sexta-feira, 23 de abril de 2010

FALARAM


MENSAGEM


Cada ano que passa, renova-se o ritual de lembrar o Portugal de antes de Abril, a luta contra a ditadura, a libertação e os dias de esperança e de construção de um país novo.


Fazemo-lo, orgulhosos da luta desenvolvida contra os opressores, da acção libertadora que essa luta proporcionou e das jornadas cívicas, onde todos participaram activamente.


Fazemo-lo também no ano em que se evocam os cem anos da implantação da República. Lembrando que o 25 de Abril fez renascer os valores republicanos, que havia 48 anos estavam amordaçados.


E, num tempo em que parecem vacilar os valores republicanos do serviço público desinteressado, do culto do bem comum e da escrupulosa gestão dos valores patrimoniais comuns, no momento em que muitos inimigos da República, da Liberdade, da Justiça Social e do 25 de Abril se aproveitam das fraquezas dos maus republicanos para as darem como inerentes e contaminadoras do próprio ideal democrático, há que afirmar orgulhosamente os princípios por que se bateram os combatentes da Rotunda, dizendo que o 25 de Abril de 1974 prolongou e aprofundou o 5 de Outubro de 1910, a bem de Portugal e dos Portugueses.


Mas passados 36 anos, olhando a situação a que se chegou, impõe-se perguntar “Se foi para isto que se fez o 25 de Abril?”


É uma questão que se coloca muitas vezes, juntamente com a de “Valeu a pena?”, acrescida da afirmação “É preciso fazer outro 25 de Abril!”


Perante o ponto a que se chegou, confessamos ser difícil responder a essas questões.


Os sentimentos são contraditórios, parecem impossíveis de conviver entre si.





Isto porque por um lado, foi para isto que se fez o 25 de Abril!


Sim, porque foi para terminar com a ditadura que se fez o 25 de Abril! E, em consequência, a democracia aí está, possibilitando a todos e a cada um que, usando a liberdade conquistada, participe na escolha dos seus diversos dirigentes.


Sim, porque foi para terminar com a guerra que se fez o 25 de Abril! E a guerra terminou, ajudando ao nascimento de novos países, que, com muitas dificuldades é certo, vêm caminhando, fazendo o seu próprio caminho de países independentes, construindo a sua própria história.


Sim, porque foi para terminar o isolamento internacional em que Portugal vivia que se fez o 25 de Abril. E aí estamos nós, inseridos na União Europeia, com relações amigáveis com todos os países do mundo!


De facto tudo isto é verdade, mesmo que tenhamos de concordar que a Democracia tem enormes defeitos, não sendo perfeita só porque ainda não se conhece sistema menos mau. Sendo que o maior deles é permitir que se continue a assumir estar-se em democracia, quando apenas subsistem alguns dos seus aspectos formais.


Como temos de concordar que a Liberdade sofre demasiadas condicionantes, fruto do poder dos mais poderosos, que encontram sempre fórmula de pressionar os mais desfavorecidos.


Como teremos de reconhecer que, apesar de não estarmos envolvidos directamente em qualquer guerra, nos deixámos levar à participação em guerras alheias, fortemente injustas e condenáveis, dando cobertura a acções de agressão a povos com os quais devíamos ser solidários.


Mas, apesar de todas estas insuficiências da nossa democracia, continuamos a considerar que valeu a pena!


A Liberdade, a Democracia e a Paz são valores sem preço, pelos quais vale a pena lutar e tudo arriscar!





Por outro lado, o 25 de Abril também foi feito para alcançar a Justiça Social, nas suas várias vertentes!


O 25 de Abril também foi feito para terminar com as enormes desigualdades de que a sociedade portuguesa padecia, também foi feito para fazer com que as classes mais desfavorecidas passassem a ser menos desfavorecidas.


E também foi feito para se construir uma sociedade mais justa, mais igualitária, mais democrática.


E, perante a situação que atingimos, perante a situação que vivemos, há que dizer clara e inequivocamente que “não foi para isto que se fez o 25 de Abril!


Não foi para cavar um fosso cada vez maior entre os mais ricos e os mais pobres, com situações aberrantes, onde o leque salarial atinge valores de várias centenas, que se fez o 25 de Abril!


Não foi para aumentar a distorção da distribuição do rendimento do trabalho, onde o capital vem abocanhando cada vez mais uma parte de leão, que se fez o 25 de Abril!


Não foi para criar gritantes e escandalosas anomalias na distribuição da parte que cabe aos trabalhadores, que se fez o 25 de Abril!


Como é possível que, enquanto o trabalhador médio português ganha pouco mais de metade do que se ganha na Zona Euro, o gestor português suplante os valores ganhos pelos homónimos americanos, franceses, finlandeses, suecos e outros.


Não foi para isto que se fez o 25 de Abril!


Como também não foi para criar uma sociedade corrupta, de total impunidade e compadrio, que se fez o 25 de Abril!


Não foi para ver os máximos dirigentes do país desacreditados e sem autoridade moral, para pedirem sacrifícios à generalidade da população, que se fez o 25 de Abril!





Como foi possível termos chegado a isto?


Como é possível ter-se enfrentado a crise, de forma a que os únicos que ganharam com isso tenham sido os próprios responsáveis por ela? O facto é que, passado o susto, salvos pelo dinheiro dos contribuintes, refinaram os seus métodos, aumentaram os seus privilégios e aí estão, prontos a continuar a exploração de todos, em benefício pessoal! Nada aprenderam com o susto, mantêm uma inconcebível falta de regras éticas e continuam a levar-nos para o abismo.


E, enquanto os gestores continuam a receber vencimentos milionários, os banqueiros a ver aumentados os rendimentos do passado, o desemprego continua a aumentar, os trabalhadores precários são cada vez mais, os pobres aumentam em número absoluto e relativo e as desigualdades sociais são cada vez maiores. A maioria da população vê o seu cinto cada vez mais apertado e não vislumbra uma réstia de luz, ao fundo do túnel!


Como foi possível permitir o enfraquecimento e a ineficiência do Estado, prisioneiro dos pequenos e grandes grupos de interesses que campeiam no país? Grupos que conseguiram transformar partidos políticos em agentes desses mesmos interesses particulares? Assim se chegando a uma situação de degradação inaceitável do Estado, por via da sua subordinação a interesses avulsos e ilegítimos.





Temos de ser capazes de romper essa tenebrosa teia de interesses. A vida colectiva dos Portugueses não pode continuar à mercê de um permanente e sistemático entorpecimento do funcionamento da Justiça!


Temos de ser capazes de acabar com o nexo directo entre o não funcionamento dos serviços judiciários, a corrupção e a fraude! Só assim acabaremos com o clima de mal-estar que se instalou na nossa sociedade – o maldizer, o derrotismo, o pessimismo!


Temos de ser capazes de acabar com a impunidade dos responsáveis, por mais arbitrariedades e erros que cometam!





Sim, não foi para isto que se fez o 25 de Abril!


Por isso, como responsáveis maiores do acto libertador de 1974, aqui deixamos o nosso grito de revolta: Não estamos arrependidos, continuamos a considerar que, apesar de tudo, valeu a pena, mas chegou a altura de, também nós, gritarmos que é necessário um outro 25 de Abril!


Mas um 25 de Abril com outras armas!


Não com as G3 e as Chaimites, pois não vivemos em ditadura, mas com as armas que a Democracia nos faculta!


A nossa acção cívica tem de conseguir parar a degradação da nossa sociedade, tem de conseguir devolver-nos a esperança de um novo país, com justiça e solidariedade. Um país mais livre, democrático, justo e fraterno.


E isso só será possível se, todos e cada um, nos imbuirmos do espírito de Abril, se impusermos os seus valores a quem nos dirige. Usando os instrumentos que a Democracia nos fornece, não tendo medo de assumir uma atitude cívica, em defesa e na luta pelos nossos valores, pelos nossos ideais.


Vamos voltar a dizer não! Vamos vencer o medo, não esperando que outros resolvam os problemas! É preciso voltar a avisar toda a gente!


É difícil? Certamente, mas Abril não foi nada fácil. Acreditem que, apesar de ter parecido fácil, porque tudo correu bem, não foi nada fácil.


A responsabilidade na construção de um Portugal verdadeiramente democrático é de todos nós, sem excepção.

Acreditemos todos que é novamente possível!
Viva o 25 de Abril
Viva Portugal
Abril de 2010






1 comentário:

Anónimo disse...

Parabéns. É impossível não estar de acordo com tudo o que está escrito da primeira à última palavra. Que magnífico texto para celebrar Abril no Blog NRP Cacine!