Certas
pessoas cujas decisões têm uma forte repercussão na nossa vida
individual e colectiva — e de cuja escolha, diga-se em boa verdade, nos
cabe uma boa parte da responsabilidade — têm das Forças Armadas em
geral, e da Marinha em particular, uma visão tipo “Lego”.
Para
elas, a instituição é qualquer coisa a que se pode tirar
indiscriminadamente peças sem que o resultado final se altere
grandemente.
Corpos
que, por tradição e estatuto, carecem de poder reivindicativo são
naturalmente mais permeáveis a alterações
violentas, muitas vezes disfarçadas de reestruturações. Estão concebidos
para cumprir, não para contestar. Cultivam o sentido do dever, coisa
que, vista de longe (mas só muito de longe), alguns poderão confundir
com apatia e subserviência.
Talvez
por isso, os “leguistas” ignoram, aparentemente, o que seja o cimento
de organizações como a Marinha. Habituados a privilegiar o individual em
detrimento do colectivo, a visar o imediato fechando os olhos ao
duradouro, encaram levianamente a filosofia, o espírito, a cultura da
instituição.
Estranho?
Talvez não: quem nunca chega a criar raízes, transitando de ministério
em ministério, para terminar eventualmente num confortável conselho de
administração, não tem tempo para compreender o pulsar da instituição
que efemeramente tutela. Não distingue mandar de comandar.
Os
“leguistas” vão, paulatinamente, fazendo o seu caminho. De forma
tentada ou conseguida, vão extirpando hoje um museu, amanhã uma
instalação fabril, depois um hospital, num futuro não demasiadamente
longínquo uma base naval; pé ante pé, vão sapando capacidades que no seu
conjunto são uma insubstituível mais-valia para a instituição e para o
país, enchendo invariavelmente a boca com as estafadas palavras
“rentabilização” e “modernização” para justificar esta progressiva
desconstrução (por mero pudor, evito o termo “desmantelamento”).
O
passo derradeiro, nesta linha de actuação, há-de ser a eliminação dos
meios navais, porque já nada haverá que os sustente. Ora, sem meios
navais, para que serve a Marinha? Peça a peça, desmontar-se-á no final
todo o Lego, até que da construção inicial — que levou centenas de anos a
criar — não reste mais que a memória.
Talvez
esta seja uma visão pessimista. Haverá quem lhe chame até
catastrofista. Oxalá tenham razão os que assim pensam. Gostaria muito de
estar enganado. Francamente, porém, prefiro estar enganado a deixar-me
enganar.
Este post foi colocado no blog "A voz da Abita ", sempre uma referencia para esta guarnição.
Mas pela sua oportunidade, clareza e quiçá premonição , gostaríamos , com a devida vénia, que também ficasse nos arquivos da CACINE.
E parabéns ao autor, que se calhar não anda nada longe da verdade, e o mal é que ninguém dá caça ao abutre
1 comentário:
Muito bom , sim senhor.
LGF
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