Face às várias
notícias sobre a intervenção do Ministro da Defesa Nacional, decidi ler na
íntegra o seu “discurso”, esperando algo de substancial.
Após uma leitura
atenta, eis o que encontrei: uma encenação com formulações genéricas ou vagas,
para um ataque às Associações sócio profissionais militares. Isto era o que se
deduzia das notícias. Porem esperava que existissem conceitos e conteúdo, para
alem de alguma parra, quanto à forma de resolução da crise e ao contributo
esperado das FA’s.
Vejamos então o que
disse o titular da pasta da Defesa, as ideias que explanou:
A solução da
crise está em nós. Em todos nós. Em cada um de nós.
É importante
rever e reestruturar a nossa forma de pensar e agir.
Tudo está, entre
nós, a ser repensado, por necessidade e por uma questão de
oportunidade.
Seguidamente presta
contas dos seus sete meses de governo:
- Duas decisões –
Localização do HFA e transição para a nova tabela remuneratória
- Dois estudos
concluídos: sobre o Dia da Defesa Nacional e sobre a PJM
- Início do
processo de revisão da LPM (o que ocorre periodicamente)
- Início de quatro
a cinco novos estudos: novo conceito estratégico de Segurança e Defesa,
reorganização das estruturas do MDN e das FA’s, questão das promoções, aeroporto
complementar de Lisboa, Estabelecimentos Militares de Ensino.
Classifica isto
como medidas cujas necessidades todos os presentes reconhecerão, medidas que tem
tanto de essenciais como de básicas, diz.
Quando aborda o
processo de reorganização e reestruturação orgânica das FA’s afirma que a
sustentabilidade das FA’s está hoje em causa: -“Tudo está a ser refletido. Em
alguns casos chegaremos a soluções diferentes das que hoje existem, noutras
perceberemos, pelo menos, o porquê das coisas.”
Questiona mesmo se
o papel das FA’s é apenas o de defesa.
“Há que
distinguir o que é estratégico e o que foi tático.”
“Este é o tempo
de fazer Todas as reformas. E nós vamos fazê-las.”
“São precisos
todos aqueles que pensam a segurança e a defesa e todos aqueles que no terreno
tem o comando efetivo das operações.”
“Esta reforma
faz-se convosco, faz-se com os militares, faz-se com os chefes. Ou não se faz de
todo.”
“Faz-se para
nós, por nós e para a República.”
Comentários que me
ocorrem a este tipo de formulação e afirmações:
Confessa alguma
ignorância ou desconhecimento, o que não lhe fica mal, quando afirma que depois
de tudo refletir e se não chegar a soluções diferentes das que existem,
perceberá pelo menos o porquê das coisas.
Não será este um
processo de aprendizagem do Ministro muito caro para as FA’s e sobretudo para o
País?
Questiona se o
papel das FA’s é apenas o de defesa. Nunca foi nem será no futuro apenas o de
defesa, sempre se estendeu em maior ou menor grau, a outros campos do serviço
público, da investigação, da inovação, com impacto na economia e no
desenvolvimento do País.
Há que distinguir o
estratégico do tático, mas não distingue nada.
É o tempo de todas
as reformas, mas não diz quais, todas inclui tudo e não inclui nada. Para as
concretizar são necessários todos, mas só indica os de topo e conclui que se não
for assim não se fazem de todo. Conclusão certa para uma formulação
vaguíssima.
Se isto fosse a
substância da intervenção do Ministro, teríamos que recomendar-lhe que aplicasse
a si próprio a sua afirmação de “rever e reestruturar a nossa forma de pensar
e agir”; porem a substância encontra-se na abordagem que faz ao
descontentamento de militares “manifestado por palavras e atos de alguns
movimentos associativos”.
Faz algumas
afirmações óbvias quanto ao que não é um militar e que assume como reafirmação
da natureza das FA’s – “Um militar não é um funcionário público, ser militar
não é uma profissão como as outras, não é um emprego como os outros, nem sequer
carreira com progressão automática.”
“Ser militar é
servir o País em armas, ser militar é uma vocação.”
“Durante anos,
alguns confundiram a profissionalização das FA’s com a profissionalização dos
militares que nelas serviram. Nada mais errado.”
Comentário: - este
alguns serão os políticos ou serão mesmo os militares? Não se percebe se quem
afirma entende a diferença. Faz um convite aos que não sentem a vocação militar
para saírem com base na seguinte afirmação:
- “Nem um homem
sem vocação pode servir as FA’s, nem as FA’s, chegado o momento da verdade,
podem servir-se de um homem assim.”
Este parágrafo
contem a substância da intervenção ministerial que comentarei na parte
final.
Afirma também que:
“banalizar o protesto militar desprestigia a instituição que jura cumprir as
leis da República. Utilizar o protesto como forma de intervenção pública,
política e partidária é grave.”
Comentário: -
concordo com esta afirmação em termos genéricos, mas não posso deixar de notar a
confusão estabelecida entre o protesto dos militares enquanto cidadãos e o
protesto militar, que se expressará por formas e vias militares podendo ser bem
mais do que um simples protesto, assim nasceu o 25 de Abril, acto fundador da
nossa Democracia. Deve ficar claro que quem jura guardar a Constituição e
cumprir as Leis da República são os militares individualmente e não a
Instituição.
Devo referir também
que repudio igualmente a utilização ou instrumentalização das Forças Armadas
para fins de política partidária, mesmo que por iniciativa do Poder político
legítimo, o que não seria inédito na nossa democracia.
Repudio a demagogia
fácil, para consumo de opinião pública pouco esclarecida, de que os militares
são gente a quem é preciso falar “grosso” e que as Forças Armadas custam muito
ao erário público, a tal ponto que não seriam sustentáveis tal como
existem.
Sobre o que não é
sustentável teria muito a dizer, começava pelos exemplos que vem de cima, do
Poder, no que se refere ao respeito pelos princípios e pela legalidade, mas isso
será para outra oportunidade.
Voltemos à
substância da intervenção do MDN.
O que é isso de
“chegado o momento da verdade”? Está na intenção do Poder utilizar as
FA’s para fins não previstos, no tal momento da verdade? Pretende ou está a
desembainhar a espada?
Normalmente o
momento da verdade para um militar é o da entrada em combate e devo esclarecer o
senhor ministro que não é preciso ser militar profissional nem ter vocação para
isso, que o digam quase um milhão de homens que participaram, direta ou
indiretamente, na guerra colonial.
Para servir o País
nas Forças Armadas ou noutra instituição é preciso sim um forte sentido de
Serviço Público e isso os militares profissionais, os milicianos e os
contratados demonstraram-no em muitos momentos.
Fosse esse o
exemplo igualmente transmitido aos cidadãos por todos os que exercem funções de
responsabilidade política ou governativa.
Se todos os que
exercem essas responsabilidades se sentissem, primeiro que tudo, servidores
públicos, não estaríamos com certeza na actual situação de crise, nem teríamos
preocupações quanto ao tal “momento da verdade”.
Quanto á utilização
de gestos ou expressões fortes que possam pressupor o desembainhar da espada,
será bom ter presente que o militar é o cidadão mais relutante e mesmo
resistente a iniciar essa via, pensará três vezes antes de o fazer mas se for
forçado a desembainhar a espada não voltará a embainha-la sem honra
5 Fev
2012 Martins
Guerreiro
2 comentários:
Senhor Comandante,
Do discurso de Aguiar Branco ouvi pouco, mas o suficiente para perceber que está a gerir mal um assunto delicado e complexo.
Li o seu texto no blog e fico quase assustado porque se fosse militar, insurgir-me-ia... embora talvez pela tal falta de sentido de 'serviço público', do qual temos bem mais maus do que bons exemplos, de governantes e políticos, que nao propriamente de militares.
Mas como nem fiz o SMO, nao arriscaria um post da m/ humilde opiniao no blog pelo que aqui fica um abraço de solidariedade ao nrpcacine!
Joao Paulo P.M
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Excelente post e não menos excelente comentário do Alm Martins Guerreiro. Felicito os dois com um apertado abraço para cada um.
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