MENSAGEM
Cada ano que passa, renova-se o ritual de lembrar o Portugal
de antes de Abril, a luta contra a ditadura, a libertação e os dias de
esperança e de construção de um país novo.
Fazemo-lo, orgulhosos da luta desenvolvida contra os
opressores, da acção libertadora que essa luta proporcionou e das jornadas
cívicas, onde todos participaram activamente.
Fazemo-lo também no ano em que se evocam os cem anos da
implantação da República. Lembrando que o 25 de Abril fez renascer os valores
republicanos, que havia 48 anos estavam amordaçados.
E, num tempo em que parecem vacilar os valores republicanos
do serviço público desinteressado, do culto do bem comum e da escrupulosa
gestão dos valores patrimoniais comuns, no momento em que muitos inimigos da
República, da Liberdade, da Justiça Social e do 25 de Abril se aproveitam das
fraquezas dos maus republicanos para as darem como inerentes e contaminadoras
do próprio ideal democrático, há que afirmar orgulhosamente os princípios por
que se bateram os combatentes da Rotunda, dizendo que o 25 de Abril de 1974
prolongou e aprofundou o 5 de Outubro de 1910, a bem de Portugal e
dos Portugueses.
Mas passados 36 anos, olhando a situação a que se chegou,
impõe-se perguntar “Se foi para isto que
se fez o 25 de Abril?”
É uma questão que se coloca muitas vezes, juntamente com a
de “Valeu a pena?”, acrescida da
afirmação “É preciso fazer outro 25 de
Abril!”
Perante o ponto a que se chegou, confessamos ser difícil
responder a essas questões.
Os sentimentos são contraditórios, parecem impossíveis de
conviver entre si.
Isto porque por um
lado, foi para isto que se fez o 25
de Abril!
Sim, porque foi para terminar com a ditadura que se fez o 25
de Abril! E, em consequência, a democracia aí está, possibilitando a todos e a
cada um que, usando a liberdade conquistada, participe na escolha dos seus
diversos dirigentes.
Sim, porque foi para terminar com a guerra que se fez o 25
de Abril! E a guerra terminou, ajudando ao nascimento de novos países, que, com
muitas dificuldades é certo, vêm caminhando, fazendo o seu próprio caminho de
países independentes, construindo a sua própria história.
Sim, porque foi para terminar o isolamento internacional em que Portugal vivia
que se fez o 25 de Abril. E aí estamos nós, inseridos na União Europeia, com
relações amigáveis com todos os países do mundo!
De facto tudo isto é verdade, mesmo que tenhamos de
concordar que a Democracia tem enormes defeitos, não sendo perfeita só porque
ainda não se conhece sistema menos mau. Sendo que o maior deles é permitir que
se continue a assumir estar-se em democracia, quando apenas subsistem alguns
dos seus aspectos formais.
Como temos de concordar que a Liberdade sofre demasiadas
condicionantes, fruto do poder dos mais poderosos, que encontram sempre fórmula
de pressionar os mais desfavorecidos.
Como teremos de reconhecer que, apesar de não estarmos
envolvidos directamente em qualquer guerra, nos deixámos levar à participação
em guerras alheias, fortemente injustas e condenáveis, dando cobertura a acções
de agressão a povos com os quais devíamos ser solidários.
Mas, apesar de todas estas insuficiências da nossa
democracia, continuamos a considerar que valeu a pena!
A Liberdade, a Democracia e a Paz são valores sem preço,
pelos quais vale a pena lutar e tudo arriscar!
Por outro lado, o 25 de Abril também foi feito
para alcançar a Justiça Social, nas suas várias vertentes!
O 25 de Abril também foi feito para terminar com as enormes
desigualdades de que a sociedade portuguesa padecia, também foi feito para
fazer com que as classes mais desfavorecidas passassem a ser menos
desfavorecidas.
E também foi feito para se construir uma sociedade mais
justa, mais igualitária, mais democrática.
E, perante a situação que atingimos, perante a situação que
vivemos, há que dizer clara e inequivocamente que “não foi para isto que se fez o 25 de Abril!”
Não foi para cavar um fosso cada vez maior entre os mais
ricos e os mais pobres, com situações aberrantes, onde o leque salarial atinge
valores de várias centenas, que se fez o 25 de Abril!
Não foi para aumentar a distorção da distribuição do
rendimento do trabalho, onde o capital vem abocanhando cada vez mais uma parte
de leão, que se fez o 25 de Abril!
Não foi para criar gritantes e escandalosas anomalias na
distribuição da parte que cabe aos trabalhadores, que se fez o 25 de Abril!
Como é possível que, enquanto o trabalhador médio português
ganha pouco mais de metade do que se ganha na Zona Euro, o gestor português
suplante os valores ganhos pelos homónimos americanos, franceses, finlandeses,
suecos e outros.
Não foi para isto que se fez o 25 de Abril!
Como também não foi para criar uma sociedade corrupta, de
total impunidade e compadrio, que se fez o 25 de Abril!
Não foi para ver os máximos dirigentes do país
desacreditados e sem autoridade moral, para pedirem sacrifícios à generalidade
da população, que se fez o 25 de Abril!
Como foi possível termos chegado a isto?
Como é possível ter-se enfrentado a crise, de forma a que os
únicos que ganharam com isso tenham sido os próprios responsáveis por ela? O
facto é que, passado o susto, salvos pelo dinheiro dos contribuintes, refinaram
os seus métodos, aumentaram os seus privilégios e aí estão, prontos a continuar
a exploração de todos, em benefício pessoal! Nada aprenderam com o susto,
mantêm uma inconcebível falta de regras éticas e continuam a levar-nos para o
abismo.
E, enquanto os gestores continuam a receber vencimentos
milionários, os banqueiros a ver aumentados os rendimentos do passado, o
desemprego continua a aumentar, os trabalhadores precários são cada vez mais,
os pobres aumentam em número absoluto e relativo e as desigualdades sociais são
cada vez maiores. A maioria da população vê o seu cinto cada vez mais apertado
e não vislumbra uma réstia de luz, ao fundo do túnel!
Como foi possível permitir o enfraquecimento e a
ineficiência do Estado, prisioneiro dos pequenos e grandes grupos de interesses
que campeiam no país? Grupos que conseguiram transformar partidos políticos em
agentes desses mesmos interesses particulares? Assim se chegando a uma situação
de degradação inaceitável do Estado, por via da sua subordinação a interesses
avulsos e ilegítimos.
Temos de ser capazes de romper essa tenebrosa teia de
interesses. A vida colectiva dos Portugueses não pode continuar à mercê de um
permanente e sistemático entorpecimento do funcionamento da Justiça!
Temos de ser capazes de acabar com o nexo directo entre o
não funcionamento dos serviços judiciários, a corrupção e a fraude! Só assim
acabaremos com o clima de mal-estar que se instalou na nossa sociedade – o
maldizer, o derrotismo, o pessimismo!
Temos de ser capazes de acabar com a impunidade dos
responsáveis, por mais arbitrariedades e erros que cometam!
Sim, não foi para isto que se fez o 25 de Abril!
Por isso, como responsáveis maiores do acto libertador de
1974, aqui deixamos o nosso grito de revolta: Não estamos arrependidos,
continuamos a considerar que, apesar de tudo, valeu a pena, mas chegou a altura
de, também nós, gritarmos que é necessário um outro 25 de Abril!
Mas um 25 de Abril com outras armas!
Não com as G3 e as Chaimites, pois não vivemos em ditadura,
mas com as armas que a Democracia nos faculta!
A nossa acção cívica tem de conseguir parar a degradação da
nossa sociedade, tem de conseguir devolver-nos a esperança de um novo país, com
justiça e solidariedade. Um país mais livre, democrático, justo e fraterno.
E isso só será possível se, todos e cada um, nos imbuirmos
do espírito de Abril, se impusermos os seus valores a quem nos dirige. Usando
os instrumentos que a Democracia nos fornece, não tendo medo de assumir uma
atitude cívica, em defesa e na luta pelos nossos valores, pelos nossos ideais.
Vamos voltar a dizer não! Vamos vencer o medo, não esperando
que outros resolvam os problemas! É preciso voltar a avisar toda a gente!
É difícil? Certamente, mas Abril não foi nada fácil.
Acreditem que, apesar de ter parecido fácil, porque tudo correu bem, não foi
nada fácil.
A responsabilidade na construção de um Portugal
verdadeiramente democrático é de todos nós, sem excepção.
Acreditemos todos que é novamente possível!
Viva o 25 de AbrilViva Portugal
Abril de 2010
1 comentário:
Parabéns. É impossível não estar de acordo com tudo o que está escrito da primeira à última palavra. Que magnífico texto para celebrar Abril no Blog NRP Cacine!
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