado do poder político, têm-se verificado uma sujeição marcada às limitações orçamentais fruto da crise económica e financeira que tem afetado Portugal de forma particular.
Analisando o discurso político do Ministro da Defesa Nacional, José Pedro Aguiar-Branco, percebe-se que a sua atuação governativa não se subordina a conceitos ideológicos, mas sim à execução prioritária de uma tentada consolidação orçamental do país. Portugal tem apresentado uma determinada ambição em termos de política externa e de segurança e defesa, tendo sido afirmado publicamente que existe estabilidade nas Forças Armadas e que, apesar dos cortes nos recursos, a instituição militar continua em condições para cumprir as tarefas essenciais para assegurar a sua missão. Por seu lado, o discurso militar continua a afirmar a sua capacidade para o cumprimento dos mínimos imprescindíveis para a missão de defesa nacional, sendo difícil quantificar o que se entende por mínimos.
No que concerne à sociedade civil, vivendo momentos de austeridade e de preocupação, sobretudo em termos de segurança humana, dificilmente entende os gastos com a defesa, sobretudo se a imagem política que passa ao nível da Lei de Programação Militar é que é possível fazer cortes sem afetar o produto operacional. Será que se a Lei de Programação Militar fosse cumprida contribuiria para um excesso para além das necessidades para o cumprimento da missão de defesa? Será também que as Forças Armadas, sem afetações de soberania nacional, estão a pôr em prática, de forma interna, tudo o que seria possível em termos de uma “smart defence” doméstica e de “pool and sharing” dos recursos militares nacionais?
Face ao exposto e ao discurso generalizado de que é urgente modernizar e revitalizar as Forças Armadas, poder-se-á pressupor uma situação de impasse, caracterizada pela intransigência autoritária do governo em gerir o seu aparelho militar, utilizando uma política apelativa a um esforço orçamental mínimo com vista a uma exigência de produtividade máxima, por um lado, e pela incapacidade militar em encontrar soluções credíveis que não se baseiem exclusivamente numa postura transcendental quanto ao papel da sua Instituição.
Aparentemente está instalado em Portugal e também no espaço transatlântico, um ambiente de desconfiança político-social que tem levado, a coberto da crise económica e financeira e de políticas de austeridade, a que se tenham adotado posturas de segurança e defesa tendencialmente mais frágeis, face a ameaças difusas e à necessidade de materializar um inimigo ameaçador que leve a sociedade a manifestar vontade em contribuir para os processos político-estratégico-militares globais em curso.
No caso português, talvez faça falta neste momento de debate, também, a contribuição esclarecida das gerações que já não viveram ativamente a guerra de África e que têm perante os olhos a realidade da gestão de crises, em que uma das questões centrais será o dilema entre “combater, pronto para contribuir para a paz”, ou “fazer a paz, pronto para combater”. Faltará também esclarecer conceitos e discernir entre relações civis-militares e controlo político sobre as Forças Armadas. Fará falta, certamente, a apresentação de outras soluções desconflituantes que se ajustem aos contornos inultrapassáveis da realidade e que possam fazer convergir os interesses políticos, as prerrogativas éticas e deontológicas da Instituição Militar e as aspirações de segurança e de bem-estar da sociedade civil.
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quinta-feira, 14 de junho de 2012
A LER
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