quarta-feira, 9 de junho de 2010

DO BOM E DO MELHOR

Os juízes querem retirar dos tribunais processos de cobrança de dívidas, porque se sentem "cobradores de fraque". O presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) veio mais uma vez clamar contra a existência de processos por dívidas em tribunal. "Os tribunais não podem ser os cobradores de fraque", disse Noronha Nascimento, durante uma conferência na Universidade Portucalense. E acrescentou: "Temos milhares e milhares de acções em que os tribunais funcionam como cobradores de dívidas das empresas". Noronha Nascimento afirmou ainda que "o STJ português é o tribunal supremo da Europa que decide mais depressa, demorando dois meses e meio a três meses a produzir um acórdão". Ora, as coisas não são exactamente como as pinta o presidente do STJ. Comecemos pela última afirmação citada. Portugal é um dos países do mundo que têm mais juízes-conselheiros. Só o STJ tem mais de seis dezenas, além de dez outros juízes como seus assessores. Por outro lado, nos últimos anos, os recursos para o STJ reduziram-se acentuadamente, devido a alterações legislativas que permitem ao juízes dizer quando um recurso pode lá chegar. Em Portugal, é cada vez mais difícil (e mais caro) levar um recurso ao STJ, pois tal já quase não depende da lei, mas sim das decisões de juízes. Em alguns casos, basta apenas que um tribunal da relação confirme a sentença de 1.ª instância (mesmo que por mera remissão para os seus fundamentos) para que não possa haver recurso dessa decisão para o STJ. Assim, afirmar que o STJ demora três meses a decidir o recurso que um advogado tem de elaborar em 15 dias não deveria ser motivo de orgulho, pois pode significar apenas que, em consequência do processo de desjudicialização da Justiça, o STJ tem poucos processos para decidir. Aliás, tudo indica que a produtividade dos juízes portugueses tem vindo a diminuir de ano para ano e é mesmo das mais baixas da Europa. O que se deveria revelar é quantas decisões de mérito profere o STJ por ano e, sobretudo, quanto custa cada decisão, ou seja, quanto é que o Estado gasta por ano com os juízes-conselheiros, incluindo com as ajudas de custo (iguais às dos membros de Governo) que cada um recebe por cada dia que se desloca ao STJ (ao seu local de trabalho), aliás, com viagens gratuitas. Quanto às dívidas, convém desde já sublinhar que, ao longo da história da Humanidade, só se conheceram duas maneiras de cobrar uma dívida ao devedor que se recusa a pagá-la voluntariamente: deitar-lhe as mãos ao pescoço e obrigá-lo a pagar à força ou, então, levá-lo a tribunal. Obrigar uma pessoa a pagar uma dívida só pode ser feito nos tribunais, ou seja, num órgão dotado do poder soberano de julgar, que declare o direito do credor e a seguir execute o património do devedor para realizar esse direito. Infelizmente, por cobardia ou oportunismo, não se fizeram, em Portugal, as reformas que adaptassem a Justiça às exigências da democracia e do desenvolvimento. Em vez disso, os magistrados apropriaram-se dessa função soberana e colocaram-na ao serviço dos seus interesses egoístas. Criaram sindicatos, fazem greves (à soberania), insubordinam-se publicamente contra as leis da República, interferem permanentemente com os outros poderes de Estado e têm sido os principais incentivadores da desjudicialização da Justiça. Tudo isso sempre com os mesmos objectivos: ganhar mais, trabalhar menos (menos processos em tribunal) e manter os privilégios. Por isso, os tribunais constituem, hoje, um grave entrave ao desenvolvimento económico, pois as empresas não podem contar com eles para cobrar os seus créditos, ao mesmo tempo que amputaram a cidadania de uma das suas dimensões essenciais, já que os cidadãos não podem recorrer a eles para defender os seus direitos. Em suma, os tribunais portugueses transformaram-se num inferno para os credores e num paraíso para os caloteiros. Por isso, muitos credores têm optado pela única via que lhes resta, ou seja, a de procederem eles próprios às cobranças dos seus créditos. Hoje é mais fácil e mais barato contratar um ou dois gangsters para deitar as mãos ao pescoço de um devedor do que levá-lo a tribunal. São cada vez em maior número os casos de cobranças de dívidas à força, com homicídios dos devedores, sequestros e/ou espancamentos, danos nos seus bens (incêndios de automóveis, p.e.), ameaças aos seus familiares, entre outros métodos. Depois de terem conseguido a privatização da acção executiva (aliás, com o apoio da Ordem dos Advogados), os juízes querem agora retirar dos tribunais os processos de cobrança de dívidas, só porque se sentem "cobradores do fraque". Será que o país vai consentir mais este passo na desjudicialização da Justiça?

1 comentário:

Anónimo disse...

Acho graça à etiqueta