Director: José Ribeiro
Director Adjunto: Filomeno Manaças
Editorial
Património em risco
Os
ministros da CPLP estiveram reunidos em Lisboa, na nova sede da organização, e
em cima da mesa esteve de novo a questão do Acordo Ortográfico que Angola e
Moçambique ainda não ratificaram. Peritos dos Estados membros vão continuar a
discussão do tema na próxima reunião de Luanda. A Língua Portuguesa é
património de todos os povos que a falam e neste ponto estamos todos de acordo.
É pertença de angolanos, portugueses, macaenses, goeses ou brasileiros. E
nenhum país tem mais direitos ou prerrogativas só porque possui mais falantes
ou uma indústria editorial mais pujante.
Uma velha tipografia manual em Goa pode ser tão preciosa para a Língua
Portuguesa como a mais importante empresa editorial do Brasil, de Portugal ou
de Angola. O importante é que todos respeitem as diferenças e que ninguém ouse
impor regras só porque o difícil comércio das palavras assim o exige. Há coisas
na vida que não podem ser submetidas aos negócios, por mais respeitáveis que
sejam, ou às “leis do mercado”. Os afectos não são transaccionáveis. E a língua
que veicula esses afectos, muito menos. Provavelmente foi por ter esta
consciência que Fernando Pessoa confessou que a sua pátria era a Língua
Portuguesa.
Pedro Paixão Franco, José de Fontes Pereira, Silvério Ferreira e outros
intelectuais angolenses da última metade do Século XIX também juraram amor
eterno à Língua Portuguesa e trataram-na em conformidade com esse sentimento
nos seus textos. Os intelectuais que se seguiram, sobretudo os que lançaram o
grito “Vamos Descobrir Angola”, deram-lhe uma roupagem belíssima, um ritmo
singular, uma dimensão única. Eles promoveram a cultura angolana como ninguém.
E o veículo utilizado foi o português. Queremos continuar esse percurso e
desejamos que os outros falantes da Língua Portuguesa respeitem as nossas
especificidades. Escrevemos à nossa maneira, falamos com o nosso sotaque,
desintegramos as regras à medida das nossas vivências, introduzimos no discurso
as palavras que bebemos no leite das nossas Línguas Nacionais. Sabemos que
somos falantes de uma língua que tem o Latim como matriz. Mas mesmo na origem
existiu a via erudita e a via popular. Do “português tabeliónico” aos nossos
dias, milhões de seres humanos moldaram a língua em África, na Ásia, nas
Américas. Intelectuais de todas as épocas cuidaram dela com o mesmo desvelo que
se tratam as preciosidades.
Queremos a Língua Portuguesa que brota da gramática e da sua matriz latina. Os
jornalistas da Imprensa conhecem melhor do que ninguém esta realidade: quem
fala, não pensa na gramática nem quer saber de regras ou de matrizes. Quem fala
quer ser compreendido. Por isso, quando fazemos uma entrevista, por razões
éticas mas também técnicas, somos obrigados a fazer a conversão, o câmbio, da
linguagem coloquial para a linguagem jornalística escrita. É certo que muitos
se esquecem deste aspecto, mas fazem mal. Numa entrevista até é preciso levar
aos destinatários particularidades da linguagem gestual do entrevistado.
Ninguém mais do que os jornalistas gostava que a Língua Portuguesa não tivesse
acentos ou consoantes mudas. O nosso trabalho ficava muito facilitado se
pudéssemos construir a mensagem informativa com base no português falado ou
pronunciado. Mas se alguma vez isso acontecer, estamos a destruir essa
preciosidade que herdámos inteira e sem mácula. Nestas coisas não pode haver
facilidades e muito menos negócios. E também não podemos demagogicamente descer
ao nível dos que não dominam correctamente o português.
Neste aspecto, como em tudo na vida, os que sabem mais têm o dever sagrado de
passar a sua sabedoria para os que sabem menos. Nunca descer ao seu nível.
Porque é batota! Na verdade nunca estarão a esse nível e vão sempre
aproveitar-se social e economicamente por saberem mais. O Prémio Nobel da
Literatura, Dário Fo, tem um texto fabuloso sobre este tema e que representou
com a sua trupe em fábricas, escolas, ruas e praças. O que ele defende é muito
simples: o patrão é patrão porque sabe mais palavras do que o operário!
Os falantes da Língua Portuguesa que sabem menos, têm de ser ajudados a saber
mais. E quando souberem o suficiente vão escrever correctamente em português.
Falar é outra coisa. O português falado em Angola tem características
específicas e varia de província para província. Tem uma beleza única e uma
riqueza inestimável para os angolanos mas também para todos os falantes. Tal
como o português que é falado no Alentejo, em Salvador da Baía ou em Inhambane
tem características únicas. Todos devemos preservar essas diferenças e dá-las a
conhecer no espaço da CPLP. A escrita é “contaminada” pela linguagem coloquial,
mas as regras gramaticais, não. Se o étimo latino impõe uma grafia, não é
aceitável que através de um qualquer acordo ela seja simplesmente ignorada.
Nada o justifica. Se queremos que o português seja uma língua de trabalho na
ONU, devemos, antes do mais, respeitar a sua matriz e não pô-la a reboque do
difícil comércio das palavras.
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