Com a devida vénia:artigo no DN de hoje
Têm surgido nos media declarações de militares reformados sugerindo a iminência de motins militares. Tiveram origem em posições políticas opostas, e que nada devem à moderação. É bom que o centro, pelo seu silêncio, não deixe os extremos monopolizar o espaço mediático.
Que os militares na reserva (fora da efetividade de serviço) e na reforma se exprimam nos media, é um exercício normal de direitos numa sociedade livre. Nuns casos, merece ser discutido; noutros, é de ignorar. É assim em todos os domínios; é normal em liberdade.
Já é reprovável pretender dar a ideia de que as Forças Armadas seguem as suas teses. As Forças Armadas são representadas pelas chefias institucionais e pelo Governo, que têm, e bem, desvalorizado essas declarações. Mas, sobretudo, porque sugerem antes uma confusão (interpretação benigna) ou uma manipulação (interpretação não benigna).
É sabido que se encontram mais facilmente culpas nos outros do que em nós: nunca somos bons juízes em causa própria. E é mais fácil apontar emotiva e publicamente aos outros (sobretudo, ao Governo...) o que - segundo os nossos interesses - serão as suas falhas. Proclamar uma posição moralmente superior de uma corporação é ousado; ela tem de estar numa posição invulnerável.
A prudente análise ética levará antes a assumir que "todos" podem ter "razão": cada lado pode guiar-se por códigos morais, e até moralidades, distintas - sem o saberem, quiçá, porque nem querem saber.
Sendo mais concreto, concordo com a Constituição e a lei, em que os militares no ativo numa situação de crise, como a que Portugal vive, têm dois deveres especiais: serem exemplares no respeito da ordem constitucional, não sobrevalorizarem os seus interesses pessoais e não usarem a sua posição para os prosseguirem.
Primeiro, de facto, a ordem constitucional não está em perigo.
Segundo, os militares não têm uma alternativa melhor para oferecer ao País. Nem têm de ter.
Terceiro, não se podem proclamar, coletivamente, hoje, aqui, como "reserva moral da nação"; as pretensões de fim da suspensão das promoções, dos subsídios e da fragmentação de hospitais militares e a aquisição de mais equipamentos sofisticados (cuja lógica não seja partilhada por todo o país) tornam improvável que, pelo menos hoje, quem defende aquelas medidas tenha valores morais mais elevados do que os políticos.
Quarto, como grupo social, os militares (pelo menos, os oficiais) estão longe de estar entre os portugueses mais desfavorecidos. Isso recomenda recato e apela ao espírito de sacrifício, que alguns reclamam ser apanágio dos militares, mas que parecem achar depender do "receber".
Por fim, não me parece que as Forças Armadas tenham estado muito disponíveis para atender ao que a nação tem pedido. Por exemplo, os meios que as Forças Armadas têm pretendido adquirir seguem uma lógica que poucos portugueses fora do meio militar entendem. Dou apenas um exemplo: ouvem-se populares e dirigentes do Estado a defender uma guarda costeira portuguesa, a que a Marinha se submeta, mas a Marinha tem-se oposto a tal submissão. É isso que revelam a campanha e o slogan do "duplo uso". Poderia dar exemplos nos outros ramos, que convergiriam genericamente num esforço de sobrevivência de um modelo que não querem ver mudado.
Enfim, a probabilidade de haver motins militares nunca é zero. E pode ter aumentado com esta crise. Mas as posições públicas e manifestações de alguns militares não revelam a necessária superioridade moral para eles terem eco. A impressão que fica é que há outra agenda, em ambos os extremos, que visa incitar os mais exaltados a fazer algo que só prejudica Portugal. Atiram gasolina para a fogueira, para depois virem dizer que avisaram que a madeira era explosiva.
*Capitão de Mar e Guerra (na reserva)
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