A
INVASÃO DE CONAKRY
OS
ANTECEDENTES POLÍTICOS DA OPERAÇÃO
«MAR
VERDE»
Mário Matos e Lemos
Já
se passaram mais de 40 anos sobre a invasão da Guiné-Conakry por tropas
portuguesas (operação «Mar Verde»), em Novembro de 1970, mas esta acção ainda
não está, creio eu, totalmente esclarecida no que se refere aos seus
antecedentes políticos. Embora o processo oficial relativo a esta operação
tenha sido destruído[1],
sabe-se tudo, ou quase tudo, sobre como foi preparada, quem participou, como
foi executada … Existem os depoimentos do Capitão de Mar-e-Guerra Alpoim Calvão[2],
existem livros, existem entrevistas e artigos vários sobre o assunto, existe,
até, um depoimento escrito do Marechal Spínola[3],
mas pouco, ou nada, se fala dos antecedentes mais remotos da operação.
Tanto em Portugal como em
França têm sido publicados alguns trabalhos sobre a invasão de 1970, no entanto
centrados sobre a acção propriamente dita e/ou sobre as consequências internas que
provocou na Guiné-Conakry, designadamente o aproveitamento que Sékou Touré fez
da ocasião para eliminar opositores (só condenados à morte foram 92, dos quais
58 enforcados imediatamente, entre os quais 13 membros do Governo) prendendo e
torturando centenas ou milhares de pessoas, nomeadamente alguns estrangeiros
que, segundo o diplomata francês André Lewin, seriam «25 franceses, uma dezena
de libaneses, 3 alemães, 1 grego, 1 belga e 1 checoslovaco». Dois desses livros,
editados em França, relatam, designadamente, os momentos iniciais da invasão e
a fuga de Sékou Touré, que se encontrava no seu palácio, para casa de amigos:
um, a biografia de Touré, em 8 tomos, da autoria de André Lewin; o outro, um
volume de memórias do guineense Alpha Diallo, encarcerado durante dez anos em
Conakry e só libertado depois da morte do presidente poucos meses depois.[4] Há
também que destacar o trabalho de Rui Hortelão, Luís Sanches de Baêna e Abel
Melo e Sousa intitulado Alpoim Calvão –
Honra e Dever – Uma Quase Biografia[5],
que refere exaustivamente os preparativos e a execução da operação e dá até
alguns pormenores sobre os contactos estabelecidos com os representantes da
FNLG pelo próprio Calvão, já na fase final desses preparativos.
Sabe-se
que a ideia da invasão surgiu ao Comandante Calvão, em 1969, face às realidades
no teatro de operações. Numa sua recente entrevista[6],
explicou este oficial:
Comecei a pensar nos prisioneiros
portugueses em Conakri, que entretanto já eram mais de 20. Eles (o PAIGC[7])
tinham lanchas ligeiras mais rápidas do que as nossas.[8]
Porque é que não íamos lá rebentar com aquilo? Fui falar com o comandante-chefe
interino, o Comodoro Luciano Bastos[9],
porque o general Spínola estava a águas no Luso. Mas o Comodoro, concordando
com a minha sugestão, mandou-me falar com o Spínola. Meti-me num avião e fui ao
Luso[10].
A minha ideia era rebentar com as lanchas e trazer os prisioneiros. Spínola
concordou mas pediu-me um plano. Comecei logo a preparar o plano. Havia um
grupo de oposicionistas ao Sékou Touré em contacto com o Governo Português.[11]
Por sua
vez, António Luís Marinho, no seu livro Operação
Mar Verde – Um documento para a História,[12]
escreve:
Em finais de 1969, Spinola
anuncia a Calvão que o Ministro do Ultramar[13] tinha sido contactado por elementos
dissidentes do regime da República da Guiné que solicitavam apoio para uma
acção contra o presidente Sékou Touré. Os primeiros contactos datavam de 1966.
É aqui que nasce a ideia de apoiar um golpe de Estado contra o regime de Conakry.
Outros dois historiadores, Aniceto Afonso e Carlos de
Matos Gomes, sobre esse assunto são ainda mais explícitos e escreveram:
A Operação Mar Verde […] foi
realizada para obter efeitos políticos directos através da execução de um golpe
de estado em país estrangeiro, a Guiné-Conakri […] e visou a instalação em
Conakri de um regime mais favorável às posições portuguesas.[14],:
Afinal,
que papel poderá ter tido, na decisão final, o contacto dos oposicionistas guineenses
com o Governo português, referido por todos estes autores?
Já aqui
temos alguns pontos importantes:
a)
quando Alpoim Calvão propõe a operação, que concebera
como simples golpe de mão para a destruição de alguns navios e a recuperação de
prisioneiros, já havia contactos entre os adversários de Sékou Touré e o
Governo português, sobre os quais é informado pelo General Spínola;
b)
segundo a documentação existente, os objectivos
a atingir iriam muito mais longe do que os inicialmente pensados pelo Comandante
Calvão;
c)
a instalação em Conakry de um regime «mais
favorável às posições portuguesas» é um eufemismo para dizer que se acabava com
a presença do PAIGC naquele país, o que seria importantíssimo para alterar a
situação militar e política na Guiné-Bissau. Aliás, como veremos adiante, num
documento entregue ao Governo português por um representante qualificado da
FNLG, exprime-se claramente a intenção de pôr termo às actividades do PAIGC na
Guiné-Conakry.
O
próprio Marechal Spínola, afirma, no seu acima referido depoimento:[15]
A operação visava dois
objectivos: o primeiro, de alta estratégia e de natureza externa, com vista a
apoiar a realização de um golpe de estado na República da Guiné; o segundo, de
natureza interna, visava o desmantelamento das instalações do PAIGC em Conakry,
aprisionar Amílcar Cabral e libertar os militares portugueses detidos nas
prisões do PAIGC […]. Estava vedada a hipótese da morte de Amílcar Cabral que
deveria ser aprisionado e conduzido para Bissau[16], onde a sua presença era um factor-chave
da minha manobra de condução do processo político-militar em curso na Guiné,
com vista a um «cessar-fogo» que considerava altamente honroso para Portugal[17].
António Luís Marinho escreveu, como se disse acima, que
os contactos vinham de 1966, mas a avaliar por uma página de memórias do Visconde
de Botelho, José Gago de Medeiros[18],
os primeiros contactos só teriam sido estabelecidos em finais de Setembro de
1967.[19]
Com efeito, Gago de Medeiros dedicou um capítulo dessas
suas memórias[20]
a descrever os contactos que teve com um homem que nessa altura o procurou em
Genebra, que identifica apenas como François M…, e que se apresentou como
«membro activo do partido guineense anti-Sékou Touré[21],
isto é, a FNLG». François M… disse-lhe ter vindo do Senegal à Suíça, expressamente
para se encontrar com ele e pedir-lhe que o pusesse em contacto com o Governo
português. A indicação para o procurar fora-lhe dada, esclareceu, por um norte-americano,
filho (parece que ligado à CIA) de Dale Carnegie[22].
Gago de Medeiros ouviu-o, diz que sem grande interesse, mas acabou por prometer
que submeteria o assunto ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, em Lisboa. Pediu,
no entanto, mais esclarecimentos, e resumiu assim o que lhe foi dito:
A situação na República da
Guiné-Conakry é catastrófica. E o regime de Sékou Touré, ferozmente ditatorial,
é comunista sanguinário. A economia e as instituições guineenses estão falidas
desde a independência[23]. As exportações baixaram de 60 a 70 por
cento. O arroz, base da alimentação do seu povo, custa três a quatro vezes mais
que nos países limítrofes. A miséria é enorme, apesar de o subsolo ser
riquíssimo. Sékou Touré, para se aguentar, retira as suas principais receitas
da FRIA[24], controlada por capitais ocidentais, a
principal exportadora da Guiné … No intuito de mascarar a sua falência perante
a opinião pública nacional e internacional, Sékou Touré inventa periodicamente
conjuras e atentados, graças ao que manda logo executar uns tantos guinéus –
sempre entre patriotas e os mais cultos cidadãos, aqueles que poderiam
incomodá-lo no futuro… Todos os dinheiros eventualmente disponíveis são
utilizados para organizar a Polícia e manter campos de concentração … Em
resultado desta situação, 800.000 naturais do país expatriaram-se
voluntariamente, vivendo no Senegal, na Costa do Marfim, na Libéria e na Serra
Leoa. A continuação deste êxodo e das demais circunstâncias descritas levaram à
criação, pela elite dos guinéus no exílio, da Frente de Libertação Nacional da
Guiné, com a única finalidade de destituir Sekou Touré e instaurar um regime
político liberal e democrático, que conduza à paz e prosperidade nacionais.
Refere em seguida o Visconde de Botelho um
«memorial» que lhe foi mostrado e que terminava com o seguinte parágrafo:
Em virtude da interligação dos
nossos interesses geográficos e humanos, desejaríamos obter uma ajuda
apropriada do Governo português, a fim de atingirmos os nossos objectivos.
Estamos conscientes das dificuldades de Lisboa, como estamos igualmente
conscientes das implicações que as nossas diligências acarretarão. Mas um
sucesso da nossa iniciativa, não temos dúvidas, permitirá temperar e harmonizar
certas relações que conhece e a conciliação em definitivo dos interesses
nacionais respectivos.
Era uma
clara referência às facilidades de movimentação de que o PAIGC dispunha naquele
país e a cujo fim se acenava.
Afirma o Visconde de Botelho que, pouco depois, almoçara
em Paris com o chefe do movimento anti-Sékou Touré, cujo nome não indica, e
acrescenta:
Uma vez regressado a Portugal,
em meados de Outubro, fiz chegar ao conhecimento do Presidente do Conselho o
que se passara. O Doutor Salazar achou conveniente pôr o Ministro dos
Estrangeiros[25] ao corrente da questão.
Franco Nogueira - «certamente após ter consultado o Chefe
do Governo» - disse ao Visconde que «mandasse vir o homem» e François M… chegou
a Lisboa em Dezembro do mesmo ano, 1967. Botelho apresentou-o «a algumas personalidades,
nomeadamente a Adriano Moreira, antigo Ministro do Ultramar[26]»
e depois assistiu à conversa do visitante com o então director-geral político
do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Hall Themido[27],
dado que o Ministro se encontrava em Nova York. Themido, segundo o Visconde de
Botelho, «não se pronunciou» mas informou que «transmitiria superiormente o que
ouvira», embora vincando, «no decurso do diálogo, o melindre de certas
actuações», com uma referência directa «à incursão de mercenários no Catanga,
que provocara uma queixa de Kinshasa no Conselho de Segurança[28]».
François M… terá deixado Portugal no dia seguinte à
reunião com o embaixador mas «passados alguns meses, já em 1968, chegou
inesperadamente a Lisboa, acompanhado de outro dirigente da FNLG, residente em
Dakar». Mantinha-se «a posição de expectativa», isto é, ninguém dera notícias
concretas. O assunto estava agora nas mãos do Ministério do Ultramar e ele, Visconde
de Botelho, não sendo funcionário do Estado, nem exercendo qualquer cargo
político, como sublinhou, não poderia «continuar a servir de elo de ligação
entre si (François M…) e o Governo […]. Só o Ministério por onde as coisas têm
de ser encaminhadas é que poderá eventualmente empurrá-las, se com elas
concordar».
Segundo o Visconde de Botelho, «o novo esquema de
contacto foi adoptado e François M… e a FNLG passaram a estar em ligação
directa com o Ministério do Ultramar».
Antes de prosseguir, há que examinar outro documento, uma
exposição do «chefe», não identificado, de uma «Organização de Acção Contra o
Comunismo (O.A.C.C.)»[29],
igualmente não identificada, redigido em francês e datado de 5 de Outubro de
1967.[30]
Esse
documento, intitulado Neutralização das
actividades subversivas do P.A.I.G.C. por meio de uma operação política,
começa da seguinte maneira:
Uma personalidade portuguesa
fez-me, no mês de Junho, a seguinte pergunta: «Como neutralizar Amílcar
Cabral?» Resposta: impedindo-o de agir a partir dos países vizinhos,
principalmente fazendo-o expulsar da Guiné ex-francesa que lhe serve de base
logística e de trânsito. Para isso, é preciso favorecer a mudança do regime
revolucionário actual de Conakry para um regime moderado que renove com
Bissau relações de boa vizinhança e cooperação económica. ESSAS
POSSIBILIDADES EXISTEM.»[31]
Num
Ponto I, o documento aponta os «Elementos Políticos Favoráveis» e começa por
acentuar que «a [República da] Guiné está praticamente isolada», que o
«conflito entre a Côte d’Ivoire» e a Guiné-Conakry não está resolvido e que o
Senegal também tem sido alvo de ataques do «clã de Conakry que, ao que parece,
está implicado no assassínio de Demba Diop[32],
grande amigo do Sr. Senghor[33],
e ao último atentado contra o próprio Sr. Senghor».
Passando
ao ponto II, o mesmo documento afirma que «existe um Movimento político
estruturado que se chama Frente Nacional de Libertação da Guiné», cujo
objectivo é «derrubar Sékou Touré e instalar na Guiné um regime moderado» e que
tem como presidente o Doutor Paul Dechanbenoit, como Secretário-Geral David
Soumah e Keita Moussah como adjunto. Os principais apoios deste movimento são a
Côte d’Ivoire, Senghor (que, no entanto, deve agir com maior descrição, pois é
«rigorosamente controlado por Paris») e o Ghana, pois o novo regime teme «as
actividades subversivas» do antigo Presidente Nkrumah[34],
que se encontra exilado em Conakry[35].
Faz-se em seguida uma exposição sobre os apoios internos com que a FNLG
contava, generalidades do tipo «no interior do país encontram-se cerca de 3.000
antigos soldados do exército francês, desmobilizados e cuja reintegração no
exército guineense foi recusada por Sékou Touré», ou «o grande marabu do Futa
Djalon, a mais alta autoridade dos fulas da Guiné, promoveu o sacrifício de
cinco bois, na região de Labé, para pedir ao Céu a queda de Sékou Touré[36]».
Diz mais adiante o documento que «o ponto fraco da FNLG, reconhecido, aliás,
pelos seus dirigentes, reside no facto de não ter quadros qualificados para
montar e dirigir a operação que deverá levar ao derrube de Sékou Touré, o que
esteve a favor e explica o acordo concluído com a nossa Organização de Acção
contra o Comunismo».
Apresenta-se
em seguida um resumo do plano que teria sido assinado pela OACC e pela FNLG,
segundo o qual «a Organização está encarregada de estabelecer um plano de
operação político-militar visando derrubar o regime actual da Guiné e instalar
um governo autenticamente nacional, saído da Frente de Libertação Nacional da
Guiné» e «especifica que devem ser estabelecidos contactos com os diversos
países interessados […] em particular para garantir um auxílio financeiro à
operação».
Especificamente
em relação a Portugal, lê-se no documento:
Fizemos igualmente admitir aos
dirigentes da FNLG que o PAIGC, sendo de essência marxista e aliado de Sékou
Touré, devia ser eliminado ao mesmo tempo que este último. A FLING[37] de Pinto Bull, que simpatiza com a FNLG e
com a qual estamos em contacto, declara-se disposta a participar na operação e,
em particular, com o nosso auxílio, a afastar o PAIGC do território senegalês,
com a bênção do Sr. Senghor, que será obtida com toda a facilidade. Nesta
ocasião, a FLING garantiu-nos estar disposta a entender-se com Portugal.
Concluindo,
afirma-se que «este plano foi concebido no interesse de Portugal e para lhe
trazer vantagens simultaneamente politicas, junto dos Estados do Ocidente
africano, e financeiras, [graças] à eliminação da subversão que acarretará a
redução dos esforços militares, e sem riscos de ordem internacional». Pede-se,
por fim, total segredo para não prejudicar os planos estabelecidos e
acrescenta-se em Nota: «Um anexo a este acordo estuda os objectivos – como
apoios essenciais de Sékou Touré – que devem ser eliminados a priori. A FNLG considera que, entre
estes, os dois principais elementos são o PAIGC e os Chineses.»[38]
Seguem-se
extractos do já referido acordo, cuja autenticidade é garantida por uma nota
manuscrita do Doutor Paul Dechanbenoit, datada de Les Fours, em 31 de Agosto de
1967, e garantindo que a FNLG está em conversações com «a Organização,
representada pelo Senhor N.N.».[39]
Que existiram negociações com o Ministério do Ultramar[40],
é certo. Resta saber se com François M… ou com outros interlocutores, se
paralela ou separadamente.
Com efeito, com data de 28 de Junho de 1968[41],
o Dr. Alexandre Ribeiro da Cunha[42]assina,
em papel timbrado do Gabinete do Ministro do Ultramar, um documento «Muito
Secreto»[43]
no qual informa ter sido «procurado, no dia 24 de Junho, em Genebra, pelo Sr.
Doré, funcionário do BIT[44] e
nacional da República da Guiné (que já é conhecido em Lisboa) que desejava
apresentar-me o chefe do seu movimento e, se esse movimento fosse bem sucedido,
futuro Presidente da República da Guiné. Afinal éramos velhos e bons amigos!
Trata-se de David Soumah[45],
Secretário Geral da Confederação Sindical que conheço há largos anos […]. Dada
a minha “intimidade” com Soumah, Doré abriu-se totalmente.»
O apontamento relata depois a informação que
lhe foi dada sobre as intenções da FNLG:
Têm tudo planeado para derrubar
Sékou Touré. Para tal, como já referiram em Lisboa, carecem do acordo de
Portugal. Segundo Soumah, o plano seria executado da seguinte forma:
Por ocasião de uma manifestação
pública, um grupo lançaria a confusão e dois outros grupos, previamente
infiltrados, neutralizariam o campo dos cubanos e ocupavam a rádio. Têm a
certeza [de] que as elites e a
população os acompanhariam e que, num dia, se tornariam senhores do poder;
Soumah sabe que todos os chefes religiosos e tribais o acompanham. O exército
está também com eles excepto os cubanos (cerca de 250 homens) e alguns, poucos,
chineses instrutores da polícia.
O seu movimento tem o apoio da
Costa do Marfim e o Senegal não o persegue pois desejaria que atingissem o
objectivo que se propõem.
Precisam do apoio português,
não para do nosso território partir a «infiltração» mas para a preparação e
reunião dos grupos que se infiltrarão. A base principal seria na Serra Leoa. A
uma pergunta minha acerca do apoio deste país, responderam que na Serra Leoa
tudo é questão de dinheiro. Sabem que com £ 2.000 comprarão o comandante do
campo militar perto da fronteira que será o primeiro a conduzi-los para se
infiltrarem.
Gostariam que o plano fosse
examinado pelas autoridades portuguesas que poderiam dar o seu conselho. Para
tal poderiam vir a Lisboa entre 10 e 15 de Julho próximo.
Até 12
de Julho seguinte não houve qualquer resposta, pois, nessa data, Ribeiro da
Cunha informa que o Sr. Doré lhe telefonara de Genebra para lhe comunicar que
David Soumah estaria nessa cidade de 13 a 15 desse mês e «pretendia saber se
poderia vir a Lisboa, para os efeitos referidos no apontamento anterior»,[46]
acrescentando que ambos desejam vir a Lisboa «tão urgentemente quanto
possível».
Não parece ter havido resposta, pois a 11 de Agosto, uma
nova informação de Ribeiro da Cunha, outra vez em papel timbrado do Ministério
do Ultramar e com a classificação de «Muito Secreto» comunicava:
Às 13.30 h. de 10 de Agosto
falou novamente de Genève o Senhor Doré. Pretendia saber se o Senhor Camará
havia falado comigo. Respondi afirmativamente e, a uma pergunta do Senhor Doré,
limitei-me a responder que havia conversado com as pessoas apropriadas.
O Senhor Doré comunicou-me que
o Senhor David Soumah lhe havia telefonado de Dakar comunicando que tudo estava
pronto e que o período melhor para a iniciativa seria na primeira quinzena de
Setembro. E terminou com a frase: «Nous comptons sur vous[47]».[48]
Efectivamente,
Camará Boubacar já havia sido recebido por alguma das «pessoas apropriadas» mas
aparentemente não era grande o entusiasmo que a proposta da FNLG despertara:
são duas as informações, ambas dactilografadas e datadas de 8 de Agosto e não
assinadas[49].
Na
primeira,
Interrogado sobre os meios de
que dispõe o seu «movimento» para a consecução dos planos que tem em mente,
declarou dispor de homens treinados na Costa do Marfim, donde sairiam na «hora
H», enquadrados por técnicos militares franceses que o governo de França
concordou em fornecer-lhes, e acrescentou que da Costa do Marfim passariam à
Libéria, Serra Leoa e Conakry.
Disse ainda que, celebrando-se
em 28 de Setembro as festas da independência e iniciando-se em 10 do mesmo mês
a «semana artística», com a presença de inúmeros artistas de diversos países
africanos, decidiram aproveitar essa hora festiva para lançar o golpe.
Perguntado sobre o que poderiam
oferecer em troca de uma eventual ajuda por parte das Autoridades Portuguesas,
respondeu: «O estabelecimento imediato de relações diplomáticas com Portugal e
a liquidação do PAIGC».
Esta
informação é seguida por um «comentário», na mesma página, também
dactilografado:
Como opinião pessoal e para
além da ajuda solicitada (que não seria demasiadamente grande desde que o plano
resultasse) afigura-se-me que o «movimento» carecerá de estruturas capazes de o
levar ao êxito.
Ao
alto, manuscrita, também datada de 8 de Agosto, e com uma rubrica ilegível, a
seguinte informação:
O Doré que escreveu a carta ao
Dr. Ribº. da Cunha, parece ter falado ao Dr. Hall Themido no caso. O Sr. Dr.
Caldeira Coelho[50]
iria hoje falar no assunto ao Sr. Mº N. E. O Boubacar volta hoje à PIDE e vamos
procurar saber com o que eles contam pª. a acção.
Com
a mesma data de Agosto, existe ainda outra informação, igualmente
dactilografada, igualmente não assinada, aparentemente continuação da primeira,
mais pormenorizada:
Em continuação de conversa com
o guineense Camará Boubacar, procurou-se esclarecer os seguintes pontos: 1º -
Meios de que dispõem em homens e armas: 2º - Elementos com que contam no
interior da República da Guiné; 3º - Possibilidade de apoio do [s] Governo [s] da França, Costa do Marfim, Serra Leoa e Senegal.
A estes pontos indicou: 1º - Dispõem
na Costa do Marfim, Senegal e Serra Leoa, cerca de 1.100 homens, antigos
elementos guineenses do exército francês, que não dispõem de armas, nem de
meios de transporte, os quais contam obter se conseguirem a nossa ajuda
financeira. 2º - Diz contarem com alguns Ministros e ex-Ministros, Oficiais do
Exército e dirigentes da «Jeunesse». 3º - Do apoio francês, apenas sabe indicar
que o Governo da Costa do Marfim estabeleceu contactos com o Governo
francês, com vista ao derrubamento do regime de Sekou Touré, supondo que ele
tenha o seu apoio; não dá, todavia, quaisquer dados concretos.[51]
A Serra Leoa, o Senegal e a
Costa do Marfim, permitiram e permitem a presença de elementos da «FNLG –
Frente de Libertação Nacional da Guiné» e o seu trânsito para acções em
território guineense.
Sobre apoio financeiro e
material de guerra, nada se conseguiu esclarecer.
O
comentário do redactor da informação é francamente pessimista:
Afigura-se-nos que o auxílio
que nos é solicitado, a ser concedido, se assemelha a um jogo de lotaria mas,
ainda assim, foi pedido a Camará Boubacar «que elaborasse um relatório focando
estes assuntos, o que ficou de fazer e entregar amanhã.
A promessa parece ter sido cumprida, pois encontra-se no
processo[52]
um extenso documento, manuscrito, em francês, intitulado «Nota à atenção das
autoridades portuguesas competentes», datada de Lisboa, 9 de Agosto de 1968.
Esta «Nota», depois de historiar a formação da FNLG[53], de
pormenorizar os apoios recebidos, particularmente da Costa do Marfim, a
organização do movimento e as próprias dificuldades internas, afirma existirem
«subsecções clandestinas» no interior da Guiné-Conakry e apoios de políticos e
de membros do Estado-Maior do Exército guineense. Quanto ao exterior, dispõem
de cerca de «1.500» militares, antigos combatentes do Exército francês,
dispersos pela Costa do Marfim, pelo Senegal e pela Serra Leoa, dos quais «300
estão a ser treinados há cerca de um mês», com vista a serem usados na «acção
que encaramos para a primeira quinzena do mês de Setembro de 1968, por ocasião
da quinzena artística que todos os anos precede as festas que assinalam o
aniversário da independência[54]».
Sobre a missão que se deslocara nessa altura a Portugal,
afirma-se que o seu «objectivo é obter das autoridades de Portugal, que
consideramos como aliadas naturais do nosso justo combate, um auxílio material
e financeiro cujos pormenores figuram num documento anexo a esta nota».
Caso se chegue a acordo – prossegue o documento - «os
compromissos que a FNLG toma relativamente a Portugal são os seguintes: -
liquidação sistemática do PAIGC e de todas as suas bases em território da
República da Guiné; neutralização total da fronteira comum aos nossos dois
países; reconhecimento diplomático de Portugal; abertura de um consulado em
Lisboa; estabelecimento de relações comerciais».
O apontamento de Camará Boubacar manifesta a convicção de
que «estão actualmente reunidas todas as condições para proceder a um golpe de
estado na Guiné» e explica mais pormenorizadamente os apoios, já referidos
noutras ocasiões, de que dispõe a FNLG: na Costa do Marfim, onde residem «300.000
guineenses», o movimento é reconhecido oficialmente; no Senegal, «mantém boas
relações com o Presidente Senghor […], a organização funciona normalmente, sem
quaisquer limitações e os nossos responsáveis viajam com passaportes
senegaleses»; na Serra Leoa, «as nossas relações com o anterior governo militar
eram excelentes mas as repentinas alterações verificadas nestes últimos meses
colocaram-nos numa posição de expectativa relativamente às autoridades» embora
se tenham estabelecido contactos estreitos entre as duas partes porque «do
ponto de vista estratégico, a Serra Leoa merece-nos uma muito particular
atenção, pois é das suas fronteiras que partirão todas as operações dirigidas
contra Conakry»; quanto à França, com cujo governo, aparentemente, nunca a FNLG
tomou contacto directo, dá-se a entender que existe um traço de união entre
aquele país e a Costa do Marfim. «Estamos convencidos – prossegue – de que o
apoio, a liberdade e a segurança de que beneficiam o movimento e os seus
elementos nos dois países francófonos acima citados é em parte resultante da
discretíssima actuação das autoridades francesas.»[55]
O
documento
1)
insiste muito nas futuras boas relações da
Guiné-Conakry com a França que, afirma, «está a par dos nossos preparativos
militares desde Janeiro de 1968» e garante que «oficiais franceses têm
regularmente mantido e mantêm contactos connosco» o que «quer dizer que a França
está interessada»:
2)
protesta que a FNLG não tenciona organizar um
guerrilha mas sim lançar «uma acção rápida de comandos contra a pessoa de Sékou
e de alguns dos seus lugares-tenentes imediatamente seguida de uma operação de
grande envergadura para neutralizar a situação»;
3)
e reafirma que «além de todo o povo, que está de
alma e coração connosco, vários batalhões das forças armadas foram ganhos para
a nossa causa, incluindo numerosos quadros do Estado».
Surge, por fim, o pedido concreto do apoio que se pretende
receber de Portugal:
Os únicos problemas urgentes e
muito importantes são: o material que pedimos a Portugal e os 40.000 Francos
CFA, ou seja 160.000 dólares para garantir o transporte dos homens e a sua
manutenção durante a campanha nas condições especiais que predominam neste
região.
Além do dinheiro – equivalente, ao câmbio da altura, a
menos de 5.000 contos – o material pedido era, para os 300 antigos militares, o
seguinte: «180 espingardas, 60 pistolas-metralhadoras, 30 pistolas automáticas,
30 lança-granadas, seis espingardas-metralhadoras, 300 punhais», bem como «as
munições para estas armas, uma certa quantidade de granadas ofensivas,
defensivas, incendiárias, petardos e minas» e «uma farmácia completa, se
possível». A entrega do material, em data a combinar, far-se-ia «na Gâmbia ou
no alto-mar, com o auxílio de um barco de pesca que fretaremos para esse
efeito».[56]
Da leitura de todos estes diversos documentos, percebe-se
que tanto o Ministério dos Negócios Estrangeiros como o Ministério do Ultramar[57]
não partilhavam o entusiasmo da FNLG quanto à participação portuguesa num
ataque à Guiné-Conakry, o que nos leva a perguntar por que passou tanto tempo
até à decisão portuguesa se concretizar, e em moldes completamente diferentes
dos propostos pelos dissidentes guineenses, e que entidade, ou entidades,
apoiaram a ideia. A PIDE? Ainda em 2000, falei com o general Pedro Cardoso[58]
que me disse ter sido a PIDE a elaborar os planos da invasão, o que,
acentuou-me, só seria possível com ordcns superiores, acima do próprio
Governador da Guiné, isto é, do Presidente do Conselho[59].
Por sua
vez, o Marechal Spínola, no seu já citado depoimento, afirma que dois dos seus
oficiais, Firmino Miguel[60] e
Carlos Azeredo[61],
colaboraram na elaboração do plano de invasão, «com especial relevo para o
primeiro, que foi o elemento principal do planeamento». Colaboraram nesse
planeamento com a PIDE ou com o Comandante Calvão? Segundo José Freire Antunes[62],
o contacto directo na PIDE era o Sub-Director-Geral e chefe do departamento
africano daquela polícia inspector Barbieri Cardoso[63],
que teria sido mesmo quem entregou ao fornecedor o cheque de 3.450.000$00
destinado a pagar a compra das armas que foram usadas naquela operação, entre
as quais 250 kalachnikovs, 20 morteiros e 12 PRG-7, o que também mostra a
profunda implicação da polícia política nos preparativos para a incursão em
Conakry[64].
Parece,
no entanto, estranho que a PIDE tivesse pessoal capacitado para elaborar planos
tão complexos. Além de que acabaria por verificar-se que falhou aquilo que se
esperaria fizesse bem: dar informações correctas para a movimentação das forças
invasoras. É
verdade que a PIDE (e depois a DGS, que lhe sucedeu em Março de 1969) manteve
um serviço de recolha de informações sobre a República da Guiné praticamente
desde a independência daquele país. Essas informações eram enviadas à
Presidência do Conselho, ao Ministério da Defesa Nacional, ao Ministério do
Ultramar, ao Ministério dos Negócios Estrangeiros e, naturalmente, ao
comando-chefe da Guiné. Para além das movimentações fronteiriças, tanto dos
guerrilheiros do PAIGC, como dos militares e, até, das populações da República
da Guiné, eram dadas informações sobre a instabilidade política e social da
Guiné-Conakry e sobre as ameaças externas, as quais – coincidindo com o que a
FNLG afirmava - eram de molde a convencer as autoridades portuguesas da
fragilidade da posição de Sékou Touré. Por exemplo, em 11 de Junho de 1969 uma
informação dizia existirem «movimentações na fronteira da República da Guiné
com a Costa do Marfim em virtude de Sékou Touré temer qualquer acção da FNLG
naquelas zonas»; e, em 17 do mesmo mês e ano, outra informação garantia que «as
autoridades guineenses reforçaram a vigilância na fronteira de Buruntuma,
porque esperam a infiltração de um grupo de antigos combatentes franceses
inimigos de Sékou Touré que vão de Paris em auxílio dos militares do complot da oposição que estão presos em
Conakry».[65]
Às vezes, havia alguma imprecisão no que se
dizia, como por exemplo numa informação de 18 de Março de 1969[66]
em que depois de se afirmar que a situação interna da Guiné-Conakry continuava
«tensa», se acrescentava: «Depois do golpe de estado falhado contra Sékou Touré
há relativamente pouco tempo, este presidente deixou de pernoitar no Palácio do
Governo fazendo-o no bairro de “Belle Vie” (sic)
na parte norte daquela capital, que dista cerca de 8 quilómetros do Palácio.»
Aqui pode perguntar-se o que significa «há relativamente pouco tempo» e se a
informação de que Sékou Touré passara a pernoitar na residência de Belle Vue
não foi confirmada até Novembro de 1970, levando as forças invasoras a destruir
essa residência, onde o chefe do Estado guineense estaria.
Do que não há dúvida é de que Spínola se
empenhou profundamente no plano, indo para além da proposta de libertação dos
presos e de destruição das lanchas. O objectivo principal passara a ser o
derrube de Touré. No seu relatório[67],
Alpoim Calvão escreve:
A missão foi atribuída pelo
general governador e comandante-chefe das Forças Armadas da Guiné, sob minha
proposta:
- Realizar um golpe de Estado
na República da Guiné a fim de permitir a subida ao poder dum governo favorável
aos Altos Interesses da Nação[68].
- Paralelamente, executar um
golpe de mão sobre as instalações do PAIGC em Conakry, a fim de lhe causar
baixas, destruir material, causar danos psicológicos e libertar os 26 militares
portugueses detidos na prisão do partido.[69]
O
próprio Calvão se deslocou várias vezes a Genebra e a Paris, acompanhado pelo
inspector da DGS Matos Rodrigues[70] a
fim de se encontrar com dirigentes da FNLG, que identifica: Doré, David Soumah
e Thierno Diallo, um antigo major do exército francês. Nesses encontros foi
decidido estabelecer um acordo entre aquele movimento e o Governo português no
qual se previa a interdição do PAIGC na República da Guiné.[71]
Posteriormente, três representantes dos dissidentes da Guiné-Conakry
instalaram-se mesmo em Bissau, tendo elaborado uma lista de governantes e
redigido declarações e proclamações.[72]
Spinola
é, portanto, o impulsionador principal do ataque nos moldes em que foi
concretizado: um golpe de estado que, se triunfasse, teria a maior importância
para a Guiné-Bissau, como demonstra claramente a carta que dirigiu a Marcello
Caetano em 12 de Novembro de 1970, uma semana antes da operação «Mar Verde»[73],
em que escreve:
Face às reservas postas na
última carta que recebi do senhor Ministro do Ultramar, relativamente a esta
última acção, tomei a liberdade de enviar à Metrópole o capitão-tenente
Guilherme Alpoim Calvão, chefe do Departamento de Operações Especiais do
Comando-Chefe, com o encargo de documentar Vossa Excelência sobre a
possibilidade de êxito na acção planeada, que não tenho dúvidas em classificar
de decisiva para o desfecho da guerra na Guiné. Pela minha parte assumo a plena
responsabilidade local do seu lançamento, correndo os riscos necessários, pois
continuo firmemente convencido de que, apesar dos indiscutíveis sucessos já
alcançados no âmbito de uma contra-revolução social, perderemos
irremediavelmente a Guiné se não neutralizarmos o inimigo no exterior.
No
já citado trabalho de Rui Hortelão, Sanches de Baêna e Melo e Sousa, escreve-se
que Alpoim Calvão foi recebido por Caetano logo na segunda-feira 16 no seu
gabinete em S. Bento e que autorizou explicitamente a invasão, concordando com
aquele oficial que bastaria a libertação dos prisioneiros portugueses para ela poder
ser considerada um êxito.
Resumindo
e concluindo:
1)
A Operação «Mar Verde» foi inicialmente pensada pelo Comandante Alpoim Calvão
para atingir dois objectivos:
-
libertar os 26 presioneiros portugueses do PAIGC e
-
destruir as lanchas do PAIGC.
2)
Quando expõe essa acção a Spínola, este concorda e informa Alpoim Calvão de que
existiam contactos entre o Governo português e adversários de Sékou Touré.
3)
Esses contactos decorriam, pelo menos, desde 1967 e tinham como objectivo obter
o apoio de Portugal para a invasão da Guiné-Conakry, operação que ficaria a
cargo exclusivamente de naturais daquele país e que partiria da Serra Leoa. O
apoio pedido limitava-se a uma contribuição financeira, nem sequer muito
relevante, ao treino de guineenses da FNLG e ao fornecimento de material
militar devidamente especificado. A contrapartida oferecida pela FNLG para o
apoio pedido seria a proibição das actividades do PAIGC em território da
Guiné-Conakry, o que significaria o fim da actividade daquele movimento na Guiné-Bissau,
pelo menos enquanto o novo governo da República da Guiné se mantivesse no
poder.
4)
Aparentemente, não existe, até 1970, qualquer documento da FNLG que levante a
hipótese de a invasão partir de território da então Guiné Portuguesa. Alguém
convenceu os dissidentes guineenses a alterarem o seu plano inicial.
5)
António de Spínola não só sabia das conversações entre o Governo português e a
FNLG, como esteve sempre institucionalmente a par dos contactos da PIDE com a
FNLG, o que é confirmado por dois telegramas dirigidos pelo ministro Silva
Cunha ao governador e comandante-chefe da Guiné, telegramas oficiais, assinados
simplesmente, como era praxe, «Ministro». Um, datado de 14 de Outubro de 1969,
informa que «Doré telefonou dizendo David[74]
aguarda indicações de Matos Rodrigues»[75];
o segundo, dez dias mais tarde, a 24, portanto, diz: «Doré telefonou ontem de
Genève informando haver recebido comunicação Mamadou. Deu seguimento pedido e
avisou David.»[76]
Como
já se disse, e Alpoim Calvão confirma[77],
tanto o Ministério do Ultramar, como o Ministério da Defesa Nacional – e também
o Ministério dos Negócios Estrangeiros - não se mostraram muito entusiasmados,
para dizer o menos, com receio das repercussões internacionais. Todavia, a
operação veio a concretizar-se um ano depois, em moldes completamente
diferentes e aparentemente com custos materiais superiores aos necessários para
satisfazer o que fora pedido pela FNLG. Os objectivos iniciais propostos pelo
comandante Calvão foram consideravelmente alargados: o golpe de mão
transformou-se no apoio a um golpe de Estado, conduzido a partir de território
da Guiné-Portuguesa, com militares portugueses e comandos africanos, que
enquadravam, ou pelo menos acompanhavam, cidadãos guineenses recolhidos em
países vizinhos e treinados na Guiné-Bissau, e incluíam «neutralizar» Sékou
Touré, ocupar a estação de Rádio, destruir as vedetas e lanchas rápidas armadas
surtas no porto de Conakry e os aviões MIG da Força Aérea guineense e dominar
as forças presidenciais: guarda republicana, milícias e gendarmes.
Seguramente,
as conversações prosseguiram depois de Marcello Caetano ter sucedido a Salazar,
em Setembro de 1968. Foi com certeza posto ao corrente das propostas feitas
pela FNLG, muito provavelmente, como é natural, pelo Ministro do Ultramar, que
continuava a ser Silva Cunha, mas também – é igualmente uma probabilidade –
pelo director da PIDE, Silva Pais[78],
e pelo próprio General Spínola.
Resta
uma pergunta:
Por
que motivo o Governo português não aceitou as propostas da FNLG, mais baratas
e, principalmente, muito menos comprometedoras politicamente em caso de
malogro?
Embora
não exista documentação que suporte uma resposta cabal, parece muito provável
que Spínola, pouco confiante na capacidade militar dos guineenses para,
sozinhos, levarem a bom termo a invasão mas entusiasmado com a possibilidade de
acabar com a presença do PAIGC na Guiné-Conakry, tivesse convencido Marcello
Caetano a autorizar a operação com a participação de forças portuguesas e a
partir da Guiné Portuguesa. Todavia, o seu malogro acarretou consequências
gravíssimas: em primeiro lugar, a consolidação do regime de Touré que, como já
acima se referiu, aproveitou a ocasião para matar muitos dos seus potenciais
opositores – alguns enforcados nas pontes da capital, para exemplo, outros
lançados na prisão, onde morreriam ou de onde não saíram enquanto Touré viveu;
em segundo lugar trouxe para as águas do Golfo, logo em Dezembro de 1970, em
resposta a um pedido de auxílio do chefe do Estado guineense, uma força naval
soviética, com dois navios, um dos quais armado com mísseis, e a que se
juntaria mais tarde um navio anfíbio[79];
por fim, poderá ter comprometido futuras iniciativas de Spínola, no sentido de
conseguir um acordo de tréguas com o PAIGC, como as conversações com Senghor ou
um encontro com Amílcar Cabral.
É,
por isso, plausível que o futuro difícil relacionamento de Spínola com o
Governo português[80],
tenha as suas raízes, para além de outros motivos, no malogro da operação «Mar
Verde», cujo principal objectivo, derrubar Touré, não fora alcançado.
[1]
Afirmação do próprio Marechal
Spínola. Cf. AHM – Div. 2, Secção 4, Cx. 306, Nº 1,
reservados nº 114., doc. 217. Na
documentação da PIDE existente na Torre do Tombo encontra-se referência a um
processo denominado FNLG (sigla do Front
National de Libération Guinéen, em português Frente Nacional de Libertação
da Guiné), dado, no entanto, como «inexistente».
[2]
Guilherme Almor de Alpoim Calvão,
n. 1937.
[3]
António Sebastião Ribeiro de
Spínola (1910-1996).
[4]
Diallo, Alpha
Abdoulaye, Dix Ans dans les Geôles de
Sékou Touré, Paris, Éditions de l’Harmattan, 2004. Lewin,
André, Ahmed Sékou Touré (1922-1984)
Président de la Guinée, Tomo VI (1970-1976), Paris, Éditions de
l’Harmattan, 2010. Agradeço reconhecidamente
ao Dr. António Duarte Silva a informação da existência dessas obras.
[5]
Lisboa, Editorial Caminhos Romanos,
2012.
[6] Semanário Sol, Lisboa, 9 de Março de 2012.
[7]
Sigla de Partido Africano para a Independência da
Guiné e de Cabo Verde.
[8] Trata-se, seguramente, das vedetas que
em 20 de Agosto de 1967 chegaram ao porto de Conakry, procedentes da União
Soviética. Tinham cerca de 20 metros de comprimento, eram movidas por quatro
hélices, estavam equipadas com radar e rádio e armadas com dois canhões de
pequeno calibre, um à ré e o outro à proa. A tripulação era constituída por
manjacos que haviam trabalhado em navios mercantes portugueses e por alguns
balantas da região de Naga. Seriam usadas para dificultar a navegação no canal
do Geba e para atacar navios de grande calado que navegassem entre Jeta e o
arquipélago dos Bijagós, além de dificultarem a navegação no rio Cacine. ANTT -
Cf. AOS/CO/UL 50 C, doc. 475.
[9]
Era o Comandante da Defesa
Marítima.
[10]
Estava-se em Agosto de 1969.
[11] Existem outros casos de pedido de apoio
a Portugal para derrubar um governo africano vizinho: em 1967, dissidentes do
regime do Congo-Brazzaville pediram «facilidades territoriais» em Angola para
treino dos futuros invasores daquele país, bem como fardamentos adequados à
instrução desses futuros invasores (os fardamentos iguais aos dos militares
congoleses, a usar quando da invasão, seriam fornecidos pelas autoridades
francesas) e «cinquenta sacos (tipo militar) com material de instrução»,
incluindo calças, camisas, botas, etc.). Também em 1967, rebeldes congoleses
pediram «auxílio para a rebelião pró-Tshombé. Cf. ANTT – AOS/CO/UL 50 C.
[12]
Lisboa, Círculo de Leitores, 2005.
[13]
Era Ministro, desde Março de 1965
(e até 1973, ano em que passou para a Defesa Nacional), o Doutor Joaquim Moreira
da Silva Cunha (n. 1920).
[14]
Lisboa, Editorial Notícias, 2000.
[15] AHM – Div. 2, etc.. Foi escrito, a
pedido do então director da Comissão de História Militar, General Manuel Freire
Themudo Barata (1919-2003), em 4 de Janeiro de 1989, com o título: Subsídio para o esclarecimento da «Operação
Mar Verde» realizada no TO [Teatro de Operações] da Guiné em Novembro de 1970. Este
depoimento, onze folhas dactilografadas em resposta a várias perguntas,
destinava-se a esclarecer o texto elaborado para a Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974).
[16]
Fernando Policarpo afirma que um
dos «25 objectivos essenciais» da operação era «o assassínio de Amílcar Cabral»,
o que, como se viu acima, Spínola desmente: preso, sim; morto, não. Cf. Batalhas da História de Portugal – Guerra de
África – Guiné, 1963-1974, Academia Portuguesa de História, p. 98.
[17]
Não se percebe bem se o General
Spínola entendia que o facto de ter Amílcar Cabral preso em Bissau facilitaria
o entendimento com a direcção do PAIGC ou se pensava que Cabral estaria a seu
lado na manobra de condução do processo
político-militar em curso. Aliás, também não se percebe que interesse isso teria
se o golpe de estado triunfasse, uma vez que, nesse caso, os vencedores
garantiam que expulsariam o PAIGC. A verdade é que o Comandante Calvão, em
entrevista concedida ao diário lisboeta Público,
em 21 de Maio de 1991, afirmou que se Amílcar Cabral estivesse em Conakry e
fosse capturado «seria eliminado ou (feito) prisioneiro; mas mais seguramente
eliminado». Não estava fora de questão o assassínio de Cabral?
[18] José Honorato Gago da Câmara de Medeiros
(1906-1979).
[19] Antes, portanto, da tomada de posse do
então brigadeiro Spínola como governador da Guiné, o que se verificou em Maio
de 1968. É muito possível que, ainda em Lisboa, tivesse sido informado desses
ainda incipientes contactos.
[20] Um
Açoriano no Mundo, Ponta Delgada, Livraria Martins, 1977, 2 vols., pp.
193-202.
[21] Amede Sékou Touré (1922-1984), Presidente
da República da Guiné-Conakry desde a independência, em 1958, até falecer.
[22]
Escritor norte-americano
(1888-1955), especialista em relações humanas e famoso por obras traduzidas em
várias línguas, entre as quais o português, designadamente Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas ou Como Evitar Preocupações e Começar a Viver.
[23]
A República da Guiné foi a única
colónia francesa que não aceitou qualquer tipo de ligação à França depois da
independência, decisão muito mal acolhida pelo Presidente De Gaulle.
[24] Consórcio que explorava a bauxite,
filial da empresa francesa de alumínios Péchiney SA, e que era, nessa altura, a
principal fonte de divisas da República da Guiné. Cf. revista Newsweek de 18 de Março de 1968.
[25]
Era então o Embaixador Alberto Marciano
Gorjão Franco Nogueira (1918-1993).
[26]
Prof. Dr. Adriano José Alves
Moreira, n. 1922. Foi Subsecretário de Estado da Administração Ultramarina (1960-1961)
e Ministro do Ultramar (1961-1963). Em
2000, quando pela primeira vez me interessei por este assunto, perguntei, pelo
telefone, ao Prof. Adriano Moreira se se lembrava deste caso. Disse-me que não.
[27]
Também em 2000, falei com o
Embaixador Themido (João Manuel Hall Themido, n.1924), Director-Geral dos
Assuntos Políticos do MNE entre Junho de 1964 e Janeiro de 1968) que igualmente
me disse não se lembrar do caso. No entanto, como adiante se verá, embora, o
Embaixador, na sua qualidade de Director-Geral tivesse tido activa intervenção
no processo.
[28] Sobre este assunto, cf. José Duarte de
Jesus, A Guerra Secreta de Salazar em
África, especialmente as páginas 135-148
[29] Organisation d’action contre le
Communisme.
[30]
Visto e sublinhado por Salazar no
dia seguinte. Cf. ANTT – AOS/CO/UL 57, docs.269-272.
[31]
A tradução do francês é de minha
responsabilidade, o sublinhado e as maiúsculas são do documento original.
[32]
Político senegalês, nascido em 1927
e assassinado em 1967.
[33] Léopold Sedar Senghor (1906-2001) foi
eleito Presidente do Senegal em 1960 e sucessivamente reeleito até 1980.
[34]
Kwame Nkrumah (1909-1972), primeiro
Primeiro Ministro (1957-1960) e primeiro Presidente (1960-1966) do Ghana, a
antiga colónia britânica Gold Coast. Derrubado em 1966, fixou-se na Guiné-Conakry.
[35] Há que atentar no contexto político
internacional: Senghor temia que a Guiné-Conakry, sob a influência da União
Soviética, tivesse uma presença dominante numa Guiné Portuguesa independente,
situação que também não agradaria à França, dado que Paris receava ver
prejudicada a sua presença junto das antigas colónias, em particular o Senegal,
dada a importância estratégica de Dakar.
[36]
A etnia fula espalha-se por cerca
de 15 países, quase todos da África Ocidental subsaariana, em particular pelo
Senegal, pela Guiné-Bissau e pela República da Guiné. Neste último país esteve
sempre em oposição a Sékou Touré e ao seu regime.
[37]
Frente de Libertação e
Independência Nacional da Guiné, organização criada em1962, no Senegal, por
Benjamim Pinto Bull (1916-2005, político e intelectual guineense), resultante
da fusão de três movimentos: União dos Naturais da Guiné-Bissau, também fundada
por Benjamim Pinto Bull, Reunião Democrática Africana da Guiné e União da
População Libertada da Guiné.
[38] AOS/CO/UL 57, doc. 274.
[39]
O nome está rasurado, não
permitindo assim esclarecer o que era a «Organização». Teria ligações à AGINTER
PRESSE? Cf. AOS/CO/UL 57, doc. 275.
[40]
Sempre em 2000, contactei o Prof.
Silva Cunha que se mantinha activo como professor numa Universidade do Porto.
Escrevi-lhe duas cartas sobre este assunto, a segunda registada, mas não recebi
resposta.
[41]
Sobreviera, entretanto, um
«incidente inusitado» que Franco Nogueira relata assim: «Um bimotor de fabrico
russo, com matrícula da República da Guiné e ostentando as suas cores
nacionais, aterra na Guiné portuguesa, e verifica-se que transporta uma
delegação do Mali e dois tripulantes de nacionalidade guineense. É logo
autorizada a seguir ao seu destino a missão maliana. Mas o avião e os seus
tripulantes são internados. E o Governo de Lisboa declara: terroristas vindos
da República da Guiné capturaram em território português cinco militares
portugueses, entre os quais o sargento António Lobato, da Força Aérea; o
governo da República da Guiné tem consentido e é conivente na manutenção
daqueles militares em território seu, em regime de cárcere privado; e assim o
governo português apenas entregará o avião e os seus tripulantes quando forem
libertados os cinco militares portugueses […]. Dirige-se ao gabinete de Lisboa
o governo alemão e pede, em nome da República da Guiné, que sejam libertados os
nacionais guineenses e devolvido o avião de fabrico russo. Logo após, é o
Presidente Sekou Touré que telegrafa pessoalmente a Salazar. Diz Touré: como a
Guiné não está em guerra com Portugal, é
injustificável a posição assumida: e por isso insiste pela libertação dos
prisioneiros. Comenta Oliveira Salazar: exactamente porque a Guiné não está em
guerra com Portugal, como justifica o Presidente Touré a detenção, no seu
território e há anos, de portugueses de que os terroristas se apoderaram em
território português? Não entrega Lisboa os seus detidos; e confia ao Governo de
Bona uma possível mediação que conduza a uma troca.» Cf. Franco Nogueira, Salazar, vol. VI, pp. 330-331 e 336
[42]
O Dr. Alexandre Ribeiro da Cunha (1915-1983) foi secretário de Salazar (1939-1950)
e depois foi colocado no Ministério das Corporações, tendo representado
Portugal no Bureau International du Travail, em Genebra, e daí o seu
conhecimento com o Senhor Doré, da FNLG. Personalidade respeitada, foi
Inspector Superior do Gabinete dos Negócios Políticos no Ministério do
Ultramar. Nessa qualidade esteve em Dakar, com o inspector da PIDE Matos
Rodrigues, em1967 para conversações exploratórias com uma delegação senegalesa
com vista à intermediação do Senegal para se chegar a um entendimento entre o
Governo português e o PAIGC
[43]
ANTT – AOS/CO/UL 52, docs. 626-627.
[44]
Bureau International du Travail.
[45]
Foi Secretário da Confederação
Nacional dos Trabalhadores Crentes –Togo, criada em 1956.
[46]
ANTT – AOS/CO/UL 52, doc. 648.
[47] Contamos convosco.
[48]
AOS/CO/UL 52, doc. 663. Esta informação foi vista por Salazar que
do seu punho cortou a indicação «Muito Secreto» e escreveu «Secreto», «Visto» e
a data: 22.8.968. Nesta data, Salazar já sofrera a queda, ou as quedas, no
Estoril e estava a escassas duas semanas de ser internado. Mantivera, no
entanto, nesse mês (3 de Agosto-4 de Setembro) a sua actividade habitual. Cf.
Franco Nogueira, ob. cit., pp.
376-380.
[49]
ANTT – AOS/CO/UL 52, docs. 664-667.
[50] Gonçalo Luís Maravilhas Correia Caldeira
Coelho (1918-1995). Foi Director-Geral interino dos Negócios Políticos no
Ministério dos Negócios Estrangeiros entre 15 de Janeiro e 10 de Dezembro de
1968, data em que assumiu a titularidade plena do cargo, que manteve até 1973.
[51] Sublinhados de Salazar.
[52] ANTT – AOS/CO/ UL 52, docs. 658-682.
[53]
Criada em 26 de Março de 1966 pelos
expatriados guineenses na Costa do Marfim a que depois se teria juntado «a
quase totalidade dos exilados guineenses na Europa e em África», no dizer do
autor da «Nota».
[54] Intenção já referida por Camará
Boubacar, como se viu atrás.
[55]
Sékou Touré acusou claramente os
serviços especiais franceses e alemães de cumplicidade no desembarque.
[56] A avaliar por um cartão de Silva Cunha
dirigido a Salazar, este relatório («para o qual solicito a atenção de V.
Exa.», escreve) foi entregue «na Polícia», seguramente a PIDE. Cf. AOS/CO/UL
52, doc. 662.
[57] Segundo António Luís Marinho, também o Ministro
da Defesa, General Horácio José de Sá Viana Rebelo (1910-1995), não concordava
com a operação. Em Alpoim Calvão – Honra
e Dever - Uma Quase Biografia, diz-se que tanto o Ministro da Defesa como o
do Ultramar não concordavam por recearem a reacção internacional.
[58] O General Pedro Alexandre Gomes Cardoso
(1922-2002) esteve ligado aos serviços de informações desde o início da década
de 60. A pedido do General Spínola, foi colocado na Guiné entre 1968 e 1972.
Sabia, portanto, do que falava e a sua informação é tanto mais importante quanto
se sabe que não era um defensor da PIDE. No entanto, não é possível deixar de
perguntar se a PIDE teria capacidade para estabelecer aqueles planos.
[59]
Claro que Marcello Caetano estava
ciente de todos os contactos existentes mas pergunta-se: promoveu a acção ou
limitou-se a ceder aos argumentos do General Spínola que mais tarde – e daí a
carta que escreveu a Marcello Caetano nas vésperas da invasão - teria receado
um recuo, face à oposição de alguns ministros?
[60] General Mário Firmino Miguel (1932-1991)
foi Ministro da Defesa Nacional nos três primeiros governos constitucionais e
Chefe do Estado-Maior do Exército entre 1987 e 1991.
[61] General Carlos Manuel de Azeredo Pinto
Melo e Leme, n. 1930, foi Governador Civil do distrito do Funchal, comandante
da Região Militar do Norte e chefe da Casa Militar do Presidente Mário Soares.
[62]
V. O Semanário, de 29 de Outubro e de 10 de Dezembro de 1988.
[63] Agostinho Barbieri Baptista Cardoso
(1907-1985).
[64] No entanto, no arquivo da PIDE/DGS que
se encontra na Torre do Tombo não encontrei qualquer processo referente a esta
operação. Talvez seja, ou fosse, o que está dado como «inexistente». Todavia, a
implicação da PIDE (já DGS), se outras provas não houvesse, estaria
perfeitamente documentada com o telegrama, abaixo citado, de Silva Cunha para
Spínola.
[67]
V. O Semanário, de 29 de Outubro e de 10 de Dezembro de 1988.
[68]
Recorde-se que este item não figurava na proposta
apresentada por Alpoim Calvão a Spínola, em 1969.
[69]
Na obra citada Alpoim Calvão – Honra e Dever - Uma Quase Biografia, a redacção
deste parágrafo é ligeiramente diferente: - Paralelamente,
executar um golpe de mão sobre as instalações do PAIGC em Conakry, a fim de lhe
causar o maior número de baixas possível e de libertar os militares portugueses
detidos na prisão do partido. No
mesmo livro indica-se um terceiro objectivo, a libertação dos prisioneiros
portugueses do PAIGC, aliás pensado desde início por Alpoim Calvão, como já se
viu.
[70]
Matos Rodrigues era o inspector da
PIDE na Guiné encarregado das informações. Seria substituído pouco depois do
malogro da operação pelo inspector Fragoso Alas. Ambos já faleceram.
[71] Alpoim
Calvão – Honra e Dever – Uma Quase Biografia, p. 223.
[72]
Id., ibid..
[73]
José Freire Antunes, Cartas Particulares a Marcello Caetano, Lisboa,
Publicações Dom Quixote, 1985. Vol.1, pp. 148-150.
[74] Certamente, David Soumah, atrás
referido.
[75] Matos Rodrigues era o inspector da PIDE
na Guiné encarregado das informações. Seria substituído pouco depois do malogro
da operação pelo inspector Fragoso Alas. Ambos já faleceram.
[76] AHU – MU/GM/GNP/069
[77]
Alpoim
Calvão – Honra e Dever – Uma Quase Biografia, p. 223
[78]
Fernando Eduardo da Silva Pais
(1905-1981).
[79] Entre Dezembro de 1970 e Julho de 1971,
a área de operação desta força situava-se ao largo das costas da Guiné
portuguesa, numa clara medida para deter ulteriores ataques que, por mar,
fossem dirigidos contra a República da Guiné; a partir de Setembro de 1971, a
força naval soviética concentrou-se junto a Conakry, em protecção a Touré e
contra os seus opositores internos. Tacticamente, a protecção a Touré era uma
operação defensiva mas a nível estratégico ia muito mais longe, pois permitiria
ao PAIGC continuar as suas acções sem recear ataques por mar. Cf. Mário Matos e
Lemos, O 25 de Abril, Uma Síntese, Uma
Perspectiva, Lisboa, Editorial Notícias, s/d (1987).
[80] Quando chegou a data de ser entregue ao
General Spínola a Torre e Espada, de Valor, Lealdade e Mérito, 6 de Julho de
1973, a cerimónia foi marcada para uma das salas do Palácio de Belém, pois o
regulamento prescrevia que tivesse que ser imposta pelo Chefe do Estado. Muito
atento, Spínola chamou a atenção para o facto de que esse mesmo regulamento
exigia que, no grau que lhe fora atribuído, o de Grande Oficial, a condecoração
fosse entregue perante tropas em parada. Era verdade e, claro, assim se fez,
embora o mais discretamente possível, aproveitando a abertura do ano lectivo no
Colégio Militar. «Nem tudo quanto respeitou ao acontecimento foi do agrado do
Chefe do Estado», escreveu américo Thomaz nas suas memórias. Também quando
chegou o dia da posse no cargo de Vice-Chefe do Estado-Maior-General das Forças
Armadas, Silva Cunha, o Ministro da Defesa, não só proibiu que a cerimónia
fosse transmitida pela Televisão, como não consentiu que a ela assistissem
«muitos oficiais jovens» que queriam estar presentes, conforme o próprio
Spínola se queixou a Marcello Caetano que lhe foi dizendo que não se tratava de
desconsideração mas sim de uma aplicação de princípios, pois nada havia de mais
natural do que tomar posse de um cargo.
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