Exmo. Senhor Primeiro Ministro,
O meu nome é Pedro Tânger, sou novo mas já não me posso considerar um jovem, tenho 30 anos, e sou aquilo que tanto está em voga: um jovem empreendedor. Tive a sorte de ter crescido num meio privilegiado, sou filho de um diplomata, vajei o mundo, conheci outras culturas e estudei em excelentes escolas, venho de famílias portuguesas antigas,daquelas com que a história de Portugal se confunde quando se conta a ela própria, como se vê pelo meu nome. Sou advogado de formação e de cédula mas larguei a profissão para começar um projecto novo e, acima de tudo, inovador. Arrisquei, investi aquilo que não tinha e tenho sido capaz de viver e crescer com isso. Portanto, abri uma escola de artes marciais em Lisboa e a minha vida é passada a ensinar crianças, jovens e adultos sobre a importância de viverem e de seguirem um código de conduta baseado em valores intemporais, tais como a Integridade, a Perseverança, a Honra e tantos outros valores seculares que conhecemos.
Sou um jovem empreendedor porque quis e adoro sê-lo. Da minha herança familiar sobra-me a tradição de uma boa educação e de um bom conjunto de valores sócio-éticos e tudo isto me preenche.
Como disse, viajei. Vi países em situações muito piores que a nossa, tal como vi países mais organizados e competentes. Vi o mundo. Compreendo que não somos o país mais avançado no mundo mas tenho bem consciente que somos um país fantástico, com gente fantástica e, sem qualquer dúvida, um país de primeiro mundo, na lista dos melhores países do mundo. Acima de tudo, cresci a adorar o meu país e a ser porta-bandeira da nossa portugalidade. Ser filho de diplomata tem destas coisas: ficamos a ser mais portugueses que os portugueses, a adorar o que temos de bom e a aceitar o que ainda temos de melhorar.
Sr. Primeiro Ministro, eu votei em si. Votei porque acreditei que o seu discurso era sóbrio e realista, porque gostei da forma como partilhou que queria arrumar esta casa e porque valoriza o trabalho em vez da queixa.
Compreendo que não deva ser fácil governar Portugal, sobretudo quando nos vemos como um país pequeno e dependente. Quando vivemos à sombra de uma mitologia histórica, baseada em feitos que não foram assim tão heróicos mas que insistimos em que o sejam, quando vivemos entre o desespero do fado e a grandeza do Quinto Império, escudando-nos nas glórias do futebol e nas esperanças de Fátima. Não deve ser fácil governar um país sem auto-estima, erguido com pilares de egoísmo pós Salazarismo e de demagogia neo-democrática. Não deve ser fácil governar um país que odeia os seus políticos mas adora um Obama, um país que prefere o mexerico ao facto, um país em que se "vai andando" à medida que se vai queixando. Não deve ser fácil governar um povo sem uma identidade mas à busca dela no chouriço, no arroz de cabidela ou na mini. Um país perito em políticos e treinadores de bancada, como se ambos os jogos tivessem a mesma importância, ou, mais gravosamente, como se o derby lisboeta fosse assunto mais sério que um orçamento de estado. Pior deve ser ter de governar um país em que ainda existe um discurso comunista que nos fala em liberdade e luta eterna quando, na verdade, vivem do dia 26 de Abril do século passado. Deve ser arrepiante governar com uma super ministra como a Merkl que teme pelos problemas da Alemanha do pós primeira guerra, se assusta com as doutrinas idealistas e foge das irregularidades técnicas como uma formiga foge da água. Imagino o difícil que deve ser ter de ouvir uma Troika a impor-nos austeridade para garantir a fiabilidade do sistema vigente e saber que, ao saír daquela porta, terá de enfrentar os portugueses que vão sendo sufocados.
Não deve ser fácil mas se o fosse, todos seríamos Primeiros Ministros.
Sr. Primeiro Ministro, não compreendo como é que ainda não percebeu que a austeridade a que se sujeita - sim, porque eu sei que também se vê sujeito a ela - ; como é que ainda não compreendeu que este é o caminho da morte de Portugal?
Se ainda não percebeu, vou dar-lhe o meu exemplo. Um exemplo de sucesso, portanto, um exemplo acima da média e que, mesmo assim, não consegue acompanhar o caminho tenebroso em que nos encontramos.
Como disse, tenho uma pequena academia de artes marciais. A Academia está cheia, tenho mais de 200 alunos e outros 140 espalhados em Colégios e escolas de Lisboa. Na minha academia, o ensino e o profissionalismo são de excelência e estamos entre as maiores e melhores academias do mundo. Ainda agora estive numa convenção anual na Alemanha e fiquei horrorizado com a falta de qualidade deles. Somos a referência na Europa, tenho alunos que vêm da Holanda, de Itália e de Inglaterra para treinar connosco. Ainda assim, tenho dificuldades em manter o negócio aberto. Consigo pagar as contas, pago todos os impostos, contribuo para a sociedade directamente mas não consigo expandir. Queria criar mais postos de trabalho e de oferecer novas oportunidades a jovens competentes mas só consigo pagar-lhes 300 euros por mês, se tanto. Porquê? O IVA retira-me 23% de todo o meu trabalho. Um quarto. Sobra-me dinheiro para pagar as contas, tudo bem. Depois dizem-me que o IRS, outros 21%, vai aumentar. Os meus alunos, esses, estão aflitos, vão, provavelmente cortar também. Então, pedem-me um desconto, dizem-me que pagam em dinheiro vivo se eu lhes fizer um desconto de 20% (do IVA). Assim, eu não teria de declarar, fazendo crescer a economia paralela. Eu não o faço, por principio, mas posso dar-me ao luxo de perder alunos? Não, claro que não.
Retirar o 13 mês também foi uma boa forma de retirar o dinheiro em circulação. Desta forma, os pequenos empresários como eu podem começar a afundar-se porque as pessoas não vão gastar dinheiro sem ser na renda de casa, na alimentação e numa ou outra comodidade em prol da dignidade.
A austeridade leva-me a sufocar e, note-se, eu sou daqueles que tem algum sucesso. Imagino tantos colegas meus que não conseguiram reunir as mesmas condições que eu...o que será deles?
Tenho muitos amigos que já partiram. Educaram-se em Portugal, queriam vingar em Portugal mas foram-se embora. Estão hoje no Brazil, em Inglaterra, nos Estados Unidos ou na Alemanha. Foram porque não tiveram hipótese ou, mais tristemente, porque lá fora era mais fácil. É mãos fácil trabalhar-se, é mais fácil ser-se respeitado, é mais fácil ter-se sucesso. É mais fácil...cá tudo é difícil. Porquê?
Eu sou teimoso. Gosto de Portugal e quero vencer em Portugal para Portugal. Quero contribuir para os portugueses. Já tive varias ofertas para ir trabalhar para fora mas não fui, fiquei. Fiquei porque sou um Patriota na gema!
Exmo. Senhor Primeiro Ministro, está na altura do Senhor ser um Patriota. Transforme-se num Líder, sim, num Líder. Não tenha medo do passado, esse já foi contado, crie um futuro. Tenha um projecto, partilhe o projecto connosco, tenha uma visão.
Ainda não deve ter reparado mas saberá que os salários em Portugal são anedóticos. A troika fala-nos em redução e contenção e nós concordamos? Mas que parte de "há limites" é que não faz sentido? A sério que estamos a caminho de reduzir o dinheiro num país em que o salário mínimo e médio são até 4 vezes mais pequenos do que os nossos queridos colegas europeus?
O problema é que nós continuamos a achar que temos aquilo que merecemos. Pois mas diga a verdade aos portugueses. Diga que não tem estofo para chegar à reunião com a Senhora Merkl e bater com a mão na mesa e dizer: "minha senhora, o problema de Portugal não representa, sequer, 1% do PIB europeu, este problema só não se resolve porque a senhora não tem vontade política de o resolver. Basta! Não consigo ver o meu povo a ser sufocado assim. O desemprego está tremendo, a emigração qualificada parece um êxodo, as famílias têm demasiados problemas e, acima de tudo, nós devemo-nos ao respeito!"
Senhor Primeiro Ministro, seja um Líder do seu estimado povo e acredite em nós. Neste momento, o Senhor está a transmitir insegurança e incompetência. Não a sua, a nossa!
Ser um Líder é ser um pouco louco, é ser destemido, é ter uma visão e acreditar nela de tal forma que os outros o acompanham. Qual é a sua visão de facto? Neste momento só consigo ver a visão do bloco central europeu. Essa vejo-a com clareza mas cabe-nos colocar os limites que merecemos senão seremos esmiuçados em prol dos outros.
Estou triste. Triste com esta vergonha nacional. Triste com esta falta de auto-estima, triste por saber que o português não se une porque não acredita na capacidade do próximo. Triste porque nos sentimos sós e desamparados perante gigantes europeus que, de gigantes, só têm o tamanho que lhe damos. Triste porque vemos monstros onde há oportunidades e porque estamos aterrados de medo.
Senhor Primeiro-Ministro, eu quero acreditar que irá ler esta carta porque acredito nas suas intenções. Tenho a noção de que lhe falta confiança para ser o Líder que precisamos mas preciso que acredite que, se o fizer, nós acreditaremos em si e veremos o Líder que pode vir a ser.
Estamos a sufocar, Senhor Primeiro Ministro. Este não é o caminho. Também não o é o dos comunistas com o seu discurso incongruente, o dos socialistas e os seus fala-baratismos baseados num modelo social europeu, também ele, desactualizado. Não precisamos, tão pouco de um discurso social democrata pouco assumido e pseudo liberal. Precisamos de liderança. Precisamos de uma visão agregadora, de uma voz por Portugal, uma voz que acredite naqueles de quem fala como acredita no seu próprio coração. Precisamos de alma, precisamos de força, precisamos de Portugal.
No seu lugar, Senhor Primeiro Ministro, eu começaria por dirigir-me aos portugueses e pedia-lhes para se prepararem porque ia começar a montanha russa. De seguida, bateria com a mão na mesa e dizia ao mundo que Portugal está cá para ficar. Imediatamente a seguir, agregava os melhores empresários do país e pedia-lhes a sua opinião. Pedia, também, a opinião de pequenos empresários, como eu, porque o país é feito de pessoas como eu. Falaria com os sindicatos e pedia-lhes para serem mais patriotas também porque o senhor Salazar já caiu da cadeira há uns anos. Passado este tumulto, dirigia-me aos PALOP e mostrava todo o interesse em criar uma rede de países com interesses comuns, lançava as bases para uma common wealth portuguesa. No caminho, largava as referências históricas do passado português pelo mundo porque já não tem sumo esse fruto. Falava com humildade perante o mundo, a humildade necessária para me mostrar preparado. Logo a seguir a esta loucura, criava um plano económico para dinamizar a indústria portuguesa, ao ponto de afectar regiões inteiras à produção de qualquer coisa portuguesa. Preparava o país para a excelência e não para a mediocridade de sermos apenas mais uns. Uma vez tudo isto feito, e assumindo que ainda estava vivo, arranjava forma de descalorizar o euro, devolvendo a liquidez que necessitamos. Exportava a excelência, não em pessoas mas em produtos e serviços. No caminho, reestruturava o Porto de Sines para ser o Porto de acolhimento mais apetecível para os mega-porta-contentores que chegam do novo Suez. Desenvolvia o caminho de ferro para a Europa e escoava os produtos de cá. Mas fazia-o com brio. Por fim, assumia as águas territoriais de Portugal e começava a produzir petróleo porque o há.
No processo, mudaria a bandeira de Portugal e faria com que a bandeira da presidência, verde escuro com a esfera armilar, fosse a bandeira nacional. Retirava o vermelho representativo do sangue e substituía-o pela esperança e optimismo do verde. Uma bandeira diz muito acerca do pais e, sejamos honestos, a nossa é muito feia. Até aí precisamos de mais confiança.
Eu não sou o primeiro-ministro de Portugal, não fui eleito por milhões de compatriotas meus com base na minha visão, por isso é que posso me dar ao luxo de apresentar uma solução, por mais idealizada ou louca que seja. No entanto, Senhor Primeiro Ministro, peço-lhe, enquanto seu compatriota, que me apresente a sua visão porque eu quero acreditar que existe uma.
Um abraço amigo,
Pedr
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