quinta-feira, 15 de abril de 2010

ORA TOMA!

António Borges de Carvalho
A história dos fumos de corrupção a propósito da compra dos submarinos tem tido, como resultado imediato, o surgimento de novos e insuspeitos estrategos, que muito enriquecem o pensamento pátrio nestas matérias. Prenhes de mais rebuscada ignorância, figuras como o storyteller Tavares (Sousa) e como a grande referência do socialismo vale-tudo Almeida Santos expelem acrobáticas opiniões tendentes a cavalgar a onda poluída que por aí espuma destinada a pôr em causa o que governos de várias cores decidiram e tornaram a decidir ao longo dos anos, o que vários parlamentos de várias cores foram, repetidamente, aprovando: a aquisição de dois submarinos para a Armada. Parece, imagine-se, que até o General Valença Pinto (um erro de casting de ciclópicas consequências) foi, coitadinho, assaltado por dúvidas metafísicas acerca do assunto!
Poderá compreender-se que se pense que a despesa que os submarinos envolvem não é, na situação actual, coisa bem-vinda. O que não tem a ver com a compra em si, efectuada no tempo em que o socialismo ainda não tinha chegado onde chegou na sua ruinosa obra, nem com a necessidade de dar crédito às pretensões marítimo-territoriais da Nação. Se houvesse, hoje, que decidir, talvez fosse de pensar duas vezes. Mas, quando os submarinos estão prontos, quando o Estado tomou os compromissos que tomou, “borregar” não seria muito pior para todos nós? Que credibilidade internacional traria ao país uma atitude dessas? E como se esgrimiriam argumentos, na ONU, sobre a soberania portuguesa na plataforma continental? No entanto, o governo que temos pede “pareceres” sobre a “legitimidade” de anular a aquisição!
Assiste o governo, angelical, à polémica das contrapartidas, como se não tivesse toda e exclusiva responsabilidade em tal matéria. Há anos e anos que uma distinta comissão, chefiada por um embaixador (Pedro Catarino, na reforma, simpatizante do PS) tido por alta figura da nossa diplomacia, anda a tratar do assunto sob opatrocínio e a tutela dos ministros da defesa e da economia.
Compete aos alemães velar pelas contrapartidas, ou ao governo e à sua ilustre comissão? Algo me diz que a tal comissão, para além de cobrar umas senhas, não fez a ponta de um chanfalho nos últimos seis anos! Se fez, fez mal. Isto é, pelo menos, flagrante. O que é flagrante não precisa de inquéritos, precisa de acção, de decisão. Precisa que a comissão seja, imediatamente, posta no caixote do lixo e que o governo faça alguma coisa com cabeça tronco e membros em vez de andar a sacudir a água do capote.
Nada disto foi feito. O governo anda calado como um rato, a pedir pareceres sobre a nobre decisão de faltar a um compromisso assumido e reiterado há anos e anos, compromisso que já produziu os seus efeitos finais, mesmo que, demonstrando ao mundo a mais radical desonestidade, se queira, hoje, virar o bico ao prego.
O que ao governo e ao PS interessa é que alguém da oposição seja envolvido na eventual corrupção. O resto é conversa. O governo sabe que não tratou das contrapartidas, o governo sabe que não há volta a dar à compra firmada, o governo manda altas figuras do PS pôr em causa legítimas e fundamentadas decisões, o governo anda a ver se se safa de mais uma em vez assegurar os créditos de seriedade que o país merece. Ainda por cima, fá-lo agitando culpas de terceiros em matérias, talvez graves, mas que nada têm a ver com a substância do que, em termos nacionais, está em causa.
in"jornal de defesa e relações internacionais"

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